Julio Wiziack

A EMS, maior farmacêutica nacional, fez uma longa propaganda irregular de suas canetas emagrecedoras no programa Pânico na TV, da Jovem Pan. A legislação proíbe publicidade de medicamentos que exigem prescrição médica.
Na ação publicitária, veiculada em 5 de dezembro com duração de 12 minutos, a farmacêutica contou com a médica Amanda Meirelles, que venceu o BBB em 2023 e atua como embaixadora da marca. Também participou a diretora de marketing da companhia, Thais Nania.
A EMS, que se destacou na produção de genéricos, lançou, neste ano, duas canetas à base de liraglutida, um análogo do hormônio GLP-1, que aumenta a sensação de saciedade: o Olire, indicada para tratamento de obesidade, e o Lirux, voltada para o controle do diabetes tipo 2. Ambos os medicamentos só podem ser vendidos sob prescrição médica, inclusive com necessidade de retenção de receita pelas farmácias.
A necessidade de prescrição foi inclusive citada pelas representantes da EMS durante a entrevista no Pânico, que trazia na tela a indicação de “conteúdo patrocinado”. O vídeo do programa no YouTube contava com 290 mil visualizações até a conclusão desta reportagem. Veja:
Promoção vetada
A propaganda desse tipo de medicamento ao público geral, como é o caso da audiência do Pânico na TV, é vedada por lei e também por norma específica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A proibição à publicidade de remédios sob prescrição está prevista em lei de 1996, com decreto regulamentando essas restrições naquele mesmo ano.
Em 2008, a própria Anvisa publicou uma resolução entrando mais em detalhes na proibição. Conforme estabelece o decreto, a propaganda de medicamentos “cuja venda dependa de prescrição por médico ou cirurgião-dentista somente poderá ser feita junto a esses profissionais, através de publicações específicas”. Ou seja, a publicidade é autorizada somente para o público formado por médicos.
O UOL ouviu, sob reserva, um ex-diretor da Anvisa e um diretor em exercício. Com base no material enviado pela coluna, ambos apontaram evidências de infração à norma na propaganda exibida no Pânico na TV.
Exibindo marcas
O apresentador Emílio Surita questionou, no programa da Jovem Pan, se as canetas da EMS representavam uma “revolução”.
“É uma revolução”, concordou Thais Nania, a diretora de marketing da empresa. “A gente ampliou o número de lojas [farmácias] que têm disponíveis essas medicações, o que coloca ainda mais forte é o nosso senso de democratizar, de dar acesso via disponibilidade desses produtos”, comentou a executiva, citando também preços de venda menores do que os das opções pioneiras no mercado.
No programa, Amanda Meirelles, que é embaixadora da marca EMS, exaltou os efeitos das canetas. “Eu me beneficiei muito com o uso da medicação, porque ela realmente vai atuar ali no mecanismo, aumentando a saciedade e dando menos fome para você”, comentou. No Instagram, onde tem mais de 2,6 milhões de seguidores, ela não faz propaganda das canetas, somente de suplementos da EMS. Médica desde 2018, Meirelles tem CRM em condição regular, porém sem especialidade registrada.
“Ozempic” nacional
Recentemente, a EMS fechou um contrato de exclusividade com a FioCruz, vinculada ao Ministério da Saúde, para produzir a semaglutida — molécula usada em canetas emagrecedoras como Ozempic e Wegovy. Ambas são comercializados pelo laboratório dinamarquês Novo Nordisk, e sua patente deve expirar em março de 2026.
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O governo quer disponibilizar a caneta da EMS à base de semaglutida para a população de baixa renda. Pelo contrato, contudo, não há garantia de que o seu preço será mais baixo do que o das medicações de referência. Isso porque, pelo arranjo, a produção não será como a de um genérico — única forma que obriga os preços a serem, ao menos, 30% menores. Por se tratar de um produto original, com tecnologia própria, a caneta da EMS seguirá preços de mercado.
Outros laboratórios entraram na fila para a produção dessas canetas, que se tornaram a tábua de salvação para resolver problemas decorrentes da obesidade, mas que acabaram, sobremaneira, inflando o comércio voltado à estética.
Sem respostas
Questionada desde quarta-feira (10) sobre a irregularidade da propaganda, a EMS não respondeu até a publicação desta matéria. Seu diretor médico, Iran Gonçalves, também foi consultado diretamente, mas não respondeu.
A coluna tentou contato com a médica Amanda Meirelles, inclusive por suas redes sociais, sem sucesso. A Jovem Pan, via assessoria, não comentou.
Fonte: UOL