Segundo relatório da empresa Emerge, cientistas brasileiros publicaram mais de 5 mil estudos sobre biomas nacionais entre 2012 e 2021
Por Naiara Bertão, Prática ESG — São Paulo
17/05/2023 12h02 Atualizado há 12 horas
O papel hoje da dupla Daniel Pimentel e Lucas Delgado à frente da Emerge é mapear a produção científica brasileira para aproximar pesquisadores e empresas e, assim, gerar inovação. Nesse contexto, sua mais nova frente de atuação, desenvolvida a partir da demanda de empresas-clientes, está na área de biodiversidade brasileira.
Responsável por 15% a 20% da biodiversidade mundial, o Brasil tem potencial, na opinião dos empresários, de desenvolver tecnologias de alto valor agregado e encontrar soluções inovadoras para os desafios corporativos a partir do estudo da fauna e da flora nacionais.
Segundo levantamento da Emerge, chamado Emerge Biodiversidade, cientistas brasileiros publicaram mais de 5 mil estudos sobre biomas nacionais entre 2012 e 2021. Boa parte desse material (40%) se refere à Mata Atlântica, enquanto 22% ao Cerrado, 16% Amazônia, 13% Caatinga, 5% Pampa e outros 5% o bioma marinho.
A questão, segundo Daniel Pimentel, co-fundador e diretor da Emerge Brasil, é entender se, para além das publicações, essa ciência é robusta e relevante do ponto de vista de descobertas e avanço no conhecimento, e se as produções científicas desenvolvidas são possíveis soluções para as dores e problemas do mercado, ou seja, se apresentam potencial para o desenvolvimento de tecnologias e negócios.
“Ao fim do projeto, respondemos que sim! Há ciência relevante no Brasil, há pesquisadores endereçando essa ciência para a solução de problemas de mercado, os pesquisadores querem empreender e participar do processo de inovação, há avanços e resultados laboratoriais das tecnologias, e há, sobretudo, interesse de mercado. Grandes empresas parceiras e a Emerge já investiram em seis tecnologias e tantas outras estão sendo negociadas”, explica Pimentel
Para mapear iniciativas da academia que possam contribuir para desafios que empresas estão passando, a Emerge fez um grande mapeamento de potenciais inovações vindas de Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT), pesquisadores individuais, professores e startups na área de biodiversidade.
Foram filtradas iniciativas em quatro indústrias: cosméticos e perfumaria, saúde e fármacos, saúde animal e químicos renováveis e novos materiais. Entre as empresas interessadas em se conectar com a academia, estão a farmacêutica Aché, a petroquímica Braskem, a Ourofino Saúde Animal e o Grupo Boticário, de cosméticos e perfumaria.
O resultado foi consolidado em um levantamento publicado com exclusividade pelo Prática ESG. De um total de 27,8 mil artigos, patentes e publicações científicas no radar, 241 foram selecionados.
Desse grupo, 87 passaram para a fase de aprofundamento, em que ocorrem conversas com os pesquisadores para entender os detalhes das iniciativas, que resultaram em 15 tecnologias escolhidas por terem o perfil procurado pelas empresas. Até agora, seis já receberam investimentos corporativos e receberam o suporte da Emerge para constituírem uma empresa.
“As tecnologias selecionadas que originaram as startups investidas vão desde aproveitamento de resíduos para geração de novos produtos a novos insumos oriundos da biodiversidade brasileira até peptídeos bioinspirados com propriedades relevantes para a indústria”, diz Pimentel.
Um dos resultados encontrados no levantamento geral mostra ainda que as iniciativas sobre biomas se encontram majoritariamente (72%) em nível baixo de maturidade. De acordo com o executivo, “é esperado e natural” que as tecnologias na academia estejam em estágios ainda pouco avançados. “Os passos seguintes [que envolvem constituição de negócio e até registro de patente], precisam de um direcionamento mais claro do mercado quanto à aplicação”, pondera.
A metodologia utilizada para medir a maturidade tecnológica já é conhecida no meio acadêmico. Chamada de Technology Readiness Level (TRL), leva em consideração uma escala de 1 a 9, onde 1 consiste nos princípios básicos da tecnologia e o 9, na operação industrial e comercial da tecnologia.
Entre os TRLs 4 a 7, a tecnologia entra em fase inicial de desenvolvimento, após ter sido realizada a prova de conceito laboratorial. Nessa fase há poucos recursos disponíveis e as iniciativas enfrentam o desafio de avançar na escala dos testes, e levar a provas de conceito aplicadas a situações onde essas tecnologias poderiam operar. Grande parte das pesquisas mapeadas encontram-se entre o TRL 3 a 7.
Ainda segundo o levantamento, 57% das tecnologias mapeadas não possuem estratégia de propriedade intelectual. Para o executivo, isso não é um problema. “Não possuir uma estratégia de propriedade intelectual definida, pode ser positivo para a construção dessa estratégia em conjunto da startup ou grande empresa parceira, que possui mais conhecimento de mercado e maior expertise para delinear a estratégia para a tecnologia no seu respectivo mercado”, comenta Pimentel.
Lembra ainda que, no caso de setores como o de fármacos, é esperado que as pesquisas estejam pouco desenvolvidas, já que pode levar anos até que os resultados sejam apurados. Além disso, ter patente, explica, pode ser um problema para conseguir parcerias com o setor corporativo, em alguns casos, porque elas podem não ter sido bem redigidas ou endereçadas ao setor em que a empresa que se interessa atua.
O mapeamento é feito com base em artigos publicados no SisGen (Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado). A Emerge faz esse tipo de seleção para outros segmentos de atuação também. A empresa surgiu em 2017, fruto de uma inquietação de Pimentel e seu sócio, Lucas Delgado.
incomodados com a dificuldade da academia de se aproximar do setor corporativo para levar ao mercado – ou ao menos testar – suas pesquisas, eles decidiram atuar como intermediários nesse processo.
“Identificamos as demandas das empresas de novas soluções para seus inúmeros desafios, e buscamos na bibliometria existente projetos que possam trazer soluções”, conta Delgado. “Fazemos uma filtragem que pode envolver conversas com os pesquisadores, e apresentamos as ideias para as companhias parceiras. Se avançar com alguma empresa, firmamos uma parceria, ajudando os pesquisadores a profissionalizar o negócio”, acrescenta.
Desafios
Para Pimentel, o Brasil tem um grande potencial para liderar soluções em biodiversidade. Mas, alguns obstáculos precisam ser enfrentados, como a necessidade de maior investimento público nos estágios iniciais dessas pesquisas, profissionalização da academia para inovar, e o estreitamento do relacionamento do setor privado com a produção científica.
No primeiro desafio, ele lembra que desde 2015, ocorrem recorrentes cortes nas principais fontes de financiamento à pesquisa no Brasil, como Capes, CNPq e FNDCT, o que acaba prejudicando o desenvolvimento de tecnologias e desincentivando a carreira científica. “Por isso, é fundamental a retomada do investimento no desenvolvimento da ciência brasileira para alimentar o topo do funil de tecnologias de alto valor”, comenta Pimentel.
Na questão da formação dos pesquisadores em inovação, aponta que, apesar do número relevante de tecnologias mapeadas e da clara intenção dos cientistas em levá-las até o mercado, a maioria delas não está bem endereçada para realizar esse movimento. É preciso, portanto, capacitar esses profissionais para que as tecnologias sejam melhor estruturadas para se conectar ao mercado.
Por fim, no que tange às empresas, a necessidade está em criarem estratégias de médio e longo prazo para inovação e aceitarem realizar investimentos de risco no desenvolvimento de tecnologias. “Quando no estágio inicial, o investimento público possui a importante responsabilidade no avanço da pesquisa básica. No entanto, o processo de desenvolvimento da tecnologia necessita que o investimento privado assuma parte do risco e atue como alavanca para cruzar o abismo do processo da inovação”, finaliza Pimentel.
Fonte: Valor Econômico