A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas adicionou mais um elemento ao cenário complexo que o petróleo enfrenta nos últimos meses e colocou a Petrobras sob pressão para reajustar preços. Uma eventual escalada do conflito, com entrada de outros países, poderia elevar preços e de suprimento global da commodity e derivados, com reflexos no mercado brasileiro, avaliam especialistas ouvidos pelo Valor. O possível envolvimento do Irã, um produtor relevante, poderia levar as cotações a ultrapassar a barreira dos US$ 100.
Após a explosão no hospital al-Ahli, em Gaza, o mercado passou a temer que outros grupos, como o Hezbollah, e países como o Irã entrem diretamente na guerra. O país tem produção de petróleo de cerca de 3% da oferta global.
Para Edmar de Almeida, pesquisador e professor do Instituto de Energia da PUC-Rio, um eventual efeito nos preços seria percebido caso a guerra impedisse as exportações do próprio Irã ou de outros países do Golfo Pérsico. A opinião é semelhante à de Thiago Vetter, consultor de gerenciamento de risco da StoneX. “Depende da evolução do conflito. Se o Irã estiver envolvido, é factível o barril estar acima dos US$ 100”, afirma.
Almeida avalia que a Petrobras pode ter de reajustar preços caso o cenário de alta se concretize. “Certamente não teria como a Petrobras segurar os preços abaixo [da paridade internacional] por muito tempo”, diz Almeida.
O presidente da estatal, Jean Paul Prates, disse ontem que, “em princípio”, a guerra não deve afetar mais o preço do petróleo e, consequentemente, dos combustíveis. Ele admitiu, no entanto, que se o conflito se alastrar pelo Oriente Médio, envolvendo países produtores de petróleo, pode acontecer uma “tempestade perfeita”.
Prates falou à imprensa após se reunir com o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. O encontro foi marcado para que Alckmin conhecesse o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Haitham al-Ghais.
Principal risco é ter algum tipo de aumento ou aperto de sanções contra o Irã, e esse não é o cenário base”
Prates admitiu também que o envolvimento de países como o Egito e Irã na guerra seria especialmente ruim para o Brasil, que já está com um preço “alto” para os combustíveis. “[O preço do petróleo] já está afetado [pela guerra], né. Piorar mais [o conflito] é a tempestade perfeita porque a gente [Brasil] já está com preço alto”, frisou. “O preço subiu [mais] com esse espasmo da questão de Israel. Isso deu-se durante dois ou três dias, depois voltou à estrutura de antes, mas ainda é estrutura de preço alto”, acrescentou.
Apesar de admitir a preocupação com um possível espraiamento da guerra, Prates explicou que “não há indícios” de que isso vá realmente acontecer. “Pode se alastrar. Já tivemos um impacto inicial [no preço do petróleo], como acontece em toda guerra, e depois voltou mais ou menos para o preço que estava antes: US$ 91.”
A StoneX estima uma defasagem de 12,3% nos preços do óleo diesel, o que corresponderia a um reajuste de R$ 0,47 por litro. Esse quadro, explica Vetter, se dá também por fatores como baixos estoques de diesel no mercado americano e dados mais positivos da economia chinesa. No caso da gasolina, porém, o cenário abre espaço para uma queda de 3,6%, ou R$ 0,10 por litro, frente a um quadro de maior competitividade do etanol hidratado no Brasil.
As ações preferenciais da Petrobras subiram 14,9%, para R$ 38,52, desde 6 de outubro, véspera do ataque do Hamas que deflagrou a guerra.
Para o analista de energia e macroeconomia da empresa de inteligência de mercado Hedgepoint Global Markets, Victor Arduin, complexidade é a palavra que define o cenário do petróleo no momento. Ele lembra que a Opep+ já vinha reduzindo a produção de petróleo, com o objetivo de estabilizar os preços que se encontravam em queda. Além disso, a Rússia havia determinado a suspensão das exportações de óleo e derivados para atender à demanda interna.
Segundo Julia Passabom, economista do Itaú BBA, existe um prêmio geopolítico embutido na cotação do petróleo que deve ser considerado nas oscilações desde quando iniciou a guerra entre Israel e Hamas. “O principal risco relacionado ao conflito é ter algum tipo de aumento ou aperto de sanções contra o Irã ou um envolvimento do Irã no conflito, e esse não é o cenário-base. O balanço entre oferta e demanda da commodity está controlado.”
A projeção do Itaú para o fim do ano, de que o Brent se mantenha em US$ 90, não foi alterada.
Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), define o cenário como volátil, com cotações reagindo ao sabor dos acontecimentos, o que dificulta uma estimativa para os próximos dias. Para o especialista, a Petrobras deve aguardar uma consolidação do cenário antes de definir um reajuste nos preços dos combustíveis: “É correta a espera nesse momento de volatilidade.”
Conforme a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), a defasagem do preço do diesel da Petrobras em relação à paridade de importação estava em média 15%, ou R$ 0,65 por litro. Na gasolina, a defasagem estimada é de 2%, R$ 0,05 por litro.
Para Luiz Carvalho, analista do UBS BB, a alta de ontem se deu pela cautela sobre a visita do presidente americano Joe Biden a Israel. Segundo ele, ainda não há relação concreta do Irã com a guerra, o que afasta uma reação sustentada das cotações. Para o analista, a Petrobras já deveria ter elevado o preço do diesel, dada a defasagem.
Fonte: Valor Econômico

