Por Francisco Góes, Valor — Rio
23/01/2023 20h20 Atualizado há 11 horas
A ideia de criar uma moeda comum entre Brasil e Argentina não é nova. Em 1997, surgiu a proposta de estabelecer uma moeda comum entre os países do Mercosul. O principal entusiasta era o ex-presidente argentino Carlos Menem (1930-2021), mas o projeto contou também com o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A ideia nunca prosperou.
Passados 26 anos, volta-se a falar em moeda comum, o que é visto com ceticismo por economistas que estudam o bloco. A avaliação é que o anúncio junta o interesse político argentino, em especial do ministro da Economia, Sergio Massa, com a disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de voltar a ser um líder de destaque na América do Sul.
A questão é que o anúncio veio antes de que se aprofundem estudos técnicos sobre o tema no Brasil e na Argentina em uma inversão de lógica. O ideal, dizem economistas, seria primeiro encaminhar os estudos para que depois os presidentes fizessem o anúncio.
O primeiro passo na empreitada, como antecipado hoje, é a criação de um grupo de trabalho para implantar uma moeda comum – ou unidade comum – que sirva para as operações de comércio exterior entre os países do Mercosul. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ser contrário à ideia de implantar uma moeda única no Mercosul, nos moldes da União Europeia. Defendeu, no entanto, uma moeda comum para o intercâmbio regional.
Nos anos 1990 fazia mais sentido falar em moeda comum no Mercosul, dizem economistas. Lançado em 1991, o grupo reunindo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai teve um período de crescimento e de negociações com outros blocos. Era a época das discussões sobre a criação Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que não se materializou.
Quando o Mercosul fez 30 anos, em 2021, o diagnóstico de economistas era outro. A associação de países do Cone Sul havia perdido relevância, permanecido estagnada e com amarras que impediram os sócios de realizar acordos comerciais separadamente.
Lá atrás a referência para o Mercosul era o Tratado de Maastricht, de 1992, que levou mais tarde à criação do euro, a moeda única do bloco europeu. Agora não está se falando de criar moeda única no Mercosul, mas de dar um primeiro passo na integração monetária.
O economista Fabio Giambiagi, associado da FGV/IBRE, afirma que na Europa o caminho foi longo. A moeda comum era a última parada depois de cumpridos uma série de requisitos e de se chegar à estabilidade e à convergência macroeconômica.
Em um paper de 1999 chamado “Mercosul: por que a unificação monetária faz sentido a longo prazo?”, Giambiagi, que fez carreira no BNDES, lista as condições para a vigência de uma moeda comum. Cita a livre mobilidade do fator de trabalho entre os países, um nível elevado de comércio intra-regional e semelhanças entre os tipos de choques aos quais os países estão sujeitos.
Giambiagi considera uma distorção falar em moeda comum agora, quando a Argentina tem vários tipos de câmbio. O que há, na visão dele, é o início de trabalho que busca resolver um problema concreto que é o financiamento das exportações. O mecanismo poderia permitir que um exportador brasileiro venda para a Argentina e receba em dólares depositados fora daquele país.
Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), disse não ter entendido bem o objetivo da proposta: “Não temos no Mercosul nenhum dos requisitos econômicos para a criação de uma moeda comum. Haveria uma longa lista de pré-requisitos a cumprir até que pudéssemos avançar nesta direção, sendo que o primeiro deles é aumentar o grau de integração comercial que atualmente é muito baixo entre os países da região. Neste sentido, a velha agenda de integração comercial com eliminação de diversas barreiras não-tarifárias que permanecem no comércio intrabloco é prioridade”, afirmou.
Ela disse que os países do bloco contam com o Sistema de Pagamentos em Moeda Local, que procurou eliminar o risco cambial, mas é “pouquíssimo” utilizado. Para Giambiagi, é preciso botar a “bola no chão”, reduzir a retórica e levar o tema para à alçada econômica: “Botar empresários, bancos privados e autoridades da Fazenda e dos bancos centrais, conhecedores do tema, para discutir.”
Fonte: Valor Econômico

