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Braulio Borges: perspectiva de forte aumento de gastos com saúde e Previdência — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
O Brasil passará a ter mudanças demográficas mais aceleradas em menos de 20 anos, o que pressionará o crescimento da economia para baixo e elevará os gastos com saúde e Previdência. Mas essas transformações não estão sendo levadas em conta nas decisões governamentais, avaliam economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Eles alertam que, do ponto de vista orçamentário, o governo deveria ser mais cauteloso com gastos previstos em áreas como educação, diante da perspectiva de queda da população entre 18 e 64 anos e aumento importante de gastos em outras áreas.
Levantamento feito por Braulio Borges, pesquisador do FGV Ibre e economista sênior da LCA Consultores, mostra que com as novas perspectivas demográficas divulgadas pelo IBGE em agosto, o cenário no curto prazo é menos impactante, mas a partir de 2040 os gastos envolvendo plano de saúde, medicamentos e aposentadoria devem começar a subir com força.
Ainda que nos últimos meses o governo venha debatendo cortar gastos, no projeto para o Orçamento de 2025, a verba destinada para educação seria de R$ 113,6 bilhões, 4,8% a mais do que neste ano, mesmo que a população em idade escolar venha diminuindo.
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Fabio Giambiagi: aumento do gasto com Fundeb será “escal“afobético” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
“A população já vem desacelerando, passou de um crescimento de 2,5% ao ano nos anos 1970, para 2,1% nos anos 1980, 1,6% em 1990, 1,2% a partir de 2001, e nos últimos três, quatro anos o crescimento está em 0,4%, bem abaixo do 0,7% projetado em 2018”, afirma Borges. “Com base nas projeções populacionais da revisão do IBGE de agosto, até o fim da década atual o crescimento desacelera para 0,3%, o que deve continuar. Essa dinâmica demográfica mais desfavorável traz implicações, e temos de levar isso em consideração nas discussões.”
Borges argumenta que na década de 1990, um PIB total crescendo 4% anualmente correspondia a um PIB per capita crescendo em torno de 2,3% ao ano, porque a população crescia 1,6% ao ano. Nos anos 2000, o PIB crescendo 3,5% significa um PIB per capita crescendo 2,3% também, porque naquela época a população crescia 1,1%.
Se as projeções do FMI para o PIB potencial do Brasil se confirmarem, diz, teremos um crescimento do PIB de 2,5% nos próximos anos e uma população crescendo 0,3%, o que significará um crescimento per capita de 2,2%, praticamente igual os 2,3% das décadas anteriores.
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Samuel Pessôa: transformações demográficas impactam taxa de inflação — Foto: Silvia Zamboni/Valor
“Isso tem várias implicações, não só pensando em termos de PIB potencial, mas também nas próprias metas de crescimento definidas pelo governo e na elaboração de políticas econômicas”, diz Borges.
Um ritmo de crescimento similar aos de décadas anteriores tende a pressionar ainda mais os gastos do governo no médio prazo, prevê. Além do menor crescimento da população, a composição demográfica do Brasil também mudará, trazendo desafios decorrentes do aumento da população idosa.
Os novos dados do IBGE, diz Borges, mostram a população em idade ativa (PIA, que corresponde àqueles acima de 14 anos) 1,7% menor que aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad C), o que significa cerca de 3 milhões de pessoas a menos em idade para trabalhar.
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Luiz Schymura: na discussão sobre corte de gastos, recursos ao Fundeb estão na mira — Foto: Silvia Zamboni/Valor
“Mudanças na população ocupada podem impactar o cálculo do PIB não apenas pela taxa de variação, mas porque os dados referentes a setores como construção civil, serviços, administração pública são utilizados como input para se calcular o crescimento do PIB”, diz.
Os dados revisados mostram, como já era conhecido, que o bônus demográfico brasileiro ficou para trás, mas o economista afirma que o ônus demográfico – quando a população fora da idade para trabalhar cresce mais do que a da PIA e freia a expansão do PIB – deve evoluir mais devagar do que o previsto anteriormente.
“O percentual dessa população de 18 a 65 anos parou de crescer em 2018, 2019. Mas o interessante é que as novas projeções mostram que o ônus demográfico não se impõe com tanta virulência até a década de 2040”, diz. “Até a década de 2040 a queda é leve. Mas, a partir de então, começa a acelerar.”
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Diante da futura composição demográfica, a perspectiva é de forte aumento de gastos com saúde e Previdência e menor necessidade de aumento dos gastos com educação, prevê Borges.
Ele afirma que a mensalidade média do plano de saúde cresce a partir dos 40 anos de idade, assim como a despesa média mensal ambulatorial e hospitalar. Além do impacto fiscal, diz o economista, pode haver mudanças na composição setorial do PIB, com mais serviços de saúde sendo consumidos. As projeções mais recentes preveem que o percentual da população entre 40 e 65 anos passe dos 32,3% atuais para 36,1% em 2040.
Essa perspectiva se dá no momento em que os gastos com saúde já crescem de forma acelerada, alerta Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre.
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“Em 2022, a despesa obrigatória com saúde do governo federal foi de 1,04% do PIB. Em 2023, devido à mudança da redação na PEC de Transição, passou para 1,19%. Minha estimativa para este ano é que suba para 1,35%. Ou seja, em dois anos teremos aumentado a despesa obrigatória com saúde em 0,3 ponto percentual do PIB. Isso é muita coisa.”
Assim como a saúde, a Previdência será diretamente impactada pelas mudanças que começarão a acelerar a partir de 2040. Do total da população, o percentual entre 18 e 65 anos – que está empregado e financia os aposentados hoje – deve passar dos atuais 65,7% para 64,9% em 2040 e 61,5% em 2050, de acordo com o IBGE.
“Temos um regime de repartição, no qual quem contribui é quem está na ativa. A demografia hoje tornou o cenário de déficit da Previdência um pouco menos desfavorável para os próximos 15 anos, em relação ao que imaginávamos em 2018”, diz, ao lembrar que projeções previam que o percentual da população entre 18 e 65 anos chegaria a 63,2% em 2040. “Mas já estamos em uma trajetória cada vez menos favorável para o financiamento da Previdência.”
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Ao contrário de gastos com saúde e Previdência, os gastos com educação pública e privada devem diminuir no futuro, acompanhando a queda da população de até 18 anos, que passará de 25,3% do total atualmente para 19,3% em 2040.
“Não faz nenhum sentido conceber uma política educacional sem pensar no número alunos que terão de ser abastecidos por ela”, diz Giambiagi. “No universo de 0 a 14 anos em 2060, na revisão de 2018 eram 33,6 milhões de crianças, e na de 2024, 26,8 milhões. Ou seja, 7 milhões de crianças a menos. Mesmo que o gasto real com educação se mantivesse constante, sem crescer, o gasto per capita aumentaria.”
Ele lembra ainda que, após a PEC aprovada em 2020, o percentual da receita líquida destinada ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) vem crescendo desde 2021.
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“Se quisermos um número já a preços de 2025, considerando o Orçamento, estamos falando de uma despesa do Fundeb de R$ 20,9 bilhões em 2020 que passaria a R$ 55 bilhões no ano que vem”, afirma. “Quando compararmos o gasto com o Fundeb no período, o aumento terá sido escalafobético, da ordem real de mais de 150%.”
Nos últimos anos, os gastos federais com o Fundeb passaram de R$ 22,8 bilhões em 2021 para R$ 32,5 bilhões em 2022, e R$ 37,3 bilhões em 2023. Para 2024, o gasto previsto é de R$ 43 bilhões.
Na atual discussão sobre corte de gastos, afirma Luiz Schymura, pesquisador do FGV Ibre, os recursos destinados ao Fundeb estão na mira.
Dentre as medidas estudadas pela equipe econômica está aumentar a parcela dos recursos da União repassados ao Fundeb contabilizadas no piso constitucional dos atuais 30% para 60%. Dessa forma, o governo espera abrir mais espaço para realizar despesas discricionárias.
“Para mim é um equívoco a tendência de ir no sentido contrário, ou seja, a população de jovens caindo e os gastos com educação crescendo”, diz Schymura.
Além da questão fiscal, Borges pontua, o fim do bônus demográfico impacta o crescimento da economia via taxa de poupança, investimento, inovação.
“Quanto mais a população de 18 a 65 anos cresce, maior a taxa de crescimento do PIB. A demografia, portanto, pode tanto impulsionar quanto atrapalhar o crescimento econômico por alguns canais de transmissão, e não somente pela maior ou menor oferta de mão de obra”, afirma o economista.
Ele lembra que, enquanto os mais jovens despoupam, pois não trabalham e consomem a renda dos pais, aqueles que acabam de ingressar no mercado de trabalho começam a poupar com taxas baixas, mas que ao longo da vida laboral vão crescendo e atingem ápice perto da idade da aposentadoria. No Brasil, acrescentam, os mais velhos continuam poupando.
“A composição demográfica também afeta a taxa de poupança agregada da economia justamente por conta das taxas de poupança muito diferentes em cada faixa etária”, diz, ao lembrar que taxa agregada de poupança e a taxa de investimento são dois determinantes importantes da taxa de juros de equilíbrio de um país.
“O impacto das mudanças demográficas nisso é pouco discutido no caso brasileiro, o que aumenta a necessidade de se fazer mais contas para entender as implicações nos juros de equilíbrio.”
Samuel Pessôa, pesquisador do FGV Ibre e da Julius Baer Brasil, aponta medidas tomadas nos anos 1990 como uma das razões pelas quais a mudança da estrutura etária é pouco levada em consideração na discussão.
“No momento em que a estrutura etária brasileira foi se voltando a uma situação muito favorável à poupança, medidas na construção do nosso Estado do bem-estar social, a partir dos anos 1990, tiveram como efeito reduzir a [taxa de] poupança”, afirma.
Pessôa lembra que, nos anos 1970 o Brasil poupava 21% do PIB, percentual que caiu para 16% hoje. “Isso ocorreu em uma época que, pela evolução etária, a taxa de poupança deveria ter aumentado, pois foi quando começamos a viver o bônus demográfico plenamente”, diz.
Além da taxa de poupança, dos juros de equilíbrio, as transformações demográficas impactam também a taxa de inflação.
Ele prevê, por exemplo, que a cesta de consumo da população da terceira idade, com maior peso de serviços de saúde e medicamentos, deve pesar mais sobre a inflação agregada, elevando-a em cerca de 0,2 ponto percentual ao ano.
“Mas essas mudanças [demográficas] não estão sendo levadas em conta na previsão de novos gastos, na elaboração do Prçamento ou mesmo na definição de metas inflacionárias”, conclui Borges.
Fonte: Valor Econômico