Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
03/02/2023 05h01 Atualizado há 28 minutos
Os recados dados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ecoaram com força no mercado e abriram espaço para uma nova onda de revisões nas projeções para a Selic. Os agentes passaram a postergar ainda mais a expectativa para o início do processo de flexibilização do juro básico, que hoje está em 13,75%. Os reflexos no mercado de juros foram bastante claros e geraram uma disparada nas taxas de curto prazo, enquanto a piora na percepção de risco fez os agentes exigirem prêmio ainda maior pelos juros de longo prazo.
Com a sinalização da autoridade monetária de que o processo de cortes da Selic só deve ter início com a convergência das expectativas para a meta, o UBS BB adiou a expectativa de início dos cortes de juros de junho para setembro, o que elevou a estimativa do banco para a Selic no fim deste ano de 11,25% para 12,25%.
Na avaliação do economista-chefe do UBS BB, Alexandre de Ázara, o Copom parece tentar prevenir que o início de uma espiral negativa para as expectativas inflacionárias ganhe tração. “Normalmente as expectativas sobem depois de uma onda de surpresas inflacionárias para cima. Não é o que está acontecendo agora. Esse aumento recente se deu por conta de outra coisa que não o processo inflacionário corrente. E isso parece estar relacionado aos receios fiscais ou à possível mudança nas metas de inflação”, afirma.
De acordo com Ázara, os receios com a política econômica do novo governo adicionaram combustível para que revisões altistas nas projeções de inflação ganhassem força. “O BC observou esse processo. E agora não basta só a inflação estar na meta; as expectativas vão ter que convergir também. Essa é uma restrição adicional”, enfatiza.
Ainda de acordo com Ázara, o cenário alternativo desenhado pelo Copom foi uma indicação de que, no momento, a autarquia não tem a intenção de subir juros, como chegou a ser precificado pelo mercado nos últimos meses, e sim manter a Selic parada nos atuais 13,75% por mais tempo.
Apesar das indicações mais duras do BC, o UBS BB ainda vê espaço para cortes de juros neste ano. Isso porque, segundo Ázara, suas projeções de inflação são consideravelmente menores que as do mercado e que as projeções da própria autoridade monetária. O UBS BB espera uma inflação de 4,5% em 2023 e de 3,5% em 2024. “Se estivermos corretos, essa surpresa ficará em torno de 0,5 ponto percentual, e, assim, acreditamos que as previsões do Focus podem voltar pelo menos para onde estavam em dezembro”, diz o economista.
Nos preços dos ativos financeiros, o mercado apagou boa parte dos cortes das taxas de juros que antes estavam precificados para o ano. No fechamento, a taxa do DI para janeiro de 2024 subiu de 13,535% para 13,69% e a do DI para janeiro de 2025 disparou, ao passar de 12,785% para 13,065%.
“Se não houver alteração de política econômica, caminhamos para um cenário que produz maior gasto público, maior expansão fiscal, pressão na taxa de juros, juros mais altos e menor crescimento econômico. Na nossa visão, reforçada pela decisão do Copom, onde a taxa de juros foi mantida, mas com uma comunicação dura, correta, o risco de um aumento de juros é muito maior do que o mercado contempla atualmente”, disse o economista-chefe da Vinland Capital, Aurélio Bicalho, ontem durante “call” mensal da gestora.
Na visão de Bicalho, o mercado, no momento, contempla menos o risco de alta de juros ao ser influenciado pelo cenário internacional, que tem se mostrado benigno, “sendo que as nossas questões domésticas são mais importantes neste momento, especialmente para a política monetária num processo contínuo de aumento das expectativas de inflação”.
Foi diante do processo de desancoragem das expectativas que os economistas do Citi passaram a enxergar uma inflação mais alta e juros também mais elevados. “No geral, as expectativas de inflação de consenso estão sugerindo que os analistas já estão trabalhando com uma meta de inflação de fato mais alta”, apontam os economistas Leonardo Porto, Paulo Lopes e Thais Ortega. Com projeções de inflação de 5,3% neste ano e de 3,6% em 2024, o Citi também passou a esperar uma Selic mais alta à frente. O banco aumentou a estimativa para os juros no fim do ano de 10,5% para 12,25%.
Em relatório enviado a clientes, o chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, e a economista Laiz Carvalho dizem acreditar que, neste momento, novos aumentos na Selic parecem improváveis, mas não impossíveis neste momento. Em revisão de cenário publicada ontem, o BNP passou a esperar que cortes no juro básico ocorram somente no segundo semestre de 2024. Antes, o banco esperava movimentos graduais de redução na Selic, que encerraria este ano em 12%.
“Tememos que, como consequência das fragilidades fiscais do Brasil, a política monetária possa ficar na casa dos dois dígitos por mais tempo, refletindo uma taxa de juros real neutra em torno de 5% e expectativas de inflação também em torno de 5%”, alertam. Não por acaso, o BNP Paribas também elevou a estimativa para a Selic no fim de 2024 de 9% para 11,5%.
“O cenário enfrentado pelo BC tem se mostrado mais desafiador recentemente. Sinais claros de expansão fiscal combinados com a sugestão do presidente Lula de que a meta de inflação atual pode ser muito baixa afastaram ainda mais as expectativas de inflação das metas”, dizem Arruda e Carvalho. O BNP Paribas, inclusive, elevou suas projeções de inflação de 5,5% para 6,5% no fim deste ano e de 4% para 5% em 2024.
Para o economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont, a mensagem emitida pelo Copom é a de que cortes de juros neste ano são bastante improváveis. “Acho que o Banco Central foi bastante preciso em sua avaliação. Ele passou a mensagem para o governo de que a confusão fiscal está grande e que isso está atrapalhando o Focus e vai influenciar a política monetária.”
O cenário básico da Quantitas aponta para uma Selic parada em 13,75% até o começo de 2024. “Não é nosso intuito mudar a projeção de Selic. Não vamos colocar no nosso cenário base uma alta de juros, mas trabalhamos com cenários alternativos. O que eu posso dizer é que, entre esses cenários alternativos, os mais pessimistas vão ganhar mais corpo em relação aos mais otimistas”, afirma.
De acordo com Chermont, os cenários mais pessimistas podem contemplar, por exemplo, alta de juros no segundo trimestre ou postergação dos cortes além de janeiro de 2024. “E isso naturalmente ganha mais peso à medida que os ruídos de Brasília aparecem”, enfatiza o economista.
Fonte: Valor Econômico

