Por Estevão Taiar — De Brasília
02/02/2023 05h00 Atualizado há 2 horas
O fim das restrições sanitárias na China e o desempenho econômico da Europa devem ganhar mais importância para a trajetória da atividade econômica no Brasil e dos ativos financeiros após as decisões dos bancos centrais brasileiro e americano terem vindo em linha com o esperado.
Ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a Selic em 13,75% ao ano. Poucas horas antes, o colegiado de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevou a taxa de referência em 0,25 ponto percentual, para o intervalo entre 4,5% e 4,75% ao ano.
Um ex-diretor do BC, que prefere não ser identificado, afirma que a entrevista concedida pelo presidente do Fed, Jerome Powell, após a decisão não teve impactos significativos nas condições financeiras no Brasil. “Nos Estados Unidos [a fala] já bateu. O juro real ex-ante de dois anos caiu 10 pontos base [0,1 ponto percentual]. Esse valor é grande para eles, mas minúsculo aqui. Nada relevante para o Brasil”, diz.
Esse interlocutor também destaca que Powell, ao afirmar que os indicadores econômicos têm ganhado mais peso do que de costume nas avaliações do Fed, acabou passando uma mensagem mais “dove”, jargão de mercado que significa mais inclinada ao afrouxamento monetário. “O mercado prestou mais atenção nessa resposta do que em todo o resto”, diz o ex-diretor.
Também na avaliação de Silvio Campos Neto, sócio e economista sênior da Tendências Consultoria, o impacto da decisão do Fed e das falas de Powell “já bateram” nos ativos financeiros. Segundo ele, tanto o câmbio no Brasil quanto as taxas de juros longas “já passam a percepção [de que o ciclo de altas nos Estados Unidos] está perto do fim do aperto”.
Mas o sócio da Tendências também afirma que, em relação à atividade econômica e os índices de bolsa, “ainda há uma conta a ser paga pelo aperto” realizado pelo Fed, tanto no Brasil quanto no exterior. Ele calcula crescimento de 0,7% para a economia americana para e de 0,9% para a brasileira em 2023. De um lado, o ciclo de elevação de juros realizados pelo Banco Central Europeu (BCE) também atua para esfriar a atividade econômica no mundo e no Brasil. Mas, em sentido oposto, a desaceleração “deve ser limitada pelo fator China”, com a diminuição das restrições sanitárias no país asiático.
“Houve um cavalo de pau na China”, diz Armando Castelar, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Castelar também destaca a importância do “cenário mais otimista com a Europa, com um inverno mais moderado que ajudou a segurar o preço do gás”.
O economista ainda chama atenção para as afirmações de Powell de que o Fed dará mais peso aos indicadores, dizendo que isso pode trazer mais “alguma volatilidade” para os ativos financeiros. “Se a inflação surpreende para baixo, possivelmente o real vai se apreciar mais”, observa.
No comunicado que publicou após a decisão, o Copom afirma que o “relaxamento de restrições sanitárias na economia chinesa alivia a possibilidade de novas disrupções nas cadeias de suprimento globais”. Para o BC, “o ambiente externo segue marcado pela perspectiva de crescimento global abaixo do potencial” em 2023 e “alta volatilidade nos ativos financeiros”. Ainda assim, “dados recentes de atividade global têm sido relativamente resilientes”. Por sua vez, o ambiente inflacionário, embora “siga pressionado”, mostra “sinais mais positivos na margem”.
Já o Fed retirou do comunicado menções presentes até dezembro a respeito dos impactos da guerra na Ucrânia sobre a inflação e da pandemia sobre as cadeiras de suprimento. Na entrevista Powell afirmou que “o cenário global está melhorando um pouco, e isso importa para a gente”. Segundo ele, a inflação nos EUA pode retornar à meta de 2% sem desaceleração significativa da atividade econômica. “Não é o mais provável nas previsões dos analistas, mas há uma chance.”
O presidente do Fed acredita que “o crescimento vai continuar, mas em um ritmo menor” que nos últimos dois anos. Já as “condições financeiras não mudaram muito desde a reunião anterior” do comitê.
Fonte: Valor Econômico

