Como boxeadores antes de uma luta pelo cinturão, os Estados Unidos e a China estão trocando provocações. Na semana passada, Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, declarou que, quando se trata do grande embate comercial, “é a China contra o mundo”. Segundo Bessent, se Pequim não recuar da ameaça de restringir a exportação de minerais de terras raras, o mundo vai precisar se desvincular da China.
Por sua vez, Pequim classificou a ameaça do governo Trump de impor tarifas de 100% sobre produtos chineses como “um exemplo típico dos padrões duplos dos EUA”. Em uma fase anterior do conflito tarifário, o Ministério das Relações Exteriores da China divulgou um vídeo de Mao Tsé-tung durante a Guerra da Coreia, proclamando: “Não importa quanto tempo esta guerra dure. Nós jamais vamos ceder.”
Mas, enquanto os dois lados posam como boxeadores na pesagem, também se preparam para conversar. Bessent planeja se reunir com seus homólogos chineses nesta semana. Há sinais claros de que o presidente Trump busca um acordo. Ele afirmou que tarifas de 100% são insustentáveis e declarou ainda admirar o “altamente respeitado” presidente Xi.
A disposição dos EUA para negociar provavelmente reflete uma percepção crescente de que – se os dois lados realmente começarem a trocar golpes – é a China quem tem mais chances de colocar o adversário no chão.
Quando Trump iniciou a guerra comercial, sua suposição inicial era a de que, como os EUA compram muito mais da China do que o inverso, Washington teria toda a vantagem.
Isso poderia ser verdade se os EUA pudessem substituir facilmente todos os produtos que compram da China. Mas, para certas commodities essenciais, a China é, de longe, o principal fornecedor.
A categoria mais óbvia são as terras raras e os minerais críticos cuja exportação a China agora ameaça restringir severamente. Qualquer pessoa que acompanhasse a disputa comercial entre Washington e Pequim conseguiria ver esse golpe vindo de longe. Em agosto passado, escrevi uma coluna intitulada “A China armou uma armadilha de terras raras para o Ocidente”. Agora, essa armadilha foi acionada.
Os EUA sabem que, se essas novas restrições entrarem em vigor em dezembro, como ameaça a China, não vai demorar muito para que algumas linhas de produção americanas parem completamente.
Para atingir os EUA, a China precisaria restringir exportações para o mundo todo – caso contrário, os americanos poderiam adquirir o que precisam por meio de intermediários. Mas a previsão de Bessent de que o resto do mundo se uniria em apoio aos EUA é questionável, já que Washington perdeu grande parte da boa vontade internacional ao impor tarifas tanto a aliados quanto a adversários. As políticas comerciais de Trump são tão amplamente impopulares que alguns países provavelmente vão torcer, em silêncio, pela China.
Atualmente, as terras raras parecem ser a arma mais poderosa da China. Mas há outras que poderiam ser utilizadas caso a guerra comercial se intensifique. Uma nova análise publicada na semana passada mostrou que a China é a única fornecedora de substâncias químicas essenciais usadas em produtos farmacêuticos amplamente consumidos – incluindo antibióticos e tratamentos para problemas cardíacos, câncer e alergias. O estudo concluiu que, no total, quase 700 medicamentos usados nos EUA dependem de ingredientes produzidos exclusivamente na China.
À medida que as tensões geopolíticas e comerciais entre os EUA e a China aumentaram, os dois países passaram a procurar pontos de pressão que pudessem explorar. Mas a busca americana tem sido, até agora, menos bem-sucedida.
Quando os EUA impuseram sanções à Huawei e proibiram empresas americanas de venderem chips para ela, muitos previram um declínio doloroso e o fim de uma grande empresa de tecnologia chinesa. No entanto, a Huawei conseguiu se reerguer com chips e tecnologias fabricados na própria China, e agora parece estar mais forte do que nunca.
Os EUA também tentaram garantir que continuariam à frente na corrida pelo desenvolvimento da inteligência artificial. Mas as restrições de exportação não impediram o surgimento da DeepSeek, uma alternativa chinesa altamente competente frente a gigantes americanos como a OpenAI.
Se os EUA reagirem a esse novo equilíbrio de forças reduzindo a pressão comercial sobre a China, as lições irão muito além das guerras tarifárias. Ambos os países vão saber que – se algum dia o conflito se tornar militar, por exemplo, por causa de Taiwan – a China poderá exercer uma pressão real sobre a economia americana de forma bastante rápida. Dada a importância das terras raras para sistemas militares cruciais, incluindo o caça F-35, os efeitos em qualquer guerra poderiam ser bem diretos.
Mas a China também não sairia ilesa de uma guerra comercial prolongada. É verdade que os EUA hoje respondem por apenas cerca de 10% das exportações chinesas. No entanto, com a economia industrial do país sofrendo com sobrecapacidade significativa e demanda doméstica deprimida, muitas empresas chinesas precisam exportar para sobreviver e não podem se dar ao luxo de perder participação de mercado.
Mesmo nas condições atuais, não há empregos qualificados suficientes para os universitários de graduação que a China forma em massa. As repetidas purgas de altos funcionários e líderes militares também enfraquecem a imagem de confiança serena no topo que o Partido Comunista tenta transmitir.
Portanto, mesmo uma guerra comercial “vitoriosa” traria prejuízos à China.
Os EUA e a China são os dois pesos-pesados da economia mundial. Quando dois boxeadores se enfrentam no ringue, normalmente um deles é declarado vencedor no dia da luta. Mas, com frequência, ambos acabam sofrendo danos de longo prazo.
Fonte: Valor Econômico