Por Victor Rezende e Anaïs Fernandes — De São Paulo
09/08/2023 05h04 Atualizado há 6 horas
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, divulgada ontem, deixou claro que a mudança de estratégia de um corte “parcimonioso” na Selic para um “moderado” foi circunscrita à reunião de agosto e não deve afetar os encontros posteriores. É o que aponta o economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, ao projetar uma aceleração no ritmo de flexibilização para 0,75 ponto em dezembro, o que levaria a Selic a 11,5% no fim deste ano.
Ao observar a ata, Porto nota que o BC está “totalmente consciente” de que o processo de reancoragem das expectativas de inflação, até agora, foi apenas parcial. E, na avaliação do economista, em entrevista ao Valor, a tendência é a segunda etapa desse processo ser mais complicada, em um momento no qual a composição do Copom começa a entrar no radar dos participantes do mercado. “Eles [Copom] sabem que esse aumento de incerteza pode, eventualmente, produzir um processo de reancoragem mais doloroso, mais lento.”
Valor: Como vocês viram a decisão do Copom de começar o ciclo já com um corte de 0,5 ponto?
Leonardo Porto: Nossa expectativa antes da decisão do Copom era de um corte de 0,25 ponto, porque, basicamente, a comunicação prévia sinalizava que, se tivesse uma redução no juro, seria parcimoniosa, o que, aparentemente, era condizente com o passo de 0,25 ponto. Além disso, o conjunto de informações entre as duas reuniões do Copom não mudaria tanto a projeção dele para o IPCA de 2024, o que, de fato, aconteceu. Isso seria condizente com a manutenção da estratégia de cortar a Selic em 0,25 ponto. A ata esclarece um pouco mais e me parece que, apesar de o Copom ter citado a dinâmica inflacionária melhor e uma motivação ligada ao ajuste do juro real, o componente principal para o BC ter cortado o juro em 0,5 ponto foi a decisão do CMN sobre a meta de inflação.
Valor: A ata ajudou a ancorar as expectativas em relação aos juros?
Porto: A ata deixa claro que essa mudança de estratégia é circunscrita à decisão de agosto e não irá afetar a dinâmica das reuniões posteriores. Por isso, o Copom fala que houve unanimidade em relação ao corte de mesma magnitude nas próximas reuniões e sobe ainda mais a barra ao dizer que atribuiu baixa probabilidade em um cenário em que acelera o ritmo de corte.
Valor: O Citi espera uma aceleração no ritmo de cortes neste ano?
Porto: No nosso cenário, mantivemos a expectativa de corte de 0,5 ponto em setembro e em novembro e esperamos uma aceleração para 0,75 ponto em dezembro, que também já estava no nosso cenário. As condições de afrouxamento monetário vão se consolidar, em especial a questão do enfraquecimento da economia. Estamos confortáveis com a nossa projeção de crescimento de 0,1% no segundo trimestre e acho que a economia vai desacelerar mais no terceiro trimestre, que pode registrar uma contração. Essa informação estará disponível para o BC em dezembro. O hiato do produto vai começar a ajudar e ainda vamos colher uma inflação benigna após essa forte deflação no atacado.
Valor: Ao mesmo tempo, o Copom enfatizou que mantém a visão de que a política monetária precisa se manter contracionista…
Porto: Não mudamos nossa visão para o total do ciclo e achamos que a Selic chegará a 9% no fim dele. Na nossa avaliação, esse é mais ou menos o nível de juro nominal neutro. Nossas projeções de inflação de longo prazo estão em 3,5% e estamos admitindo que o grosso do processo de ancoragem já ficou para trás e que será mais complicado daqui em diante. Será preciso uma postura bastante dura. E, quando olhamos à frente, vemos uma mudança na composição da diretoria do BC, o que, por si só, já aumenta a incerteza. Já conhecemos a posição de dois diretores que irão sair no fim do ano. Precisamos ter conhecimento para avaliar o nível de compromisso de todos os diretores em levar a inflação em direção ao centro da meta. Como existe uma incerteza em relação ao perfil dos dois novos diretores, isso dificulta o processo de ancoragem.
Grosso do processo de ancoragem [das expectativas de inflação] já ficou para trás”
Valor: É o que justifica esse nível de 9% para a Selic na visão do Citi?
Porto: O Focus já mostrou uma interrupção no processo de reancoragem das expectativas. Quando eu vejo as mudanças nos diretores do BC, ainda mais com a saída de diretores que se posicionaram do lado mais conservador, o risco do processo de ancoragem ser bem mais lento está crescendo. E isso aumenta a chance de a taxa de juros nominal neutra ser mais alta.
Valor: O próprio BC reconhece esses riscos na ata…
Porto: Sim, ele toca justamente nesse ponto no parágrafo 11. Os diretores sabem que a ancoragem é parcial, discutem sobre isso e sobre os motivos de o processo não ser total e uma das possíveis explicações é essa. Eles sabem que o aumento da incerteza pode, eventualmente, produzir um processo de reancoragem mais doloroso, mais lento. A reação do BC a essa evidência é que a cautela no ciclo de afrouxamento vai ter que continuar presente. Se o BC tomar muito risco, do ponto de vista de fazer cortes mais agressivos, a ancoragem pode ser ainda mais lenta ou até piorar.
Valor: O que pode levar as expectativas de inflação para um nível mais próximo da meta de 3%?
Porto: O primeiro ponto é o estado da economia. O BC está claramente mostrando que a economia tem surpreendido para cima, especialmente ao falar sobre o mercado de trabalho. Se a economia desacelerar – e nós acreditamos nesse cenário -, o hiato irá abrir e o BC terá mais clareza. O segundo ponto é que as expectativas dependem da inflação corrente. Com uma dinâmica melhor dos índices de preços, podemos ver expectativas mais baixas e nós acreditamos que ainda vamos colher resultados favoráveis na inflação corrente, especialmente nos preços de ‘tradables’ [comercializáveis]. Temos duas variáveis favoráveis e a terceira seria um ganho de compromisso, de credibilidade. Nesse ponto, talvez o grosso do processo já tenha ocorrido e, daqui em diante, se ele continuar, pode ser mais lento.
Valor: E em relação ao câmbio? O dólar pode se manter ainda abaixo dos R$ 5?
Porto: Temos falado há alguns meses que o câmbio cruzou R$ 5 por dólar e, desta vez, parece ser mais sustentável. Nossa projeção para o dólar no fim do ano está em R$ 4,91 e em R$ 4,95 no fim de 2024. Boa parte de duas grandes incertezas que tínhamos no cenário foram, grosso modo, mitigadas. A primeira foi a redução da incerteza fiscal, porque, embora o arcabouço seja mais frouxo que o teto de gastos, foi suficientemente austero para ancorar as expectativas de que a trajetória da dívida poderia ser sustentável. A segunda incerteza era em relação ao ciclo de aperto monetário nos EUA. Estamos chegando ao fim desse ciclo e o grosso do aperto nos EUA ficou para trás. As taxas já se ajustaram. Um câmbio abaixo de R$ 5 nos parece mais sustentável agora.
Valor: Existe a percepção de que o BC mudou sua função de reação?
Porto: Na ata, a divergência entre os diretores se dá mais em relação à decisão de agosto. Os outros pontos mostraram uma visão mais unânime. Aparentemente, a divergência está muito limitada e o arcabouço do regime de metas não foi alterado. O BC continua operando sobre as mesmas diretrizes. Pelo que indica a ata, o ‘modus operandi’ praticamente não mudou.
Fonte: Valor Econômico

