Por Lingling Wei, Brian Spegele e Wenxin Fan — Dow Jones Newswires de Pequim
28/11/2022 05h01 Atualizado
Uma onda de protestos irrompeu neste fim de semana nas principais cidades da China contra a política do presidente Xi Jinping de tolerância zero à covid-19, numa demonstração rara de rebeldia no país, enquanto cresce o custo econômico e social dos lockdowns e outras restrições rígidas.
Manifestações ocorreram em Pequim, Xangai e Nanjing, segundo relatos de testemunhas. Fotos e vídeos que circularam nas redes sociais, cuja veracidade não foi possível confirmar, sugerem que houve também protestos em muitas outras cidades pelo país.
Os atos se deram após manifestações na sexta-feira em Urumqi, capital da região remota de Xinjiang, onde um incêndio que causou mortes enfureceu moradores que passam dificuldades por causa de um lockdown de mais de cem dias. Moradores inundaram as redes sociais com comentários que sugeriam que as restrições contra a covid dificultaram o combate a o incêndio que, segundo as autoridades, deixou dez mortos.
Em Pequim, centenas, senão milhares, de manifestantes marcharam na noite de domingo.
Um manifestante de 27 anos, que disse ter trabalhado por anos como consultor de risco político, levava um buquê de flores em homenagem aos mortos de Urumqi. Como outros, ele manifestou sua frustração tanto com a resposta da China à covid quanto com o clima político sob o governo de Xi. Ele contou que estava com medo, mas esperava provocar mudanças na China, “mesmo que só um pouco”.
Uma forte presença policial encurralou manifestantes perto do rio Liangmahe. “Liberdade”, gritavam os manifestantes juntos.
Protestos assim são raros na China, onde a repressão à dissidência se intensificou na última década. A ocorrência de protestos sobre uma mesma questão em várias cidades chinesas é algo quase inédito. Desde os protestos na Praça da Paz Celestial, em 1989, o Partido Comunista permite certas manifestações locais, mas sempre impediu atos de escala nacional.
No sábado, vídeos nas redes sociais mostravam uma multidão no centro de Xangai que pedia o fim dos lockdowns. A veracidade dos vídeos foi confirmada pela Storyful, empresa de pesquisa de redes sociais. Esse protesto começou como uma homenagem espontânea e calma aos mortos em Urumqi.
O clima, porém, ficou mais pesado. Alguns manifestantes começaram a condenar Xi e sua estratégia de controle da covid. Um vídeo mostrava um homem que gritava “Xi Jinping”, ao que os demais respondiam: “Renuncie”.
Pessoas em Xangai e Nanjing confirmaram que os vídeos mostravam eventos que aconteceram nessas cidades no sábado.
Em algumas áreas de Pequim, onde as medidas de segurança estão entre as mais rígidas do país, moradores marcharam no sábado e alguns reivindicavam o relaxamento do que chamam de restrições excessivas por causa da covid, segundo vídeos que circularam nas redes sociais e moradores locais que participaram da passeata.
No campus da Universidade de Pequim, uma das principais do país, estudantes escreveram slogans de protesto anti-covid em tinta vermelha, segundo um universitário que participou da atividade.
Nas redes sociais chinesas, os usuários correram para se antecipar aos censores e divulgar imagens e notícias dos protestos, juntamente com manifestações de solidariedade. “Viva o povo, que os mortos possam descansar em paz”, dizia uma mensagem difundida.
Os protestos continuaram no domingo, quando estudantes se reuniram no campus da importante Universidade Tsinghua, em Pequim. No meio da multidão, alguns manifestantes erguiam folhas de papel em branco ou com um ponto de exclamação dentro de um círculo vermelho – o símbolo que indica que uma postagem na internet foi excluída – segundo uma testemunhal. Os alunos cantavam canções e pediam democracia e estado de direito.
As Universidades de Pequim e Tsinghua não responderam a pedidos de comentários. Uma pessoa que atendeu ao telefone na Prefeitura de Xangai disse que ninguém estava disponível para responder a perguntas no fim de semana. Ligações para a Prefeitura de Pequim também não foram atendidas.
Os protestos ressaltam o aumento dos prejuízos para a sociedade chinesa da estratégia contra a covid montada em torno de testes em massa e confinamento, para impedir até mesmo surtos pequenos – uma abordagem que se tornou cada vez mais insustentável.
A estratégia salvou vidas e se mostrou eficaz no início da pandemia, que se espalhou a partir da cidade de Wuhan no início de 2020. Ela foi adotada para sustentar a visão de Xi de que a China lidou com o vírus melhor do que o Ocidente.
No entanto, cepas mais contagiosas tornaram quase impossível eliminar o vírus por completo. A China depende de vacinas locais, que são menos eficazes que as mais modernas no Ocidente (que usam a tecnologia de RNA mensageiro). Enquanto isso, os lockdowns frequentes mantiveram empresas fechadas e elevaram o desemprego entre os jovens, e agora a China enfrenta sua pior desaceleração econômica em décadas.
Preocupada com os altos riscos, o governo chinês revelou no início deste mês planos para “otimizar e ajustar” a rígida política de zero-covid e para socorrer a economia. Mas autoridades locais em todo o país redobraram as restrições quando o número de casos começou a subir, nas últimas semanas.
“Muitas pessoas estão chegando ao seu limite”, disse Yanzhong Huang, especialista em saúde pública do Council on Foreign Relations, centro de estudos americano, que acompanha atentamente a situação da covid na China.
Pela última contagem oficial, a China teve quase 40 mil novos casos de covid-19 no sábado, um recorde, dos quais 4.307 em Pequim.
Huang e outros analistas compararam as ondas de protestos contra a covid com o sentimento público durante as manifestações na Praça Tiananmen em 1989.
“Se for mal administrada pelo governo, a situação extremamente volátil pode evoluir muito rápido para a crise política mais grave desde Tiananmen”, disse Huang.
Vídeos postados no domingo nas redes sociais chinesas, com etiquetas de geolocalização que indicavam que foram gravados em Wuhan, mostraram moradores destruindo bloqueios de rua montados durante a pandemia e pedindo “suspendam as restrições”.
A polícia deteve manifestantes em Urumqi e Xangai, mas em geral parece ter evitado uma repressão violenta e ampla. Um morador de Xangai que participou do protesto de sábado disse estar perplexo com o fato de as autoridades não terem agido de forma mais agressiva após as pessoas pedirem a queda do Partido Comunista.
Fonte: Valor Econômico

