Por Marsílea Gombata e Lucianne Carneiro — De São Paulo e do Rio
13/03/2024 05h01 Atualizado há 5 horas
A inflação medida pelo IPCA subiu mais que o esperado em fevereiro, mas trouxe sinais de que o processo de desinflação está em curso. Economistas alertam, contudo, para riscos altistas que podem ameaçar o ritmo de queda dos juros, como a alta dos alimentos e a estagnação de queda da inflação subjacente de serviços, que reúne itens mais sensíveis à atividade econômica. Puxado por custos com educação, o IPCA subiu 0,83% em fevereiro, segundo o IBGE, após alta de 0,42% em janeiro.
A taxa de fevereiro ficou acima da mediana das projeções de 38 instituições financeiras e consultorias, compiladas pelo Valor Data, de alta de 0,78%, mas no intervalo das projeções, de 0,57% a 0,88%.
No acumulado em 12 meses a alta foi de 4,5% (4,51% em janeiro). O resultado em 12 meses ficou acima do centro da meta perseguida pelo Banco Central em 2024, de 3%, mas dentro da tolerância de 1,5 ponto percentual, para mais ou menos.
A média dos cinco núcleos do IPCA monitorados pelo BC subiu para 0,5% em fevereiro, de 0,42% em janeiro, segundo a MCM Consultores. No acumulado em 12 meses, recuou de 4,25% para 4,01%.
O índice de difusão, que mede a proporção de itens que tiveram aumento de preços no mês, caiu de 65,3% em janeiro para 57% em fevereiro. Excluindo alimentos, o indicador também mostrou menor abrangência das altas de preços, de 65,1% para 57,9%. Das nove classes de despesas usadas para cálculo do IPCA, cinco desaceleraram na passagem entre janeiro e fevereiro.
A aceleração da inflação em fevereiro foi puxada pelos custos de educação, que subiram de 0,33% em janeiro para 4,98% em fevereiro. A alta respondeu por 0,29 ponto percentual da taxa de 0,83% do IPCA do mês, ou 34,9% do total. Os preços em educação levaram a inflação de serviços a acelerar para 1,06% em fevereiro, ante 0,02% em janeiro. Em 12 meses, desacelerou de 5,62% para 5,25%. “A alta da inflação de serviços em janeiro foi muito influenciada pelos cursos regulares e cursos diversos, dentro do grupo educação. E também teve influência do combo de telefonia, internet e TV por assinatura”, disse André Filipe Guedes Almeida, gerente do IPCA.
Também foram observadas taxas maiores de inflação em habitação (de 0,25% para 0,27%), transportes (de -0,65% para 0,72%) e comunicação (de -0,08% para 1,56%). O preço da gasolina, que subiu 2,93%, foi o principal impacto individual na alta do IPCA: 0,14 ponto percentual da taxa de 0,83%.
Por outro lado, houve taxas menores de inflação em alimentação e bebidas, artigos de residência, vestuário, saúde e cuidados e despesas pessoais.
Os preços de passagens aéreas também recuaram, acumulando queda 24,29% em 2024, ainda longe de compensar a alta de mais de 80% dos últimos meses de 2023.
Ainda que a leitura do IPCA de fevereiro tenha vindo acima do esperado, as aberturas do indicador mostram um cenário de desinflação, diz Marcela Rocha, economista da Principal Claritas. “Algumas categorias que o BC olha com lupa vieram abaixo do que esperávamos”, acrescenta.
Para serviços subjacentes, que excluem os grupos de turismo, serviços domésticos, cursos e comunicação, a leitura de 0,44% ficou abaixo do 0,76% em janeiro e da previsão de 0,51% da Principal Claritas. Para bens industriais subjacentes, a alta foi de 0,08%, frente à projeção de 0,2%. Rocha observa que, em 12 meses, as métricas desaceleraram. “Os números trouxeram confiança de que o processo desinflacionário deve continuar”, disse.
“Categorias que o BC olha com lupa vieram abaixo do que esperávamos” — Marcela Rocha
Ainda que a alta do IPCA no acumulado em 12 meses tenha arrefecido pouco, de 4,51% para 4,5% em fevereiro, Rocha prevê que o indicador termine 2024 em 3,6%. Para março, a Principal Claritas prevê aceleração mensal de 0,13% do IPCA. Para abril, alta de 0,22%.
O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) estima alta de 0,3% a 0,4% do IPCA em março. Para 2024, a expectativa é de 4,5%.
Fábio Romão, da LCA Consultores, projeta alta de 0,22% da inflação em março e de 3,9% para 2024. A projeção maior que o consenso de mercado, de 3,5%, devido a riscos altistas em alimentos e de bens industriais. “Ainda há pressões sobre alimentos que podem vir via El Niño no segundo semestre e tem a questão dos combustíveis, que podem sofrer reajuste.” Depois de altas de 18,2% em 2020, 8,2% em 2021 e 13,2% em 2022, a alimentação em domicílio caiu 0,5% no ano passado. Para este ano, a LCA projeta alta de 4,1%.
Outra pressão são bens industriais, cujo processo de desinflação acelerou no pós-pandemia, mas estagnou. A expectativa é que avancem 2,1% neste ano, ante 1,1% em 2023. Serviços e preços administrados devem puxar o indicador para baixo, diz Romão.
“Por causa da demanda reprimida, a inflação de serviços acelerou 7,6% em 2022, 6,2% em 2023 e deve ficar em 4,2% neste ano”, diz. “Há certa resiliência [na desinflação] devido ao mercado de trabalho aquecido e à massa de rendimentos crescendo.” Preços administrados devem desacelerar de 9,2% em 2023 para 4,5% neste ano.
O bom momento do mercado de trabalho deve pressionar a inflação, afirmou Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, ao incluir nesse grupo políticas orçamentárias expansionistas, falta de credibilidade das metas fiscais e expectativas de inflação para 2024 e a médio prazo não ancoradas.
Para William Jackson, economista da Capital Economics, os dados de fevereiro mostram que as pressões inflacionárias subjacentes continuam fortes. “Isso corrobora com a nossa visão de que as taxas de juros não serão reduzidas tanto quanto a maioria espera neste ano”, disse, em relatório.
Segundo Jackson, o preocupante para o BC é que os preços de serviços subjacentes sigam elevados. “Se a inflação subjacente permanecer elevada, como esperamos, o Copom passará para cortes menores de 25 pontos-base [0,25 ponto percentual] em meados do ano.”
Fonte: Valor Econômico

