Por Victor Rezende e Arthur Cagliari — De São Paulo
31/10/2022 05h03 Atualizado há 6 horas
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Embora o cenário econômico global ainda contemple uma inflação bastante alta e que se mostra persistente, o mercado tem observado mudanças sutis nas declarações dos bancos centrais e, assim, tem migrado, aos poucos, para um ambiente de negócios cujo foco está, principalmente, no desempenho da atividade econômica. Preocupações com a possibilidade de uma desaceleração mais intensa da economia global já começam a dar as caras nos discursos de algumas autoridades e os reflexos desse sentimento estão, em especial, na queda forte dos juros globais nos últimos dias.
O movimento de alívio das taxas de juros de longo prazo surgiu na esteira de declarações da presidente da distrital de San Francisco do Federal Reserve (Fed), Mary Daly. Enquanto o mercado ainda se mostrava bastante atento aos riscos inflacionários e já embutia nos preços alguma chance de os juros americanos subirem acima de 5%, a dirigente se mostrou favorável à discussão sobre o início de uma redução no ritmo de elevação das taxas pelo Fed. “As pessoas não devem pensar que altas de 0,75 ponto são para sempre”, disse Daly.
Em seu discurso, ela apontou que os indicadores, ao menos até o momento, não têm cooperado para uma desaceleração do ritmo de aperto monetário pelo Fed. Daly, porém, afirmou que é necessário “evitar um aperto excessivo, que prejudique a economia”. A preocupação com o desempenho da atividade se somou a indicadores que começaram a emitir sinais preliminares de desaquecimento da economia nos Estados Unidos, diante de resultados mais fracos da indústria e de uma menor confiança futura em relação ao desempenho econômico do país.
No mercado de Treasuries, o rendimento do papel de dez anos da dívida americana caiu de 4,228% no início da semana passada para 4,006% na sexta-feira. Movimento semelhante foi visto no juro real de dez anos, que passou de 1,69% para 1,51%. A queda firme dos juros não foi vista somente na curva americana, mas nas taxas das principais economias do mundo, na medida em que a defesa de movimentos na política monetária menos agressivos do que os que foram feitos até agora começou a ganhar adeptos, ainda que de forma tímida, em outros bancos centrais.
“São 243 aumentos de juros até agora em 2022 – isso representa um aumento a cada dia de negociação. Os mercados de renda fixa, agora, estão migrando do tema ‘inflação’ para ‘recessão’ e as políticas do Banco da Inglaterra (BoE), do Banco da Reserva da Austrália (RBA) e do Banco do Canadá (BoC) estão dando esses sinais”, dizem os estrategistas do Bank of America em nota. Para eles, há possibilidade de um rali do mercado acionário americano e o S&P 500 pode voltar a se aproximar dos 4 mil pontos, “mas ainda é muito cedo para uma mudança na postura do Fed”.
Outros bancos centrais, porém, já têm indicado uma mudança na política. Foi o caso do BoC, que, na semana passada, surpreendeu o mercado e desacelerou o ritmo de alta dos juros ao elevar a taxa de referência para 3,75%. Embora continue a apontar que os juros precisarão subir a níveis ainda mais altos, o BoC enfatizou que os efeitos da política monetária mais apertada já se tornam evidentes em algumas áreas da economia, já que a atividade imobiliária recuou acentuadamente e famílias e empresas começaram a diminuir os gastos.
Não por acaso, logo após a decisão, os rendimentos dos títulos canadenses de dez anos sofreram um forte tombo e contaminaram o sentimento em torno dos juros globais ao longo da semana. “A economia do Canadá está em uma condição com excesso de demanda e, agora que vemos alguma perda de força, o BoC já está assustado? Ainda estamos com excesso de demanda agregada e temos necessidade de aumentar a ociosidade se quisermos esfriar a inflação de forma durável e, até agora, não estamos nem perto de conseguir isso”, afirma Derek Holt, chefe de pesquisa econômica do Scotiabank.
Para o economista, a recessão é “um mal necessário” para combater as pressões inflacionárias e, na margem, ele acredita que o BoC mostra menos apetite para chegar a esse estágio. Holt avalia que a surpresa na decisão da autoridade “não ajuda o funcionamento do mercado e a confiança e o BoC continua a não entender a importância das sensibilidades do mercado”.
A possibilidade cada vez maior de uma recessão global e os temores revelados por bancos centrais quanto a um desaquecimento mais intenso da economia reforçam, assim, apostas em juros de longo prazo mais baixos. Na medida em que essa narrativa ganha fôlego, alguns agentes veem espaço, à frente, para uma queda mais intensa das taxas longas.
“Quando a inflação esfriar, veremos mais estabilidade nos juros. O Fed diminuirá o ritmo de aumento e veremos um enfraquecimento do mercado de trabalho [nos EUA]. Com isso, haverá um argumento mais forte para adicionar exposição em ‘duration’ [apostas em títulos de prazo mais longo], que deve ser valiosa em um cenário econômico fraco e quando ocorrer uma eventual mudança de rumo em direção a cortes de juros”, afirma Sara Devereux, chefe global de renda fixa da Vanguard, em relatório.
Em seu cenário básico, a gestora defende que os juros americanos subirão até 4,5% no próximo ano. Já na zona do euro, a expectativa da Vanguard é que a taxa de depósito na zona do euro, que foi elevada para 1,5% na semana passada, alcance 2,5% em 2023.
O Banco Central Europeu (BCE), inclusive, foi outra autoridade monetária a emitir sinais mais suaves em relação à condução de sua política, o que também se refletiu em uma queda firme dos juros europeus no fim da semana passada. O retorno do Bund alemão de dez anos, por exemplo, chegou a operar abaixo de 2% após a decisão.
O mercado considerou as declarações da presidente do BCE, Christine Lagarde, mais “dovish” (suaves), revela Hauke Siemssen, estrategista de juros do Commerzbank. “Nas entrelinhas de seu comentário de que os aumentos nos juros são ‘uma boa parte do caminho’ e que o BCE decidirá reunião por reunião, o mercado leu que o BCE poderia aumentar as taxas em um ritmo mais lento a partir de agora. Além disso, Lagarde enfatizou um pouco mais os riscos de recessão, que também falam a favor de uma abordagem menos agressiva por parte do BCE”, afirma.
Siemssen diz acreditar que a inflação deve permanecer elevada durante o inverno no Hemisfério Norte e ressalta que os primeiros dados de outubro confirmam esse quadro. “Para os rendimentos do Bund de dez anos, o ambiente abaixo de 2% parece ser mais improvável. Não esperamos que as taxas caiam novamente até o próximo ano”, afirma o estrategista do banco alemão.
Na visão de Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg, no geral, a queda dos juros europeus nos últimos dias está mais ligada à dinâmica do mercado americano do que ao BCE. Ele diz esperar que, nesta semana, tanto o Fed quanto o BoE sigam o BCE e aumentem suas taxas de juros de forma incisiva novamente.
“Em dezembro, no entanto, o ritmo vai desacelerar, porque os juros já terão atingido níveis bastante elevados até então”, afirma Schmieding. “Além disso, há sinais crescentes de uma recessão perceptível na Europa, o que, por si só, vai reduzir a pressão inflacionária”, defende o economista.
Fonte: Valor Econômico

