Se Donald Trump vencer a eleição dos EUA no próximo dia 5 de novembro, a empresa de brinquedos de Mike Sagan reduzirá pela metade sua cadeia de suprimentos na China em um ano.
A KidKraft, que também fabrica equipamentos de recreação ao ar livre, já havia transferido 20% de sua produção da China para Vietnã, Índia e outros lugares depois que Trump impôs tarifas de 7,5% a 25% em julho de 2018, durante seu primeiro mandato.
Agora, Trump ameaça impor tarifas de 60% sobre produtos da China, o que Sagan vê como uma ferramenta “bruta” que mudaria o jogo. Ele espera que Kamala Harris, se vencer, seja menos agressiva.
“Está claro que as coisas vão ficar difíceis”, disse Sagan, vice-presidente de cadeias de suprimentos e operações da KidKraft. A empresa já reduziu fornecedores chineses de 53 para 41 desde o início do ano. “A questão é: será extremamente difícil ou apenas difícil?”
A ameaça de tarifas está abalando o complexo industrial chinês, que vende mais de U$ 400 bilhões anualmente para os EUA e outras centenas de bilhões em componentes usados em produtos vendidos para os EUA por outros países.
Entre os 27 exportadores chineses com ao menos 15% de vendas para os EUA entrevistados pela “Reuters”, 12 planejavam acelerar a realocação caso Trump retorne à Casa Branca. Outros quatro, ainda totalmente instalados na China, disseram que abririam fábricas no exterior se Trump aumentar as tarifas. Os outros 11 não tinham planos vinculados ao resultado da eleição, mas a maioria expressou preocupação com o risco de perder acesso ao mercado dos EUA.
Tarifas mais altas sobre o maior exportador do mundo serão um golpe às cadeias de suprimentos e vão reduzir ainda mais os lucros chineses, afetando empregos, investimentos e o já frágil crescimento econômico. Uma guerra comercial aumentaria os custos de produção e os preços aos consumidores americanos, mesmo que as fábricas fossem realocadas.
Matt Cole, cofundador da m.a.d Furniture Design em 2010, é um dos que ainda não mudaram sua produção. Ele investigou alternativas no Sudeste Asiático em 2018, mas constatou que ainda precisaria importar 60% dos componentes de móveis da China. Os custos logísticos e outros eram quase equivalentes às tarifas de 25%.
“Algumas pessoas tomaram uma boa decisão ao irem para terceiros países. Tenho certeza de que elas estão menos preocupadas do que eu”, disse Cole. “Talvez eu esteja em um voo para a Malásia ou Vietnã muito em breve.”
Se Kamala vencer, a realocação da produção será mais lenta, com o objetivo de mitigar esse risco. “A qualidade é uma das maiores concessões no início, pois leva tempo para garantir a subcadeia de suprimentos e encontrar as pessoas certas”, disse Cole. “Você realmente arrisca sua integridade.”
As tarifas de 2018 beneficiaram o Sudeste Asiático, que se consolidou como um ponto preferido de montagem para produtos destinados aos EUA que dependem de cadeias de suprimentos chinesas.
Mas as tarifas tiveram pouco impacto no crescimento chinês e não alteraram a dependência econômica global do consumo dos americanos e da produção dos chineses. Na verdade, a China elevou a participação na manufatura global desde então, com crédito para fábricas em vez do setor imobiliário, como parte do esforço do presidente Xi Jinping para fomentar novas forças produtivas.
As tarifas tiveram menos impacto no déficit comercial dos EUA com a China do que os “lockdowns” da pandemia, evidenciando ainda mais a interdependência econômica entre os dois países.
Mas uma nova guerra comercial com Trump seria algo decisivo aos exportadores chineses cujos lucros estão minguando sob a pressão deflacionária, causada por investimentos estatais em fábricas.
“Com tarifas de 60%, ninguém vai aguentar”, disse Zeng Zhaoliang, chefe da Guangzhou Liangsheng, que vende de 30% a 40% de seus fogões de baixo lucro para os americanos.
As tarifas também aumentam custos em outros lugares, diz Lance Ericson, presidente da GL Wholesale, que compra da China há 30 anos e agora quer fornecedores na Índia, Vietnã e Camboja para substituir 40% dos negócios perdidos desde o governo Trump. “Os indianos já aumentaram os preços em 10%”, disse ele. “Será ruim para a China. Será ruim para mim.”
Embora a reação contra as exportações se concentre em painéis solares, carros elétricos e baterias, mercados como Indonésia e Índia estão aumentando tarifas sobre roupas, cerâmicas e aço da China.
Economistas afirmam que a tarifa de 60% poderia entrar em vigor no meio de 2025, reduzindo o crescimento chinês em 0,4 a 0,7 ponto percentual no próximo ano pela perda de investimentos, empregos e cortes na produção.
Pequim pode mitigar esses impactos com mais estímulos, controles de exportação e desvalorização da moeda, embora essas medidas envolvam riscos, como fuga de capitais, aumento da dívida e novos conflitos comerciais.
Mark Williams, economista-chefe para a Ásia na Capital Economics, acredita que outro governo Trump prejudicaria o crescimento chinês a curto prazo, ao desafiar a ordem econômica global que ajudou a China a prosperar. Mas também poderia dividir a coalizão de aliados dos EUA, da Europa à Ásia Oriental, contra Pequim. Se Kamala mantiver os aliados unidos, “a China provavelmente enfrentaria mais restrições econômicas no médio prazo”, acrescentou ele.
Fonte: Valor Econômico
