A desaceleração no ritmo de crescimento dos benefícios previdenciários e dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC) poderia gerar economia de R$ 1,1 trilhão no prazo de dez anos. A mesma medida aplicada aos pisos de saúde e educação, por sua vez, proporcionaria uma redução de gastos de R$ 97 bilhões no período de 2026 a 2028. É o que aponta o estudo “O Caminho do Equilíbrio: É Preciso ‘Cortar’ Gastos?”, elaborado pelo ex-secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.
Essas reduções na despesa seriam alcançadas caso esses itens passassem a ter seu valor corrigido apenas pela inflação. Se, além disso, recebessem um ganho real de 0,6%, que é o limite inferior de aumento real na despesa estabelecido no arcabouço fiscal, as economias seriam de R$ 890 bilhões e R$ 77,5 bilhões, respectivamente.
No estudo, Bijos propõe que o ganho real para previdência e BPC seja discutido a cada início de mandato presidencial, levando em conta a situação atuarial do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e a saúde fiscal do país. Já os pisos de saúde e educação poderiam ter seu ritmo de crescimento definido no início do mandato, mas alocações adicionais poderiam ser discutidas a cada ano.
No trabalho, o ex-secretário ressalta que essas medidas não constituem cortes de gastos. “Mais fundamental e factível, com visão prospectiva, é desacelerar o crescimento do gasto público”, diz.
Na reta final de elaboração das medidas de ajuste fiscal, as hipóteses apontadas por Bijos enfrentam grande resistência de alas do governo. O desatrelamento das aposentadorias em relação à política de valorização do salário mínimo, tema caro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi descartado semanas atrás pela ministra do Planejamento, Simone Tebet.
A desindexação dos pisos de saúde e educação também é combatida nos bastidores. Meses atrás, foi apontada como debate a ser travado no próximo governo.
No momento, porém, há sobre a mesa propostas que não mudam a indexação, mas incluem novas despesas entre as financiadas com os recursos do piso. Por exemplo, contabilizar 60%, e não mais 30%, dos repasses da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), para efeito de cumprimento do mínimo constitucional.
O estudo considera que o equilíbrio das contas públicas é um desafio que, não superado, “tende a interromper a boa jornada econômica em curso”. Busca-se estabelecer um horizonte de médio e longo prazos que aponte para a geração sustentável de resultados primários positivos, de forma a ao menos estabilizar a dívida pública.
“O esforço fiscal requerido nesse sentido, todavia, é de operacionalização inexequível da noite para o dia”, aponta. Por isso, a proposta é buscar o reequilíbrio fiscal de forma gradual, “sob o entendimento de que não há margem substantiva para novos aumentos de receita”.
Do lado das despesas, o desafio é o aumento persistente das despesas obrigatórias. No caso da Previdência, a perspectiva é de continuidade do crescimento, dado o envelhecimento da população.
Já os gastos mínimos com saúde e educação são vinculados ao comportamento da receita, por determinação constitucional. “Esse tipo de vinculação dificulta a melhoria de resultados fiscais, pois mais arrecadação inexoravelmente implica gastos maiores”, observa. “Além disso, torna o gasto público mais volátil, pró-cíclico e acrítico, visto que é automaticamente guiado e desacompanhado de critérios de desempenho.”
Tanto os gastos com Previdência e BPC como os com saúde e educação não se harmonizam com o arcabouço fiscal, que limita o crescimento das despesas a até 2,5% ao ano. Além disso, não deixam espaço para acomodar novos gastos, como os decorrentes das emergências climáticas.
Bijos reconhece, no estudo, que as medidas propostas representam desafios políticos. “A margem para a inação, todavia, é cada vez menor”, observa. “Afinal, se a necessidade de mudança na trajetória de despesas obrigatórias e rígidas já está contratada, então a questão passa a ser como conduzi-la.”
Na sua avaliação, um “plano de voo” completo para o ajuste das contas públicas, capaz de “fortalecer a credibilidade da política fiscal” deveria ser apresentado no máximo até 15 de abril do próximo ano, quando será encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026.
No trabalho, o ex-secretário propõe ajustes na lei do arcabouço. Um deles seria resgatar o “fator democrático”, que permitia a cada governo estabelecer os parâmetros do arcabouço, de forma a modular o tamanho do esforço fiscal.
Outra sugestão seria mudar o piso de investimentos previsto no arcabouço, de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB). “Em que pese seu nobre propósito, esse piso pode trazer sérios constrangimentos à gestão orçamentária”, alerta.
Pelas regras atuais, explica, só podem ser bloqueadas dotações para investimentos que ultrapassem esse piso. Em um quadro que exija um bloqueio grande, existe o risco de despesas correntes terem de ser cortadas até o ponto de um “shutdown” (paralisia) da máquina pública, de forma a preservar os investimentos mínimos.
Bloqueio é a medida de contenção de gastos adotada pelo governo quando as despesas projetadas são maiores do que o limite permitido pelo arcabouço.
“Se investimentos públicos são reputados como prioritários, o melhor caminho é controlar o aumento de gastos obrigatórios de forma a preservar espaço discricionário para acomodá-los”, defende.
Bijos ressalta outros avanços necessários no campo do orçamento público. Entre eles, maior instrumentalização de Legislativo e Judiciário em matéria fiscal, o aprofundamento do trabalho de revisão de gastos e a atualização da lei de finanças públicas, que data de 1964. Propõe também uma agenda de longo prazo que deveria contemplar, por exemplo, o financiamento do déficit previdenciário após 2030.
Fonte: Valor Econômico

