Após uma série de tentativas fracassadas de reduzir a tensão da guerra comercial, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder chinês, Xi Jinping, concordaram com uma trégua de um ano que revoga muitas das tarifas e medidas retaliatórias que aprofundaram a disputa entre as duas maiores economias do planeta.
No primeiro encontro frente a frente desde 2019, foi acertada a redução de tarifas sobre produtos chineses de 57% para 47%, o fim do controle a exportações de terras-raras por parte de Pequim e a retomada da compra de soja americana, item de interesse para o Brasil.
Dois assuntos-chave ficaram de fora do acerto: a venda da operação da plataforma TikTok nos EUA e o novo superchip da Nvidia, o Blackwell. Na quarta-feira, a gigante superou US$ 5 trilhões em valor de mercado com a expectativa de solução para a venda do produto aos chineses, o que não ocorreu.
Sem assinatura de documento, Wall Street concentrou atenções na alta de gastos das big techs com inteligência artificial e na incerteza em relação a novo corte de juros nos EUA em dezembro. Os principais índices fecharam em baixa. No Brasil, o dólar avançou 0,42%, a R$ 5,38, e a Bolsa subiu 0,1%, aos 148.780 pontos.
O que a China se compromete a fazer
- ·Terras-raras: Suspender controles sobre ímãs de terras-raras. Pequim havia apertado drasticamente suas restrições a exportações desses minerais no início do mês.
- ·Portos: Suspender taxas portuárias especiais aplicadas a navios dos Estados Unidos como parte da estratégia na guerra comercial.
- ·Soja: Retomar a compra de soja americana, sendo 12 milhões de toneladas neste ano e mais 25 milhões anuais pelos próximos três anos. O anúncio traz alívio aos agricultores americanos, já que a China é uma das principais compradoras do grão americano.
Ainda sem acordo
- ·Rede social: Venda do TikTok nos EUA
- ·IA: Acesso da China a chips estratégicos da Nvidia
O que os EUA se comprometem a fazer
- ·Tarifa média: Reduzir a tarifa média de importação de produtos chineses de 57% para 47%.
- ·Fentanil: Reduzir a tarifa sobre itens relacionados à fabricação de fentanil de 20% para 10%.
- ·Sem chantagem: Retirar ameaça de taxar em 100% importações de Pequim. Trump havia ameaçado impor a tarifa a partir de novembro.
- ·Portos: Suspender taxas aplicadas a navios chineses em portos americanos.
- ·Subsidiárias: Suspender por um ano a norma que restringe comércio com subsidiárias de empresas na lista proibida do governo americano.
‘Reunião foi um 12’
Trump e Xi conversaram por cerca de uma hora e meia em Busan, na Coreia do Sul, onde líderes participavam da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec). Trump chamou Xi de “negociador muito duro” enquanto apertavam as mãos. Xi disse que eles “devem ser parceiros e amigos”, e que podem “assumir conjuntamente” sua “responsabilidade como países importantes e trabalhar juntos para alcançar coisas maiores e concretas”.
A bordo do avião Air Force One, o republicano anunciou ter chegado a um acordo:
— Em uma escala de zero a dez, sendo dez o melhor, diria que a reunião foi um 12.
E emendou:
— Tudo relacionado aos elementos de terras-raras foi resolvido.
A China concentra a produção de terras-raras e minerais críticos, essenciais para indústrias de tecnologia e defesa. Após o tarifaço de Trump, Pequim havia imposto restrições a exportações de terras-raras.
No caso do fentanil, Trump havia taxado uma lista de produtos chineses em retaliação à suposta falta de empenho de Pequim para conter o fluxo ilegal da droga para os EUA. O republicano acusa China, México e Canadá de não se esforçarem para conter o tráfico ilegal do entorpecente.
O fentanil é o analgésico opioide sintético mais potente disponível para uso em tratamento médico, mas é contrabandeado e usado por dependentes químicos.
— Temos um acordo. Agora, todos os anos vamos renegociá-lo, mas acho que o acordo vai durar muito tempo. É um acordo de um ano e vamos estendê-lo depois de um ano — afirmou Trump.
Após o encontro, o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent afirmou à Fox Business Network esperar que a assinatura do acordo aconteça “já na próxima semana”. Ele disse que os EUA vão suspender, por um ano, a norma que restringe o comércio com subsidiárias de empresas incluídas na lista proibida do governo americano. No fim de setembro, passou a vigorar norma que ampliaria o alcance das restrições a cerca de 20 mil companhias.
Para analistas, as concessões feitas por Pequim ressaltam que Xi entendeu do que Trump precisa: um acordo que possa ser vendido como vitória. Trump chamou o acerto de vitória para agricultores americanos e empresas, embora a China tenha apenas voltado ao status quo ao aceitar comprar soja e adiar restrições a terras-raras.
‘Fazendeiros felizes’
Trump publicou na rede social Truth Social: “Nossos fazendeiros ficarão muito felizes!” e “Gostaria de agradecer ao presidente Xi!”.
A China comprará 12 milhões de toneladas dos EUA este ano e mais 25 milhões anuais pelos próximos três anos. É o maior fator de atenção no acordo para o Brasil. Em Chicago, o contrato mais negociado de 5 mil bushels (medida que equivale a 27kg) da soja chegou a US$ 1.090 ontem, o maior valor em um ano e três meses.
Analistas de agronegócio da XP afirmam em relatório que o cenário pós-acordo embute incertezas para o preço, mas a soja brasileira ainda deve ser a fonte mais barata para a China.
“A soja dos EUA será vendida para a China no curto prazo, sustentando preços. Mas sem um mercado livre, considerando a demanda fraca da China e safra recorde no Brasil, o balanço global de soja permanece pesado e confortável com suprimentos da América do Sul”, diz o texto.
Para Larissa Wachholz, coordenadora do Programa Ásia e do Grupo de Análise da China do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), um fator de alívio para o Brasil é que os EUA não impuseram cota de importação à China para a soja dos EUA, como no primeiro governo Trump:
— Ao anunciar a retomada das compras, se a China volta aos níveis anteriores, não há perda expressiva para o Brasil. Tradicionalmente, Brasil e EUA dividem esse market share. Não há grande risco ao Brasil.
(Colaboraram Paulo Renato Nepomuceno, Roberto Malfacini e Luciana Casemiro)
Fonte: O Globo

