Há duas propostas sobre a mesa: uma é brasileira e a outra do grupo de países africanos
Por Daniela Chiaretti, Valor — Montreal (Canadá)*
08/12/2022 18h58 Atualizado há 13 horas
Um dos impasses mais complexos da Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas, a COP 15, que acontece em Montreal até o dia 19, pode estar perto da solução. Trata-se de criar um mecanismo que compense os países megadiversos pela proteção dos recursos naturais que foram utilizados em um novo cosmético ou medicamento. Há duas propostas sobre a mesa — uma é brasileira e a outra, do grupo de países africanos.
O mecanismo é fundamental por dois motivos. De um lado, porque responde a um dos três pilares da Convenção de Biodiversidade, que busca garantir a conservação dos recursos naturais, promover seu uso sustentável e garantir o acesso aos recursos naturais e a distribuição justa dos benefícios que vierem de sua utilização econômica — um grande e histórico nó dessas negociações. Do outro, responde à necessidade dos países ricos em biodiversidade de terem recursos ou um fundo específico que ajude na preservação.
Os maiores países megadiversos, como o Brasil, o Congo e a Indonésia, por exemplo, estão no hemisfério Sul, mas os grandes laboratórios farmacêuticos e a indústria de cosméticos, para citar dois setores que utilizam a biodiversidade, nos países industrializados.
Quando a convenção da biodiversidade foi criada, em 1992, a única forma de se conseguir criar um produto a partir dela era pesquisando o princípio ativo de forma física, com um pedaço de uma planta, por exemplo, ou o veneno de uma cobra. Mas o avanço da tecnologia tornou possível fazer o sequenciamento digital genético da biodiversidade e depositar estas informações, conhecidas pela siga DSI (Digital Sequence Information) em bancos de dados.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/I/e/Qy9m3VRe6IBGiMtSPmFQ/ap22340755953100.jpg)
António Guterres, secretário-geral da ONU, em discurso na COP15 — Foto: Paul Chiasson/The Canadian Press via AP
Há três grandes bancos de dados do gênero no mundo — um nos Estados Unidos, um na Europa e outro no Japão. O acesso é livre a pesquisadores do mundo todo. Concentram mais de 225 milhões de sequências. Os dados destes bancos são baixados 34 milhões de vezes ao ano. A dinâmica é tão intensa que se tornou muito difícil rastrear a origem dos recursos genéticos e, portanto, repartir os lucros da biodiversidade.
Os países africanos ameaçam bloquear o Marco Global pela Biodiversidade, a nova agenda mundial para a década com objetivos também para 2050, se não se encontrar uma solução para DSI. O Marco Global é o grande acordo que se espera da COP 15.
O grupo de países africanos, liderado pela Namíbia e o Gabão, colocaram uma proposta na mesa. Cada país desenvolvido deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, para assegurar que 1% do preço de venda de todos os produtos que utilizem recursos genéticos, conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos ou DSI seja compartilhado em um fundo multilateral. O fundo, a ser criado, ajudaria na conservação da biodiversidade, a menos que exista uma opção bilateral.
A proposta brasileira é mais estruturada e considera um sistema híbrido. A base é o estabelecimento de uma plataforma eletrônica multilateral alojada no secretariado da Convenção de Biodiversidade. Ali ficariam registradas as utilizações comerciais ou outra utilização de DSI, independente do país de origem do recurso genético.
Quando o país de origem puder ser identificado, os benefícios irão para ele. Mas na maioria dos casos, isso pode não ser possível, e então os recursos iriam para o fundo multilateral. A proposta brasileira sugere o recolhimento de 1% das receitas líquidas provenientes da comercialização de produtos para o fundo multilateral. Os detalhes do fundo e os critérios de acesso seriam negociados no futuro.
Ambas as propostas vêm sendo discutidas nas salas de negociação da COP 15 em Montreal. O esqueleto técnico pode ser definido agora, e levado para a decisão política no segmento ministerial da conferência, na semana que vem. É a chance de o Marco Global decolar.
Os negociadores aguardam o posicionamento da União Europeia. O Japão é um dos países contrários à negociação de DSI. Os Estados Unidos são apenas observadores na CDB. O que se diz é que nunca assinaram a Convenção por discordar da repartição de benefícios da biodiversidade.
*A jornalista viajou à COP 15 a convite da Avaaz