Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
06/06/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
O desejo manifestado pelo Banco Central (BC) de encerrar em breve o ciclo de aperto monetário pode ser adiado mais uma vez. É crescente, no mercado, a aposta de que será necessária a continuidade das elevações de juros para além deste mês, na medida em que os principais componentes da inflação têm acelerado, ao mesmo tempo em que há uma melhora no desempenho da atividade econômica e do mercado de trabalho. As expectativas para o IPCA em 2023, que começam a escapar do teto da meta, testam a comunicação da autoridade monetária, o que acirra o debate num momento em que a Selic já está em níveis restritivos.
Na reunião dos dias 14 e 15 de junho do Comitê de Política Monetária (Copom), o horizonte relevante para a atuação do BC ainda contemplará integralmente o ano-calendário de 2023. Ou seja, o que for definido terá implicações para a inflação do ano que vem, e não mais deste ano. Desde a decisão de maio, as expectativas inflacionárias de médio prazo têm se afastado ainda mais do centro da meta, o que desafia os planos do colegiado de encerrar os ajustes na taxa Selic, que atualmente está em 12,75% ao ano. Na pesquisa publicada pelo Valor em 30 de maio, o ponto médio das projeções do mercado para o IPCA de 2023 estava em 4,5%. A meta para o ano é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
“Os dados de inflação continuaram vindo bastante ruins. Não houve só uma surpresa, mas também a qualidade tem sido ruim. Os núcleos [da inflação] têm piorado e estão rodando a uma velocidade muito alta. A inflação já está espalhada por muitos itens e as expectativas dos agentes para o próximo ano continuaram se deteriorando”, enfatiza o economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico, que projeta o IPCA em 9,3% neste ano e em 5% no próximo. “E, na parte da atividade, os desdobramentos nos últimos meses foram bem fortes, com queda relevante do desemprego.”
Para Velecico, o contexto macroeconômico indica que a decisão ótima de política monetária seria a de prorrogar o aperto. “Se a economia está mais resiliente e a inflação está pior, pode haver perdas adicionais nas expectativas caso não haja resposta ao cenário que está se materializando.”
O economista-chefe da Porto Investimentos, José Pena, compartilha o sentimento de preocupação. Ele observa que há um deslocamento para cima nas projeções de inflação, que já estão na casa de 5% para muitas instituições. “Se o BC parar antes do que os agentes percebam como razoável, vai correr o risco de desancorar ainda mais as expectativas, e pode ser preciso um ciclo adicional de alta.”
Pena acredita, que, em agosto, dificilmente o BC terá sinais inequívocos de que o pico da inflação tenha ficado para trás. Ele espera que alguns fatores de pressão inflacionária comecem a se dissipar em setembro, como a demanda por combustíveis pelo fim das férias de verão nos Estados Unidos, além de sinais mais claros da desaceleração econômica global.
Na visão do economista, as tentativas do BC de interromper o ciclo foram seguidamente frustradas diante das várias surpresas negativas na inflação. “As razões que o impediram de parar [de subir juros] vão desaparecer? A resposta é: provavelmente não.”
O debate no mercado em torno de qual estratégia o Banco Central deveria adotar neste momento adquiriu contornos ainda mais fortes. Enquanto uma ala do mercado acredita que o ciclo deve ter prosseguimento, outra parte advoga a favor da estratégia de se manter os juros inalterados em níveis elevados por um período mais longo.
Velecico, da Genoa, argumenta que a segunda estratégia tende a funcionar melhor no momento em que não há perda de credibilidade ou desancoragem das expectativas. “É difícil dizer que há, hoje, perda de credibilidade, mas o fato é que as expectativas estão desancoradas. O mercado não acredita que o BC irá levar a inflação para a meta. Quando as expectativas estão como agora, qualquer choque adicional tende a ser ampliado, até porque o juro vai estar parado.”
Mesmo que haja um alívio na inflação deste ano com a redução de impostos que tem sido debatida no Congresso Nacional, a Legacy Capital sustenta, em seu cenário-base, projeções que apontam para o IPCA em 8,7% neste ano e em 5,6% em 2023. A gestora espera que a Selic chegue a 13,25% ao ano neste mês e permaneça nesses níveis por um longo período, sem novas elevações no segundo semestre.
“Dá para parar o ciclo em 13,25%. Houve uma entrada de apenas 40% [do efeito] desse ciclo na economia. Ainda tem cerca de 60% esperando para entrar. O efeito desinflacionário ainda está por vir”, afirma Gustavo Pessoa, sócio-fundador e gestor da Legacy.
Embora observe que a inflação deve permanecer em níveis altos, Pessoa enfatiza que, na base anual, o pico da inflação já ocorreu. “Se olharmos a queda esperada da inflação à frente e a Selic em um patamar muito restritivo, o juro real vai aumentando. O BC não precisa mais ter que continuar subindo os juros para ficar com a Selic em um campo mais restritivo. Com o juro parado, isso já acontece”, diz.
Assim, segundo Pessoa, o nível de 13,25% da Selic, que deve ser alcançado neste mês, “já é mais que suficiente para fazer a inflação convergir para a meta”. Ele lembra que, a partir de agosto, o BC começa a olhar para a meta de inflação de 2024 e, quando notar a projeção para esse ano bem abaixo da meta devido aos níveis elevados dos juros, o peso da mudança de horizonte relevante fará com que seja mais apropriado encerrar o ciclo com a Selic em 13,25%.
Pessoa também diz não acreditar em uma desancoragem muito forte das expectativas de inflação caso o BC encerre o ciclo de aperto neste mês. “O juro real já está extremamente restritivo e começamos a ver o efeito da política monetária na nossa moeda. O real tem o melhor desempenho do mundo neste ano. E essa tendência deve permanecer por bastante tempo, enquanto o juro ficar restritivo.”
A mediana das projeções de mercado para a Selic continua a indicar a taxa básica em 13,25% no fim do atual ciclo de aperto.
Desde a decisão de maio do Copom, o BC tem dado mais destaque a um viés mais dependente de dados quanto à definição dos passos futuros da política monetária. “No momento, ainda estamos num ciclo de alta. A gente espera estar chegando ao final dele, mas é sempre uma expectativa que depende de dados”, disse o diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, em evento na Câmara Espanhola em 18 de maio.
“Nesse ambiente de instabilidade, aprendemos alguma coisa: não se deve fazer compromissos com taxas de juros”, diz o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, ao lembrar episódios recentes em que a autoridade monetária não teve sucesso em seguir o script que havia elaborado. “É preciso deixar a porta aberta e reagir às informações. Portanto, não acredito que haverá um sinal sobre o fim de ciclo. Ao menos, não deveria.”
Padovani dá ênfase, em especial, à persistência dos choques inflacionários e, ao olhar o passado recente, classifica como “inacreditável” o fato de a dinâmica inflacionária estar ainda pior. “O que estamos vendo não é comum. Já são quase 24 meses de surpresa com uma inflação mais alta.”
O sinal de alerta mais forte para o mercado veio com o IPCA-15 de maio, cuja dinâmica se mostrou ainda mais preocupante. Assim, Padovani diz não haver espaço para que o BC se mostre mais tolerante à inflação em prol de um custo menor para a atividade. “Temos um passado de muita instabilidade inflacionária. Em um ambiente desse tipo, é natural que você não saiba diferenciar uma trajetória de convergência gradual às metas com leniência por parte da autoridade”, alerta.
O economista acredita, ainda, que são necessários esforços para combater a inflação ainda neste ano. “Quanto mais alta for a inflação deste ano, maior será a indexação do ano que vem. Estamos preocupados com a inflação em 2023, já que dá sinais de que pode ser superior a 5%. Seria o terceiro ano, na sequência, que não cumpriríamos a meta. Ninguém discute o compromisso do Banco Central, mas, em termos práticos, mostra uma dificuldade muito grande.”
Fonte: Valor Econômico

