Diante do debate acalorado nos mercados sobre se há uma “bolha” nas ações de tecnologia dos EUA, dois gigantes da gestão global seguem pouco convencidos de que os preços estejam excessivamente descolados dos fundamentos. É a opinião da BlackRock, maior gestora do mundo, e do BNP Paribas Asset Management, para quem ainda há amplo espaço para avanço do uso da inteligência artificial (IA), ao mesmo tempo em que o ambiente atual guarda diferenças importantes em relação à bolha da internet no início do século.
No Global Conference 2025, evento organizado pela XP Investimentos, o chefe da área de fundos de fundos da BNP Asset, João Borges, revelou que a casa mantém contato frequente com gestores de fundos no exterior especializados no tema da tecnologia. Ainda que a rápida expansão de investimentos das empresas venha gerando alguma preocupação e endosse um viés de seleção criterioso, a IA ainda é subutilizada no mundo, o que indica amplo espaço para crescimento.
“Há diferenças em relação à bolha da internet. Agora, as empresas são muito maiores, geram caixa e têm balanços robustos. São muito mais preparadas. Além disso, a tecnologia ainda é bastante subutilizada — estudos revelam que apenas 16% das empresas aplicam IA em mais de cinco setores das companhias. Por fim, as empresas menores e que estão em estágios iniciais — com maiores riscos de insucesso — estão nos mercados privados. Essa correção momentânea não assusta tanto”, diz, ao sintetizar a opinião de especialistas com quem mantém contato.
Segundo ele, ainda que haja preocupação com a corrida momentânea no “capex”, o desequilíbrio entre oferta e demanda por IA é muito grande e a correção atual nas ações não deve ser parecida com o estouro da bolha das empresas pontocom.
Cristiano Castro, diretor de desenvolvimento de negócios da BlackRock Brasil, diz que, melhor do que tentar avaliar se o momento de correção configura um bom ponto de entrada nas ações, o ideal é se manter investido no tema.
“Naturalmente, a correção é um ponto de entrada. Diferente da bolha do início do século, há uma demanda muito forte por IA, o que não havia naquele momento. Desta vez, o ‘valuation’ das empresas caminha junto com os lucros. E o investimento não é financiado via dívida, mas sim, por geração de caixa e, consequentemente, o nível de alavancagem das empresas é menor”, afirma.
Assim, aponta, a BlackRock não acredita que exista uma bolha nas ações americanas. “Ainda há muito para acontecer. Imagine os caminhões atravessando os EUA de maneira autônoma e todo o investimento em temas secundários que precisam acontecer para que a IA ganhe tração. No caso dos caminhões autônomos, será preciso boas estradas, oferta de energia e também a transição para uma economia mais eficiente e de baixo carbono”, diz.
Ele ainda afirma que, neste momento, a BlackRock segue acreditando na manutenção do protagonismo americano nas carteiras globais. Outras geografias de destaque aos olhos da gestora são Índia, Arábia Saudita e Ásia, de modo geral. “Estamos mais otimistas com mercados emergentes do que desenvolvidos. Com exceção da Espanha, estamos menos otimistas com a Europa”, aponta.
O profissional da BlackRock também acredita em uma mudança estrutural na carteira dos investidores, que devem sair da alocação tradicional de 60% em renda variável e 40% em renda fixa para algo como 40% em renda variável, 30% de renda fixa e 30% de mercados privados, como infraestrutura, crédito privado e private equity.
Borges, da BNP Asset, já monitora com mais atenção a redução da relevância dos EUA nos mercados globais e aponta a China com uma competidora importante em IA.
“No longo prazo, a China tende a ter uma capacidade energética quatro a cinco vezes maior do que os EUA. Ficam ainda as dúvidas, do ponto de vista da governança, sobre o acesso do investidor global a esse mercado. Em nosso fundo com estratégia de tecnologias disruptivas, há possibilidade de investir em várias geografias, como EUA, Europa e China. Hoje, 70% dos recursos estão concentrados nos EUA, mas a tendência é que, no longo prazo, boa parte migre para a Ásia”, diz.
Fonte: Valor Econômico

