Por Katsui Nakazawa — Nikkei, de Tóquio
04/08/2022 05h02 Atualizado há 5 horas
A viagem de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a Taiwan e a maneira como o presidente da China, Xi Jinping, está formulando as respostas de Pequim chamam atenção para a capacidade do líder chinês de lidar com questões tão complexas. Em certo sentido, essa é a prova final que ele terá que passar para conseguir um terceiro mandato como líder supremo da China.
Xi não pode cometer nenhum erro na conduta das relações com os EUA ou em relação a Taiwan. Nesta semana. ele estará particularmente ocupado em reunião com a velha guarda do Partido Comunista no “encontro Beidaihe” anual no resort litorâneo de mesmo nome na província de Hebei.
Antes de Pelosi chegar a Taiwan, um conhecido opinionista chinês sugeriu que a China poderia derrubar seu avião. Diplomatas chineses repetiram que o país tomaria “contramedidas” contra a viagem. O voo de Pelosi, porém, pousou e decolou da ilha sem problemas.
Esta não é a primeira vez que um presidente da Câmara dos EUA visita Taiwan, Newt Gingrich fez a mesma viagem 25 anos atrás. Na época, o presidente da China era Jiang Zemin, que habilmente lidou com Gingrich. Inevitavelmente, Xi será comparado a Jiang.
Durante seu mandato, Xi vem se movimentando para mostrar que superou Jiang e outro ex-presidente chinês, Hu Jintao, em termos de conquistas. O presidente agora terá de mostrar que superou Jiang e Hu e pode fazer com habilidade malabarismos na política interna, na diplomacia em relação aos EUA e na questão de Taiwan. Desse modo, a visita de Pelosi, é muito mais uma questão interna da China.
Se a China tivesse conseguido impedir Pelosi de visitar Taiwan por meio de esforços de lobby ou aplicando pressão, Xi iria a Beidaihe como vitorioso. Mas o poder diplomático chinês tem limites.
Em 2 de abril de 1997, Gingrich, um peso-pesado do Partido Republicano e pró-Taiwan, fez uma breve visita à ilha. Ele se reuniu com o então presidente Lee Teng-hui.
Mas Gingrich, ao contrário de Pelosi, não era do mesmo partido do então presidente, o democrata Bill Clinton. E ele fez um itinerário diferente, parando primeiro em Pequim e conversando com Jiang.
Um ano antes, em março de 1996, A China fez exercícios de disparos de mísseis por ocasião da primeira eleição presidencial direta em Taiwan, alertando as forças pró-independência. Em resposta, os EUA despacharam dois porta-aviões para o Estreito de Taiwan.
Durante sua conversa com Gingrich, Jiang disse que as tensões entre EUA e China estavam ensolaradas depois de um período chuvoso. Jiang lembrou da importância da questão de Taiwan, dizendo ser um tema “sensível e central”.
Mas o fato de Jiang ter concordado em se reunir com Gingrich antes deste ir a Taiwan pôde ser interpretado como um aceno tácito. Jiang provavelmente apreciou o fato de Gingrich primeiro prestar seus respeitos a Pequim.
A visita de Pelosi tem algumas semelhanças. Em 28 de julho, Xi falou por telefone com o presidente dos EUA, Joe Biden, por duas horas e meia, sabendo do plano de Pelosi de visitar Taiwan. Embora tenham discutido por causa de Taiwan, é seguro dizer que os presidentes chegaram a um acordo de que um conflito deveria ser evitado.
Mas Xi precisa mostrar ao Partido Comunista Chinês e ao público uma atitude mais dura.
Passados 25 anos da visita de Gingrich, o poderio econômico e militar da China aumentou drasticamente. A opinião pública exige que o poderoso país faça uma demonstração de força, caso contrário, ficará desacreditado. É nisso que repousa um enorme risco.
Segundo a agência de notícias Xinhua, Xi disse a Biden: “Se vocês brincarem com o fogo, vão se queimar”. Essas palavras foram interpretadas como um alerta de que a China poderia recorrer a ações militares caso Pelosi levasse a cabo a visita. O perigo é o de que pudessem acontecer acidentes.
Meio ano após a viagem de Gingrich, em outubro de 1997, Jiang voou para os EUA, na primeira visita oficial ao país de um chefe de Estado chinês em 12 anos. Em junho de 1998, o então presidente Clinton visitou a China por nove dias.
Jiang, hoje membro aposentado do partido, sempre se orgulhou de ter recuperado as relações da China com os EUA, que tinham então se deteriorado ao seu pior nível.
Com a aproximação do congresso nacional do partido, a pergunta é: quais são as intenções de Jiang e de seus aliados no partido?
Não seria estranho se quisessem que Xi administre melhor a relação com os EUA. A atual desaceleração econômica sem precedentes da China pesa nesse cálculo.
Isso não significa que gostariam que Xi fizesse concessões com relação à questão de Taiwan.
Em vez disso, sua linha de pensamento é a de que, embora seja natural para Xi dar prosseguimento à ofensiva de olho na unificação com Taiwan, o presidente deveria tomar decisões realistas no que se refere às relações com os EUA.
As intenções de Jiang, que completará 96 anos em breve, e de outros veteranos do partido são transmitidas a Xi de várias maneiras, e Xi não pode ignorar as considerações desse grupo.
Isso explica por que Xi teve de conversar com Biden por telefone apesar do azedume que paira sobre as relações bilaterais.
Apesar de a China estar ostentando uma posição dura sobre a questão de Taiwan, o país quer, na verdade, evitar confusão às vésperas do congresso do partido.
Não há dúvida de que, 25 anos após a visita de Gingrich a Taiwan, as relações EUA-China continuam sendo um fator importante, com um peso considerável na política chinesa.
Há a possibilidade de que a China mantenha por um bom tempo ainda as contramedidas anunciadas, em especial as operações militares ano entorno de Taiwan. Entre os motivos para isso estaria dissuadir outras autoridades americanas de visitar Taiwan após as eleições nos EUA em novembro. Mas seguirá também a batalha que Xi não pode se permitir perder.
Fonte: Valor Econômico