Por Sérgio Tauhata e Eulina Oliveira, Valor — São Paulo
22/05/2023 11h45 Atualizado há 12 horas
O debate sobre mudança das metas tem contaminado as expectativas de inflação, que estão “bastante elevadas”, disse nesta segunda-feira o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. De acordo com ele, ruídos políticos têm afetado a percepção dos agentes do mercado.
Campos mencionou três fatores que têm afetado de forma negativa as projeções de inflação. “Tem um debate do governo sobre as metas de inflação. O segundo ruído está ligado ao fiscal, mas que está sendo endereçado, e o terceiro sobre [revisão da] autonomia do BC. Mas o componente da incerteza sobre a meta é predominante hoje [sobre as expectativas]”, afirmou, em debate promovido pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
Apesar de reconhecer que o impacto do debate tem sido negativo, Campos ressaltou que “quem decide a meta de inflação é o governo”. Para o chefe da autoridade monetária brasileira, “seria muito conflituoso se o BC determinasse a própria meta”.
Para o presidente do Banco Central, o Executivo foi eleito e “tem direito de definir a meta de inflação que achar melhor para o país”. Campos disse ter sido procurado algum tempo atrás por senadores que lhe perguntaram se apoiaria um projeto de lei segundo o qual o alvo só poderia ser alterado com autorização do BC. “Mas eu disse que não apoiaria um projeto assim.”
Apesar disso, Campos deixou clara a visão que tem sobre o assunto. “Mudar a meta quando está tendo muito questionamento tem fator negativo. Mudança de meta pode ser interpretada pelos agentes financeiros como uma mudança para ganhar flexibilidade. Quando, por exemplo, a mudança de meta na Argentina foi feita para ganhar flexibilidade, perdeu-se credibilidade e flexibilidade e a inflação disparou”, disse.
O presidente do BC chamou a atenção também para a persistência da inflação em preços menos voláteis. “Os núcleos de inflação [quando se retiram do índice de preços as categorias voláteis, como alimentos e energia] estão elevados em muitas economias”, afirmou. “Vemos os núcleos voltando bastante lentamente”, disse, acrescentando que, principalmente no mundo desenvolvido, os núcleos até voltaram a subir.
Campos também evitou polêmicas ao tratar das críticas que tem recebido do governo sobre o nível atual da taxa Selic. “O presidente [da República] tem direito de entrar no debate de taxas de juros e isso está acontecendo em vários países”, afirmou.
No entanto, disse ter imaginado que o trabalho feito pelo BC de ter aumentado os juros rapidamente, “para assegurar um processo inflacionário mais tranquilo” e assegurar a estabilidade da economia, “fosse ser reconhecido”. “Fizemos uma subida de juros muito grande em ano de eleição com muitos questionamentos e agimos de forma autônoma”, ressaltou.
Campos fez uma crítica “à personalização na figura do presidente do BC” no debate sobre os juros. Para o dirigente, a autonomia [definida pela lei] vai na direção contrária e, na verdade, os diretores da instituição têm autonomia em relação ao presidente da autarquia. Para ele, “a personificação demonstra falta de entendimento do processo que foi instalado”.
Na visão do presidente do BC, o Brasil enfrenta uma equação de desenvolvimento de difícil solução. “Hoje temos um crescimento estrutural [ritmo de expansão que não causa pressões inflacionárias] mais baixo, com dívida maior e taxa neutra [nível de juros que preserva a atividade ao mesmo tempo em que não acelera a inflação] mais elevada”, afirmou. “A única saída dessa equação é termos um crescimento estrutural mais alto.”
Fonte: Valor Econômico

