Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
23/05/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
O parecer do relator do arcabouço fiscal diminui a simplicidade da regra, mas melhora sua impositividade sobre as despesas, ainda que parcialmente, diz o Itaú Unibanco. Do lado das receitas, o banco avalia que as medidas propostas pela equipe econômica do governo vão na direção correta, mas restam dúvidas sobre reais impactos arrecadatórios.
“Saiu um texto menos simples, mas um pouco mais forte do que o original”, afirma Pedro Schneider, economista do Itaú, em referência ao parecer apresentado até agora por Cláudio Cajado (PP-BA).
Entre os “remendos” que tornaram a regra um pouco mais complicada, ele cita a fixação de um crescimento real de 2,5% para as despesas no ano que vem, independentemente do comportamento das receitas, e a possibilidade de o governo escolher, apenas neste ano, se usará a inflação até dezembro ou até junho para estimar as despesas de 2024.
“No primeiro ano vale uma coisa, no segundo vale outra e a ‘velocidade de cruzeiro’ da regra viria só mais à frente”, diz Schneider.
Já a impositividade melhorou, segundo ele, por três fatores. O principal é o retorno ao texto dos contingenciamentos obrigatórios se o Executivo verificar que gastará mais do que planejava.
Schneider cita também o fato de que a diminuição do crescimento possível das despesas de 70% para 50% do avanço das receitas, em caso de descumprimento da meta de resultado primário, será incorporada permanentemente à base de cálculo, em vez de valer apenas para o ano de “punição”. Além disso, ele menciona gatilhos incluídos, como o veto a reajustes a servidores e à realização de concursos se a meta de primário for furada.
Nos dois últimos casos, porém, as “punições” demoram dois anos para serem incorporadas ao Orçamento, observa Schneider. “A impositividade melhorou, mas só a partir de 2026. Tinha espaço para melhorar mais o prazo”, afirma. Essas questões poderiam ser revistas pelo Congresso, mas o Itaú espera que o projeto passe nesta semana sem alterações relevantes.
Schneider alerta ainda que o crescimento real efetivo das despesas será maior do que os 2,5% fixados para 2024 – quase 4%, estima. “Neste ano já está crescendo 7%. Juntando os dois anos, na média, é um crescimento real de 5,5% por ano, muito próximo da média pré-teto de gastos, de 6%”, observa.
Do lado das receitas, o Itaú tem a visão de que o governo está correto ao focar corrigir distorções tributárias. “O aumento explícito de carga é mais fácil no sentido de que arrecada mais, mas pune emprego, renda, PIB”, diz Schneider.
O problema, segundo ele, é que ainda há dúvidas sobre o impacto real das medidas anunciadas ou em estudo. “Distorções não estão escritas em pedra na leia. Elas existem por interpretações diferentes entre governo e contribuintes. Mudar isso, normalmente, passa pelo Congresso ou pelo Judiciário, podem acontecer modulações, transições”, afirma Schneider.
Para conseguir zerar o déficit primário no ano que vem como promete, o governo precisaria de 2% do PIB em medidas de elevação da receita, estima o Itaú, assumindo a projeção do banco de crescimento do PIB de 1% em 2024; o governo espera alta de 2,3%. “As projeções de atividade vêm sendo revistas para cima, mas ainda tem a expectativa de ser mais para 1% do que para 2%”, diz Schneider.
Em um relatório em que detalha as iniciativas de incremento de arrecadação que já foram ou ainda podem ser propostas, o Itaú aponta que a estimativa do governo para medidas permanentes com impacto a partir de 2024 está em 2,4% do PIB. O banco, no entanto, vê potencial menor, de 1,6%, mas incorporou apenas 1%, por ora, em seu cenário-base. “Estamos um pouco mais conservadores nas duas pontas”, diz Schneider, referindo-se às perspectivas tanto para PIB quanto para as medidas arrecadatórias.
Do ponto de vista fiscal, a mais relevante até agora, segundo Schneider, foi a proposta do governo para harmonização da interpretação dos créditos e débitos do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. O Itaú lembra que a medida já foi aprovada na Câmara, está no Senado e deve começar a afetar a receita a partir de maio. A arrecadação seria da ordem de R$ 20 bilhões (0,2% do PIB).
À frente, o destaque é a limitação do uso de benefícios fiscais do ICMS na base de cálculo dos tributos sobre lucro corporativo. O governo já recebeu aval favorável do Supremo Tribunal de Justiça, “mas, como não tem projeto de lei por trás, a disputa pode ter sequência”, diz Schneider, acrescentando que isso gera alguma incerteza sobre a ordem de grandeza da medida. O Itaú estima o impacto da decisão para o setor público de R$ 30 bilhões (0,3% do PIB).
Um “gatilho” para melhora (ou piora) mais clara da percepção de risco fiscal do país deve ocorrer quando o potencial real de arrecadação das medidas for descoberto, diz Schneider. “Os dados vão ganhar importância ainda maior daqui para frente.”
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Fonte: Valor Econômico

