O mercado de trabalho continua a mostrar força, mesmo num cenário em que os juros reais (descontada a inflação) estão nas alturas. Nos três meses até julho, a taxa de desemprego ficou na mínima da série histórica, enquanto a renda atingiu o nível mais alto, descontada a inflação. Com desocupação baixa e rendimento em alta, o consumo tende a manter algum fôlego, o que pressiona a inflação de serviços e, com isso, tende a adiar o começo do ciclo da queda da Selic, hoje em 15% ao ano em termos nominais e em 10% quando se desconta o IPCA esperado para os próximos 12 meses. Na reunião de hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve manter mais uma vez a taxa inalterada – os cortes devem ficar para o ano que vem ou, na hipótese mais otimista e menos provável, para o fim deste ano.
A taxa de desemprego nos três meses até julho ficou em 5,6%, bem abaixo dos 6,8% do mesmo período de 2024. Nos cálculos com ajuste sazonal da 4Intelligence, o indicador ficou em 5,7%, a mais baixa da série iniciada em 2012, inferior aos 5,8% do segundo trimestre do ano. Já o rendimento médio real atingiu R$ 3.484 nos três meses até julho, o nível mais elevado da série, com alta de 1,3% sobre o trimestre imediatamente anterior (fevereiro a abril de 2025), já descontada a inflação, e 3,8% sobre o mesmo período do ano anterior. São altas expressivas, que dão sustentação ao consumo, mesmo num cenário de juros altos e índices elevados de endividamento das famílias. “Os rendimentos reais cresceram pelo décimo mês consecutivo”, nota o economista Rodolfo Margato, da XP.
Há alguns sinais de acomodação do mercado de trabalho, o que é natural após um ciclo de forte alta dos juros, mas eles são suaves, evidenciando o efeito defasado do aperto monetário sobre indicadores de emprego e renda. “A população ocupada mostra sinais de estabilização na ponta, mas permanece em patamar historicamente elevado”, escreve Margato, citando um sinal de arrefecimento, ao mesmo tempo em que deixa claro o momento favorável do segmento.
Outro indicador de robustez é o comportamento da chamada taxa composta de subutilização da força de trabalho. Nos três meses até julho, ela ficou em 14,1%, também a mais baixa da série. No mesmo período de 2024, o indicador estava em 16,2%. É uma queda expressiva, de um grupo que engloba os desempregados, os ocupados que poderiam ou gostariam de trabalhar mais horas e os que integram a força de trabalho potencial.
Em nota, o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, chama a atenção para a queda dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e o seu impacto sobre a melhora de rendimentos. Esse contingente recuou de 7,68 milhões de pessoas em 2021 para 4,57 milhões em 2025, um recuo de 3,11 milhões, ou 40,5%. “Essa parcela antes subocupada segue ocupada hoje, mas trabalha (e deve ganhar) mais”, escreve. “Estimamos que os ocupados com suficiência de horas tenham aumentado 16,56 milhões ou 20,4% nos quatro anos.”
Esses números positivos do mercado de trabalho têm como efeito colateral a pressão sobre a inflação de serviços. Nos 12 meses até agosto, os serviços que mais respondem à demanda acumulam alta de 6,74%, um ritmo forte, que dificulta a convergência do IPCA para a meta perseguida pelo Banco Central, de 3%.
Em relatório, a BRCG Consultoria observa que os salários têm crescido acima da produtividade, um sinal preocupante. Um mercado de trabalho pujante tem óbvios efeitos favoráveis sobre o bem estar e o consumo, mas dificulta a queda da inflação. Nesse cenário, a tendência é que o BC adie o começo do ciclo de queda da Selic.
Fonte: Valor Econômico