Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, Valor — Brasília
12/07/2022 19h34 Atualizado há 12 horas
A Câmara dos Deputados aprovou nessa terça-feira (12), por 393 votos a 14, o texto-base da proposta de emenda constitucional (PEC) “das Bondades”, também conhecida como “PEC Kamikaze” ou “PEC Eleitoral”, mas precisou adiar a votação das emendas da oposição por instabilidades no sistema. Numa manobra, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu suspender – e não encerrar – a sessão e retomá-la na manhã dessa quarta-feira (13).
A suspensão por 12 horas foi considerada ilegal pelos deputados de oposição. “O regimento só permite suspender por uma hora a sessão ”, disse o líder do Novo, deputado Tiago Mitraud (MG). “isso é ilegal, presidente”, protestou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Lira respondeu que tratava-se de situação excepcional. “Agora, temos que proteger o funcionamento do Parlamento. Não estamos tratando de coisa normal. A decisão será de suspensão dessa sessão, por motivo já explicado e debatido”, disse.
Ao suspender a sessão, e não encerrá-la, Lira pretende manter o painel de presença para essa quarta-feira. Há meses, a regra na Câmara é de que os deputados podem votar pelo celular de qualquer lugar, desde que registrem presença pessoalmente no Congresso. Parte deles registrou presença e já viajou na terça-feira, por isso, não poderia mais votar nessa quarta em condições normais. O painel registrava 467 deputados ontem, mas, ao tentar votar o primeiro requerimento, Lira já foi avisado por governistas que perderia e adiou a sessão.
Sobre a PEC
A PEC aumenta o Auxílio Brasil de R$ 400 pra R$ 600, cria dois auxílios — um para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil e outro para taxistas, num valor global de até R$ 2 bilhões —, dobra o vale-gás e repassa R$ 2,5 bilhões para custeio da gratuidade do transporte público para idosos e R$ 500 milhões para agricultura familiar, tudo até dezembro.
Essas ações custarão aos cofres públicos R$ 41,25 bilhões, quantia que ficará fora do teto de gastos –que proíbe o crescimento das despesas do governo federal acima da inflação. Para contornar a lei eleitoral, que proíbe a criação de benefícios este ano, os senadores alegaram que há um “estado de emergência” por causa da alta dos combustíveis.
É justamente esse estado de emergência o principal embate no plenário. Os partidos de oposição são contra isso, dizendo que permitirá ao presidente Jair Bolsonaro (PL) adotar outras medidas além das dispostas na PEC, e fizeram requerimentos para suprimir esses pontos. Nessas votações, o governo precisa do apoio de 308 dos 513 deputados para manter o texto inalterado. A supressão, dizem, tiraria o respaldo jurídico para ignorar a lei eleitoral e a legislação fiscal.
O PT pediu para excluir esse ponto. “Quero lembrar que a PEC do Calote, que os senhores e as senhoras votaram, rompeu com o teto de gastos, rompeu com a regra de ouro, mas não decretou estado de emergência. Agora, essa Casa está dando ao governo golpista, que não tem apreço à democracia, um cheque em branco, e não sabemos o que ele vai fazer com isso”, disse o líder do partido, Reginaldo Lopes (MG). O deputado Christino Áureo (PP-RJ) rebateu que a oposição “faltava com a verdade”. “O estado de emergência é circunscrito ao texto da PEC que nós aprovamos em primeiro turno com uma esmagadora maioria o legitimando.”
Por risco de ver o estado de emergência cair e ameaçar os planos do governo de criar uma série de benefícios em meio à eleição – em que o presidente Bolsonaro tentará ser reconduzido ao cargo –, Lira decidiu adiar a votação. Na hora em que a votação da PEC começou, o sistema de internet da Câmara caiu, apesar de possuir dois servidores de empresas diferentes. Ele cobrou uma investigação minuciosa da Polícia Federal e lembrou que é a terceira votação polêmica em que isso ocorre.
O líder do PL, deputado Altineu Cortês (RJ), pediu uma investigação sobre a instabilidade no sistema e alegou suspeita de fraude. Ele lembrou que essa é a terceira votação polêmica em que o sistema de votação por celular apresenta problemas. “Isso é um atentado à democracia”, disse.
Apesar do adiamento das emendas, o texto-principal da PEC, com a criação dos benefícios, foi aprovado quase que por unanimidade. A oposição criticou o “caráter eleitoreiro”, mas não quis se posicionar contra os eleitores às vésperas do início das campanhas. Já os governistas rebateram que há uma crise inflacionária causada pela guerra da Ucrânia. “Não podemos penalizar os mais pobres só porque é ano eleitoral”, disse o deputado Neucimar Fraga (PP-ES).
O Novo foi o único partido a votar contra todo o projeto, mesmo sobre a criação dos benefícios, e foi acompanhado por alguns poucos deputados mais ligados à agenda da responsabilidade fiscal do país. Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), a proposta é uma “irresponsabilidade. “É uma PEC populista, eleitoreira. E a desculpa de ajudar os pobres é um pretexto nojento porque os pobres é que vão pagar essa conta”, disse.
Fonte: Valor Econômico