8 Feb 2024 CAROLINA MARINS
“Há risco de Milei tentar se parecer a Fujimori e acabar como Castillo” Facundo Cruz, analista político
Um dia depois de sofrer uma dura derrota no Congresso, que devolveu seu projeto de reformas à estaca zero, o presidente da Argentina, Javier Milei, acusou a oposição de “esquartejar” a chamada “Lei Ônibus” e não descartou a possibilidade de convocar um plebiscito para aprovar as mudanças estruturais que prometeu.
“A casta política, esse grupo de delinquentes, quer uma Argentina pior, porque não está disposta a abrir mão de seus privilégios”, disse Milei, durante viagem oficial a Israel. “Eles esquartejaram nossa lei para poder manter os mecanismos pelos quais roubam os argentinos.”
A Lei Ônibus foi aprovada na semana passada. No entanto, dos 664 artigos, apenas 383 sobreviveram, uma manobra do governo para tentar aprovar a reforma sem ter maioria no Congresso. Na terça-feira, porém, a aprovação foi revertida.
A falta de acordo para aprovar cada um dos artigos restantes fez o megaprojeto voltar às comissões da Câmara.
Além de Milei, o porta-voz do governo, Manuel Adorni, e o ministro do Interior, Guillermo Francos, prometeram ontem utilizar “todos os recursos constitucionais” para avançar o projeto – incluindo um plebiscito. Mas a tarefa de convocar uma consulta popular não é tão simples, de acordo com a Constituição argentina.
Segundo o professor de ciências políticas da Universidade de Buenos Aires (UBA) Facundo Galván, apenas o Congresso pode convocar um plebiscito vinculante. Como presidente, Milei poderia realizar apenas uma consulta que, se aprovada, teria de ser submetida ao Legislativo. Além disso, diz Galván, nem todos os temas podem ser levados a votação popular.
“A casta política, esse grupo de delinquentes, quer uma Argentina pior, porque não está disposta a abrir mão de seus privilégios” Javier Milei Presidente da Argentina
RISCO. Analistas dizem que a ameaça de recorrer a plebiscitos é arriscada. Segundo pesquisas, já há sinais de que a lua de mel do presidente com os argentinos será curta. De acordo com sondagem da CB Consultora, publicada na segundafeira pelo jornal Clarín, o apoio a Milei caiu em todas as 24 províncias e hoje está em 50% – ele foi eleito com 55,7% dos votos.
“O governo está convencido de que os votos que recebeu equivalem ao apoio que ainda mantém”, disse Facundo Cruz, analista de dados eleitorais do observatório Pulsar da UBA. “Isso é discutível. Ganhar o segundo turno não significa governar apoiado por uma maioria, e isso ficou claro após o que aconteceu com a Lei Ônibus.”
A outra opção para Milei seria emitir decretos, mas há questões que não podem ser feitas na canetada, como temas eleitorais e penais, por exemplo. Seu “megadecreto” para desregulamentar a economia provocou uma série de ações judiciais que levaram ao cancelamento de algumas medidas, como a reforma trabalhista. “Se seguir por este caminho, há um risco grande de Milei tentar se parecer com Alberto Fujimori e terminar como Pedro Castillo”, disse Cruz, se referindo a dois ex-presidentes peruanos que foram escorraçados do poder.
DIÁLOGO. Por fim, sobra a opção de retornar à mesa de negociação e recalcular a rota antes de colocar a lei para votação novamente. O problema é que a base governista é pequena e Milei segue dependendo do apoio no Congresso de uma oposição moderada, chamada de “dialoguista”.
Além disso, Milei corre contra o tempo. Sua governabilidade é sustentada pelo PRO, partido de Mauricio Macri, que ainda demonstra lealdade. Mas uma eventual queda na aprovação pode provocar uma debandada.
“Se a aprovação cair para menos de 40%, o Congresso dará cada vez menos concessões ao presidente, principalmente os blocos que lhe dão sustentação”, afirma Cruz. “Se eles derem as costas ao governo, teremos muito mais conflitos entre Executivo e Legislativo.” •
Fonte: O Estado de S. Paulo

