Por Juliana Schincariol, Mariana Ribeiro e Flávya Pereira — Do Rio e de São Paulo
14/07/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou o novo marco regulatório das ofertas públicas no Brasil. A partir de janeiro de 2023, entram em vigor as regras que têm como objetivo declarado flexibilizar e dar mais agilidade às operações no mercado de capitais, em meio ao crescimento das operações e do número de investidores. As novas resoluções darão lugar às duas principais regras atuais: as instruções 400 e 476.
A instrução 400 regula as ofertas destinadas ao público em geral e exige uma análise prévia do regulador para a concessão de registro. E as emissões que ocorrem via 476 precisam ser destinadas a um número restrito de investidores profissionais – aqueles com patrimônio acima de R$ 10 milhões -, mas ao mesmo tempo têm dispensa de registro na CVM. Essas duas serão substituídas pela resolução 160, que será a regra geral aplicável às emissões primárias ou secundárias.
A CVM criou uma matriz de ofertas públicas, com a adoção do rito automático em alguns casos. Assim, pela proposta, em vez de as ofertas serem divididas entre “registradas” ou “dispensadas”, todas teriam registro no regulador. O que muda é que em alguns casos ele será automático, especialmente se a oferta for direcionada a investidores mais sofisticados e se as empresas já possuem registros e são emissores frequentes.
Os procedimentos a serem seguidos dependerão do tipo de título ofertado, o público da emissão e a documentação disponibilizada, por exemplo. A regra considera também os prazos para revenda dos ativos no mercado a um público mais amplo.
Para a autarquia, a mudança preserva as principais vantagens das ofertas de esforços restritos regidas pela instrução 476, além de acrescentar vantagens. As novas regras têm potencial para gerar dispersão e liquidez no mercado, disse o presidente da autarquia, Marcelo Barbosa. Os processos serão mais rápidos e mais simples, possibilitando um melhor aproveitamento das janelas de mercado, segundo ele. Além disso, os custos tendem a cair. “Hoje o mercado tem mais apetite para ofertas que tendem a alcançar um público mais disperso”, afirma o presidente da CVM.
Nos últimos anos, as ofertas com esforços restritos se tornaram preponderantes no mercado. “É muito salutar rever o regime que era da instrução 400 e permitir que se fortaleça. O sucesso da 476 e sua expansão acabou, de certa forma, quase canibalizando a 400. Agora, as duas terão um mesmo regime e têm condições de desempenhar um papel bastante importante”, diz Barbosa.
As mudanças foram recebidas com cautela pelo ex-diretor da CVM, Carlos Rebello. O economista não vê o novo marco regulatório das ofertas públicas como positivo para o mercado. Para ele, as novas regras “fecham a torneira” para as ofertas com esforços restritos e podem prejudicar aquelas empresas que ainda não estão preparadas para acessar as emissões voltadas ao público em geral. “Não ajuda muito a economia do país”, avalia.
Rebello diz não ter visto uma explicação convincente por parte da CVM para as mudanças. “Claro que você pode dizer que houve problemas nesse mercado, mas não justifica fechar a torneira.” Ele afirma que as ofertas restritas, de certa forma, funcionam como uma escola para os emissores, e que o ideal é que a evolução até o mercado principal se dê por meio de um processo natural. “O ideal é que a empresa suba degrau a degrau.”
Para o advogado societário do BMA Advogados e ex-diretor do órgão regulador Luiz Antônio Sampaio Campos, agilidade e modernidade são as palavras-chave das mudanças anunciadas.
Campos, que assinou a implementação da instrução 400 como presidente interino da CVM, em 2003, avalia que a mudança representam um avanço após quase 20 anos das normas em vigor. “Está trazendo flexibilizações importantes. Vai tornar os processos de ofertas mais leve e mais rápido. Vai ficar menos burocrático.”
Campos acredita que as novas regras vão resultar em menos custos para empresas e mais agilidade nos processos.
Consultada, a Associação Brasileira de Companhias Aberta (Abrasca) informa que o assunto ainda está em análise em sua comissão jurídica. O diretor técnico da Apimec Brasil Haroldo Levy Neto também disse que ainda avalia as regras, mas que chama a atenção o trabalho da CVM com as entidades para simplificar informações, dada a quantidade de investidores pessoa física nos últimos anos.
O superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM, Antonio Berwanger, diz que as regras da 476 têm muitas limitações, como o máximo de 50 investidores profissionais que podem participar das emissões, e há um período de lock-up (restrição para negociação dos papéis) que trava o mercado secundário. Com as novas regras, as restrições de negociação após a oferta deixarão de existir e não há limite para o número de investidores que podem ser acessados.
Também será eliminado o limite de quatro meses para realização de nova oferta de mesmo valor mobiliário pelo emissor. “A tendência é que mesmo uma oferta voltada para investidores profissionais tenha na sequência um mercado secundário mais movimentado”, afirma.
Outra novidade é que não há impedimento para a divulgação das emissões, inclusive como possibilidade de anúncio na TV, com exceção do período de silêncio, que foi reduzido de 60 para 30 dias. Manifestações institucionais ou divulgações usualmente feitas pelas companhias, como informações trimestrais, serão excluídas do período de silêncio.
O prospecto preliminar, que contém todas as informações sobre as emissões, vai ganhar um novo formato. O calhamaço de letras pequenas poderá ser mais sucinto e segmentado, oferecendo ao investidor acesso a informações mais objetivas e relevantes. Assim como nos fundos de investimentos, será implementada a lâmina das ofertas, de caráter “introdutório e padronizado”. Será possível, por exemplo, comparar emissões em andamento mais rapidamente e identificar as necessidades de buscar informações aprofundadas.
Em relação a documentos que divulgam a evolução da oferta, mas não afetam diretamente a decisão de investimento, a autarquia buscou reduzir seu conteúdo ao “mínimo indispensável”. É o caso de “aviso ao mercado” e anúncios de início e encerramento das emissões.
Fonte: Valor Econômico