O aperto implacável de Pequim sobre os financiamentos a incorporadoras foram golpe para muitas famílias
Por Nathaniel Taplin — Dow Jones Newswires
28/08/2023 05h03 · Atualizado
As notícias econômicas vindas da China neste terceiro trimestre têm sido, em uma palavra, deprimentes. E os números que aparecem nas manchetes, por piores que sejam, ainda sugerem um problema mais fundamental: Pequim não conseguiu convencer as famílias de que seu futuro financeiro está garantido na era pós-covid
O principal dado de julho do país, anunciado no começo de agosto, mostra um quadro de uma economia perto da estagnação. O crescimento das vendas no varejo desacelerou para 2,5% em comparação ao mesmo período do ano passado – com a inflação dos preços ao consumidor já negativa. O setor industrial mal cresceu: 0,1% em relação a julho em termos sazonalmente ajustados. E os bancos concederam o menor volume líquido de novos empréstimos desde 2009. Pequim respondeu reduzindo duas importantes taxas de política – e anunciando que não divulgará dados sobre o desemprego entre os jovens, que vinha se mostrando em torno de 20%.
Após um começo de ano aparentemente promissor, como as coisas ficaram tão ruins novamente, e tão rápido?
Há muitas coisas ruins para escolher: as exportações estão em queda, os investimentos externos estão secando e o mercado de trabalho em geral está enfraquecendo novamente.
Mas talvez a explicação mais convincente seja esta: as famílias vêm sofrendo uma enorme, e possivelmente permanente, perda de confiança em suas perspectivas de renda futura e na segurança e valor de seu principal ativo financeiro, a moradia. E nos dois casos, as políticas recentes de Pequim merecem grande parte da culpa, o que pode ser uma das razões pelas quais os dados econômicos subitamente se tornaram tão sensíveis.
Um pouco de história ajuda aqui. Os comentários sobre o milagre econômico da China frequentemente se concentram da reforma das empresas estatais. Mas a privatização do estoque de moradias do país nos anos 80, 90 e começo dos anos 2000, uma das maiores transferências de riqueza para as famílias da história, indiscutivelmente foi tão importante quanto. Ela deu às famílias um mínimo de segurança financeira real e uma fonte de capital para investir em novos negócios – assim como o espaço para o setor privado na China se abrir amplamente.
Desde então, a habitação tem funcionado, para muitas famílias, como uma combinação de plano de aposentadoria, apólice de seguro e carteira de ações. Os preços das moradias em constante alta – e a riqueza – têm sido uma dor de cabeça para os compradores jovens e um fator de endividamento, mas também ajudaram a preencher lacunas na rede de segurança social para poupadores de meia-idade.
O aperto implacável de Pequim sobre os financiamentos a incorporadoras, os calotes da megaincorporadora Evergrande e a longa e profunda crise imobiliária que se seguiu – com muitas famílias deixadas à espera de apartamentos comprados na planta, que poderiam nunca ser construídos – foram, portanto, um grande golpe para muitas famílias. E isso aconteceu num momento em que o setor de serviços, a principal fonte de bons empregos, já se enfraquecia graças às políticas draconianas para combater a covid-19 e a repressão aos setores de tecnologia e educação da internet.
Para uma analogia grosseira em termos americanos, imagine que durante os “lockdowns” da covid-19 em 2020, Washington também tivesse decidido cortar radicalmente os benefícios futuros da Previdência Social e do Medicare – lançando simultaneamente um ataque ao Vale do Silício, uma das fontes restantes de crescimento de bons empregos.
As famílias responderam boicotando o mercado da habitação e pagando dívidas em uma escala aparentemente sem precedentes na história recente chinesa. O estoque de financiamentos imobiliários residenciais individuais na China caiu de forma flagrante no quarto trimestre de 2022 e no segundo trimestre de 2023 – algo que não aconteceu nem mesmo durante a queda muito mais acentuada dos preços dos imóveis no fim de 2014 e começo de 2015. As incorporadoras venderam 60,3 milhões de pés quadrados de imóveis residenciais em julho – o menor número em qualquer mês desde 2012, segundo a provedora da dados Ceic.
Enquanto isso, após um breve salto pós-covid, as famílias se voltaram novamente para a poupança preventiva. Cerca de 58% dos participantes de uma pesquisa do banco central com correntistas urbanos indicaram uma preferência por aumentar os depósitos de poupança no segundo trimestre, ligeiramente abaixo dos 62% de dezembro de 2022, mas um aumento de quase 15 pontos porcentuais desde a metade de 2019. Apenas 24,5% se mostraram inclinados a aumentar o consumo.
Agora, com outra grande incorporadora – Country Garden – aparentemente mal das pernas e a economia flertando com a deflação, parece claro que chegou a hora de flexibilizar o balanço do governo central. Um grande estímulo ao consumo seria a única maneira de convencer as famílias de que o governo está preocupado com os interesses delas novamente – e não só com políticas industriais grandiosas e com a geopolítica. Um apoio muito mais rígido às incorporadoras será politicamente intragável, mas provavelmente necessário também. Uma abordagem que pode ser mais fácil de engolir seria um programa de “redesenvolvimento de favelas” ampliado e com financiamento público, do tipo usado para resgatar incorporadoras em 2016.
Caso contrário, se Pequim não conseguir provar para as famílias que ainda é capaz de ações práticas e energéticas no interesse delas, a China poderá passar por um período doloroso de estagnação econômica – e, eventualmente, também de instabilidade política.
Fonte: Valor Econômico

