Por Roberto Lameirinhas, Valor — São Paulo
06/10/2022 10h16 Atualizado há 12 horas
O iminente alívio das sanções dos EUA ao petróleo da Venezuela, antecipado pela mídia americana, foi recebido em Caracas como uma decisão esperada e pragmática. Para analistas, a necessidade de Washington de buscar novas fontes de energia superou a determinação de manter medidas contra o regime de Nicolás Maduro, que se mostraram pouco eficientes.
A decisão de flexibilizar as sanções ocorreu no mesmo dia em que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados, a Opep+, decidiram cortar 2 milhões de barris por dia — 2% de sua produção global — para manter a alta dos preços, que aumentaram com a guerra na Ucrânia e as sanções à Rússia. O preço do petróleo Brent, referência internacional, subiu ontem pelo quarto dia seguido, fechando a US$ 94,42.
Os EUA, o governo da Venezuela e alguns membros da oposição venezuelana também teriam fechado um acordo que liberaria centenas de milhões de dólares em fundos estatais venezuelanos congelados em bancos americanos para pagar importações de alimentos, remédios e equipamentos para o sistema elétrico e de água no país, segundo o “Wall Street Journal”.
“Primeiramente, não há surpresa. Esse alívio nas sanções já vinha sendo negociado havia mais de um ano, depois que se constatou que as restrições não vinham afetando o governo de Nicolás Maduro”, disse o diretor-presidente da consultoria Datanálisis, Luis Vicente León. “Essa é uma decisão que obviamente deve ser vista como um duro golpe para a oposição, ainda que os EUA a tenham maquiado com as velhas condições para que Maduro mantenha o diálogo com os opositores, paralisado no México, se comprometa a realizar eleições limpas em 2024 e com a garantia de respeitar direitos humanos, etc.”
Os líderes da oposição a Maduro, no entanto, não reagiram diretamente — no primeiro momento — à notícia da redução das sanções. “A percepção geral é a de que a população entende que pode se beneficiar com a retomada dos negócios do petróleo e muitos caciques políticos preferem avaliar melhor sua resposta”, afirmou, sob condição de anonimato, uma fonte diplomática europeia baseada em Caracas.
As restrições ao petróleo da Venezuela também aprofundam questões geopolíticas para os EUA na região. Para driblar as sanções, o governo venezuelano vinha terceirizando a venda de seu petróleo por intermédio do Irã e vinham recebendo assistência técnica da Rússia para extrair o produto. Em janeiro deste ano, Maduro anunciou que o setor conseguiria aumentar a produção para 1 milhão de barris por dia no mês seguinte — vendendo principalmente para a China.
O resultado ainda é muito distante dos 3,7 milhões de barris diários vendidos para os EUA no auge do setor, no início dos anos 2000. Mas indica as falhas na estratégia das sanções — que tinham se aprofundado em 2019, quando EUA, outros países da região e várias nações da Europa passaram a reconhecer o opositor Juan Guaidó, e não Maduro, como “presidente legítimo” da Venezuela.
“Essa é uma situação que traz um sério problema para Washington, uma vez que empurraria o controle do setor petrolífero da Venezuela para atores como Rússia, China, Irã ou Turquia, por exemplo”, explica León. “Por mais que se considere que esta é uma questão mais de longo prazo, é um tema importante para os americanos”, diz.
Além disso, diz o analista, há a questão da Chevron, que no primeiro semestre teve renovada a licença do Departamento do Tesouro dos EUA para atuar no mercado de petróleo da Venezuela. Mesmo depois dos limites ao setor, estima-se que a companhia americana tenha investido US$ 2,6 bilhões na Venezuela, onde atua em joint venture com a estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA).
Segundo León, politicamente, o que se vê é uma opção pela gradual redução do isolamento do regime de Maduro. “Isso significa que muitos governos preferem Maduro negociando dentro da institucionalidade a mantê-lo isolado — em um vácuo que pode ser preenchido por atores menos confiáveis para Washington”, afirma.
Fonte: Valor Econômico
