Por Marsílea Gombata — De São Paulo
10/10/2023 05h01 · Atualizado há 5 horas
Os ataques de Hamas contra Israel são a maior atrocidade com a qual os judeus se deparam desde o Holocausto e têm potencial de se expandir, diz Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, ao considerar o nível de violência inédito.
“Esse é o maior nível de atrocidades que o povo judeu enfrentou em um dia de ataque desde o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial. É completamente sem precedentes, e as implicações que terão para a psique israelense, a consciência israelense são quase inimagináveis, dada a sua história”, diz em entrevista ao Valor.
Bremmer afirma que uma solução para a paz baseada em dois Estados tem sido negligenciada pela comunidade internacional. Isso, segundo ele, ajuda a explicar indiretamente o aumento do apoio ao radicalismo entre palestinos. Esse contexto, diz, acabou resultando no que ele vê como o “11 de Setembro de Israel”.
“Esse é o 11 de Setembro de Israel e, depois do 11/9 nos EUA, o resto do mundo apoiou os EUA, mas não durou muito, e os americanos cometeram muitos erros. Israel tem menor margem de manobra para cometer erros”, diz. “Está em um território muito menor e cercado pelo inimigo, enquanto os EUA são muito poderosos e estão cercados por amigos.”
Por ora, contudo, Bremmer crê que os efeitos do conflito se limitam à região. “Internacionalmente, não há muito impacto, se o conflito ficar contido em Gaza. Se a guerra se expandir e envolver o Irã, isso terá consequências enormes para o mundo”, diz o cientista político. “Levaria a um aumento dos preços do petróleo para mais de US$ 150 por barril e o mundo a uma recessão global. Se achamos que a crise envolvendo Rússia e Ucrânia tem sido um problema, não será nada comparada ao que aconteceria se o Irã entrasse em guerra com Israel.”
“Netanyahu sai enfraquecido, pois seu legado será o ataque do Hamas” — Ian Bremmer
Bremmer conversou com o Valor por telefone. Veja os principais trechos da entrevista:
Atrocidade. Esse é o maior nível de atrocidades que o povo judeu enfrentou em um dia de ataque desde o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial. É completamente sem precedentes e as implicações que terão para a psique israelense são quase inimagináveis, dada a sua história. Os ataques perpetrados pelo Hamas levarão a enormes ataques militares por parte dos israelenses, têm o potencial de se expandir para além de Gaza, e isso é muito perigoso para a região. Israel estava se saindo bem geopoliticamente, tinha relações normalizadas com vários países da região. Mas isso fará com que tudo recue e cria uma enorme instabilidade.
Reféns. [Este conflito é diferente] por causa dos reféns e porque os israelenses mortos são civis, em sua maioria. Não há precedentes. Assim como o fato de terem sido ataques no território de Israel. A segurança da fronteira [em Israel] não é como a dos EUA, onde há imigrantes ilegais chegando o tempo todo.
Dois Estados. Uma solução baseada em dois Estados deixou de ser uma questão prioritária há algum tempo. Não tem pautado o debate em Israel, as pessoas não votam pensando na questão palestina, mas muito mais em questões econômicas. Enquanto os israelenses têm uma posição geopolítica fortalecida, os palestinos são esquecidos e ficam em uma posição muito mais fraca. E, claro, essa é em parte a razão pela qual tem havido maior apoio a radicalismo entre os palestinos. Cada vez mais eles sentem que não existem outras oportunidades para eles terem um futuro, oportunidades econômicas e educação para seus filhos, assim como em relação à soberania sobre as suas terras e territórios e a capacidade de se defenderem. Todo povo tem direito ao território e poder se defender. E isso não é algo que os palestinos tenham estado perto de alcançar nos últimos anos.
Palestinos. Há a ideia de uma vida mais difícil para os palestinos nos territórios ocupados [pós-conflito]. Há cerca de 2,3 milhões de palestinos em Gaza e esta manhã Israel anunciou um cerco a todos eles e bloqueou a entrega de alimentos, água ou gás para Gaza. É um território com 50% de pobreza, onde 70% das pessoas não têm acesso a água potável. A questão é se isso se estenderá aos territórios ocupados na Cisjordânia, e creio que há um grande risco de isso acontecer. O potencial para um ciclo crescente de violência após essas atrocidades causadas pelo Hammas é razoavelmente elevado.
Netanyahu. Acho que o premiê Binyamin Netanyahu sai mais enfraquecido desse episódio, porque o seu legado agora será esse ataque do Hamas. É um legado de falha militar e de inteligência sob sua gestão. Ele é, em última análise, a autoridade responsável por eles. E será responsável pela resposta militar. Se Israel tiver sucesso, virá em seu benefício. Esse é o 11 de Setembro de Israel e, depois do 11/9 nos EUA, o resto do mundo apoiou os EUA, mas não durou muito, e os americanos cometeram muitos erros. E Israel tem menos margem de manobra para cometer erros. Estão em um território muito menor e cercados pelo inimigo, enquanto os EUA são muito poderosos e estão cercados por amigos. Será mais difícil para Netanyahu seguir em frente.
Negociações com o Hamas. [Assim como no caso de Vladimir] Putin, um criminoso de guerra, é muito difícil negociar com quem você considera terrorista. Não espero que os israelenses negociem com o Hamas. Acredito que os israelenses irão trabalhar para destruir a liderança do Hamas e seus militantes, a fim de garantir que sejam desarmados. E essa é uma tarefa muito difícil de se fazer em um cenário de guerra.
Consequências. As consequências são para a região. No mundo árabe ficará cada vez mais visível o apoio aos palestinos, o que não tem sido o caso nos últimos anos, e isso limitará a capacidade dos Estados árabes de continuarem a aprofundar os seus compromissos, ou até mesmo manter o atual nível de envolvimento, que têm com Israel hoje. Internacionalmente, não há muito impacto direto, se o conflito ficar contido em Gaza.
Se a guerra se expandir e envolver o Irã, isso terá consequências enormes para o mundo. Levaria a um aumento dos preços do petróleo para mais de US$ 150 por barril e o mundo a uma recessão global. Se achamos que a crise envolvendo Rússia e Ucrânia tem sido um problema, não será nada comparada ao que aconteceria se o Irã entrasse em guerra com Israel.
Fonte: Valor Econômico

