27 Oct 2023 LUIZ GUILHERME GERBELLI MÁRCIA DE CHIARA
A aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que prevê a taxação dos fundos exclusivos e offshore pode abrir caminho para a judicialização do tema, de acordo com advogados tributaristas consultados pelo Estadão. O texto ainda vai passar pelo Senado.
O projeto faz parte da estratégia do governo de turbinar a arrecadação e, dessa forma, tentar cumprir a meta de zerar o rombo das contas públicas no ano que vem. O texto sofreu alterações na Câmara, mas a expectativa inicial do governo era de arrecadar R$ 7 bilhões, com a taxação das offshores, e R$ 13 bilhões com a tributação dos exclusivos.
A versão aprovada em plenário na noite de quarta-feira, no entanto, tem pontos sensíveis na avaliação dos especialistas.
OFFSHORES. No caso das offshores, o projeto prevê uma tributação anual dos ganhos apurados pelos fundos. O lucro reconhecido será tributado em 15%, o que, hoje, só ocorre no momento da distribuição dos recursos. “Nesse ponto, tem uma discussão se a pessoa física, não tendo a distribuição de dividendos, terá disponibilidade econômica daqueles recursos para ocorrer a tributação”, afirma Christiano Chagas, sócio da área tributária do Demarest. “Pode haver ativos que não são líquidos, que eu não consiga vender, mas que podem ter alguma valorização e, de alguma maneira, vou ter de tirar dinheiro do bolso para pagar o imposto decorrente da offshore.”
Os rendimentos do capital aplicado no exterior são chamados de fundos offshore. Boa parte desses investimentos está em países considerados paraísos fiscais, que praticam baixa ou nenhuma tributação para atrair a aplicação do capital estrangeiro.
“Há uma grande discussão doutrinária sobre o conceito de disponibilidade da renda para fins da respectiva tributação. Ou seja, para que se possa cogitar a incidência do tributo é necessário que haja renda disponível, e não meramente uma renda virtual. Esse tipo de argumento poderá ser suscitado em casos particulares, especialmente quando inexista liquidez ou mesmo quando essa disponibilidade não possa ser atestada”, acrescenta Rodrigo Maito, especialista em Direito Tributário e sócio do Dias Carneiro Advogados.
EXCLUSIVOS. Outro ponto que pode ser judicializado, segundo especialistas, tem a ver com a tributação do estoque de rendimentos dos fundos exclusivos até 31 de dezembro deste ano. “A tributação do estoque pode ser controversa porque tem um argumento de que ela está sendo aplicada de forma retroativa”, afirma Bruno Gomes, sócio da Jive Investments e advogado tributarista. “Alguns investidores podem buscar o Judiciário para reconhecer que os rendimentos que estão acumulados nos fundos até 2023 só podem ser tributados quando houver, de fato, a distribuição, o resgate.”
O texto da Câmara autorizou a tributação desses fundos por meio do chamado “come-cotas” a cada seis meses, em maio e novembro, como já ocorre nos fundos abertos. Pelo projeto aprovado, os fundos exclusivos serão tributados com alíquota de 15% sobre os ganhos de longo prazo; o porcentual sobe para 20% no caso dos ganhos de curto prazo (de até um ano). No modelo atual, a tributação só ocorre no momento da amortização ou venda das cotas.
A Câmara também aprovou uma alíquota de 8% a ser paga ainda neste ano pelos detentores dos fundos, tanto no Brasil quanto no exterior, para a atualização dos ganhos acumulados até agora, o que já poderia ajudar no caixa do governo neste ano. Esse ponto divide os especialistas.
Para o economista e consultor tributário Clóvis Panzarini, a medida é eficaz e justa. “O dinheiro está lá e a instituição financeira faz a retenção e paga para o governo. Não tem como sonegar.” Já o especialista em finanças públicas Raul Veloso diz que podem ter brechas para burlar o imposto, e o dinheiro aplicado pode tomar outros rumos. “Se eu fosse o gestor financeiro do governo, sinceramente não contaria com uma situação tão favorável aos cofres públicos.”
Fonte: O Estado de S. Paulo

