Os investimentos em crédito privado como debêntures, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) bateram recorde de movimentação no primeiro semestre deste ano. Segundo um levantamento feito pela Pop BR, precificadora de ativos de crédito da LUZ Soluções Financeiras, esses títulos movimentaram R$ 517,32 bilhões no mercado secundário, o que representa um aumento de 15% (ou R$ 68 bilhões) em relação aos primeiros seis meses do ano passado.
Ao todo, foram 2,1 milhões de operações de compra e vendas feitas nesse primeiro semestre. No mesmo período de 2024, foram feitas 1,7 milhão de operações. Por outro lado, quando se observa a quantidade de papéis negociados, há uma queda: foram 4,6 bilhões contra 8,1 bilhões um ano antes.
A diferença entre o número de negociações e a quantidade de papéis negociados se dá porque uma operação não envolve só um papel, ela pode envolver vários. Segundo Aruã Torigoe Kalmus, analista da Pop BR e responsável pelo levantamento, esse movimento evidencia que existe uma maior participação de fundos de investimento e investidores institucionais nessas negociações em relação a pessoas físicas.
Isso porque investidores institucionais, como fundos e gestoras, costumam realizar operações com maior frequência e complexidade, mas com volumes menores por transação, distribuindo suas estratégias entre diversos papéis e emissores.
Já os investidores pessoa física tendem a concentrar suas compras em menos operações, mas com grandes quantidades de um mesmo papel. Assim, mesmo com o aumento no número de negociações, a redução no volume total de papéis negociados indica uma mudança no perfil dos participantes do mercado, com maior presença de agentes mais técnicos e estratégicos.
É válido destacar que embora seja possível para a pessoa física investir diretamente nesses ativos, esse tipo de aplicação exige um nível mais elevado de conhecimento. Isso porque a análise desses produtos envolve entender riscos de crédito, garantias, estrutura da operação, o fluxo de pagamentos das companhias e até eventuais cláusulas contratuais. Além disso, avaliar se um título está ou não sendo oferecido a um preço justo ou se representa, de fato, uma boa oportunidade requer experiência e acesso a informações nem sempre facilmente disponíveis. Por isso, muitos investidores preferem acessar esse mercado por meio de fundos especializados, com equipes profissionais dedicadas a esse tipo de análise.
Selic alta é motivo para o recorde
Kalmus afirma que o recorde de movimentações se deve, principalmente, aos juros elevados. No fim de junho, o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a subir a Selic em 0,25 ponto percentual, o que levou a taxa básica a 15% ao ano.
De acordo com o especialista, quando há uma escalada rápida do IPCA e da Selic, os títulos emitidos anteriormente (quando o cenário era de taxas mais baixas), acabam oferecendo rentabilidades mais vantajosas, isso porque eles “captam” essa escalada, diferente dos títulos emitidos já sob taxas elevadas, que oferecem condições menos favoráveis porque o momento de escalada já passou.
Kalmus aponta ainda que, por conta dessa valorização, cresce o interesse dos investidores por esses papéis no mercado secundário, o que impulsiona as negociações. Esse movimento, portanto, é resultado da busca por melhores retornos e da atratividade que os ativos antigos ganham em cenários de alta nos juros e na inflação.
“Tivemos um aumento de 15% no volume do primeiro semestre de 2024 para o primeiro semestre deste ano. Se avaliarmos a série histórica, em dez anos, o volume cresceu 256%. No primeiro semestre de 2015, as negociações com CRIs, CRAs e debêntures somaram R$ 145,210 bilhões, menos de um terço do volume atual”, afirma.
Os mais negociados
O levantamento do Pop BR também trouxe os ativos mais negociados no primeiro semestre de 2025. Segundo Kalmus, os investidores sempre tiveram uma preferência por companhias mais conservadoras. Não à toa, as debêntures da Vale tiveram bastante destaque, assim como de companhias de energia, que têm as chamadas debêntures incentivadas (cujo rendimento é isento de imposto de renda).
Debêntures mais negociadas no primeiro semestre
| Colocação | Ativo | Volume Financeiro | Empresa emissora | Remuneração | É incentivada? |
| 1 | NTSD18 | 4396097349,72 | NOVA TRANSPORTADORA DO SUDESTE S.A. – NTS | DI + 0,8000% | NÃO |
| 2 | SBSPF3 | 4120456962,14 | CIA SANEAMENTO BASICO EST. SP – SABESP | IPCA + 7,3837% | SIM |
| 3 | PASS12 | 3993358901,48 | COMPASS GÁS E ENERGIA S.A. | DI + 1,5500% | NÃO |
| 4 | EQTL17 | 3375427341,35 | EQUATORIAL ENERGIA S.A. | DI + 0,7200% | NÃO |
| 5 | VALEB0 | 3253038249,46 | VALE S.A. | IPCA + 6,4368% | SIM |
| 6 | EQPA18 | 3158872896,4 | EQUATORIAL PARA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. | IPCA + 7,7477% | SIM |
| 7 | EUFA17 | 3070042467,66 | EUROFARMA LABORATORIOS S.A | DI + 1,3000% | NÃO |
| 8 | TRPLA7 | 3052151926,99 | ISA ENERGIA BRASIL | IPCA + 6,7119% | SIM |
| 9 | PASS13 | 3006941073,78 | COMPASS GÁS E ENERGIA S.A. | DI + 1,0800% | NÃO |
| 10 | SBSPE3 | 2959579571,36 | CIA DE SANEAMENTO BASICO DO ESTADO DE SAO PAULO SABESP | IPCA + 7,5485% | SIM |
Fonte: POP Br
CRIs mais negociados no primeiro semestre
| Colocação | Ativo | Volume Financeiro | Devedor | Remuneração |
| 1 | 21F0097589 | 1529142986,88 | Pulverizado | IPCA + 6,5% |
| 2 | 24J2539865 | 1196630190,22 | AXIS SOLAR XI EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES S.A. | IPCA + 7,4183% |
| 3 | 25B3110439 | 992656391,37 | IGUATEMI PPPH PARTICIPAÇÕES LTDA | 99% do CDI |
| 4 | 24F1532998 | 976641810,15 | YUNY INCORPORADORA HOLDING S.A. | DI + 3,7% |
| 5 | 24H1938840 | 811680979,61 | LUX 600 VILA NOVA CONCEICAO EMPREENDIMENTO IMOBILIARIO SPE LTDA | DI + 3,5% |
| 6 | 25B3099731 | 729889421,61 | IGUATEMI PPPH PARTICIPAÇÕES LTDA. | 96% DI |
| 7 | 22L1465644 | 664452691,97 | ANIMA HOLDING S.A. | DI + 1,6500% |
| 8 | 24L1567349 | 631716597,06 | LUMINI FII | IPCA + 8,0000% |
| 9 | 23J1142031 | 502002680,13 | YDUQS PARTICIPACOES S.A. | DI + 0,9% |
| 10 | 24L0007474 | 476960888,51 | Pulverizado | IPCA + 10,5797% |
Fonte: POP BR
CRAs mais negociados no primeiro semestre
| Colocação | Ativo | Volume Financeiro | Devedor | Remuneração |
| 1 | CRA024009Q4 | 1903870785,46 | MARFRIG ALIMENTOS S/A | IPCA + 7,3693% |
| 2 | CRA024004H7 | 1614357958,13 | SAO MARTINHO S/A | 100% do CDI |
| 3 | CRA023007VD | 697141743,63 | ENGELHART CTP (BRASIL) S.A. | 101% do CDI |
| 4 | CRA022008NB | 646941654,08 | RAIZEN ENERGIA S.A. | IPCA + 6,5885% |
| 5 | CRA0250012X | 550264362,97 | FS FLORESTAL S.A. | 17,8565% |
| 6 | CRA024004H5 | 546947192,51 | SAO MARTINHO S/A | 98% do CDI |
| 7 | CRA02400AYP | 520278388,82 | MINERVA S.A. | 14,6793% |
| 8 | CRA020001P8 | 493148685,46 | RAIZEN ENERGIA S.A. | IPCA + 5,80% |
| 9 | CRA02400ECU | 459259314,67 | S.A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL | DI + 4,1% |
| 10 | CRA019003V3 | 456490877,31 | RAIZEN ENERGIA S.A. | IPCA + 3,6020% |
Fonte: POP Br
Que ativos são esses?
Tanto as debêntures quanto os CRIs e CRAs são ativos de crédito privado. Ou seja, tratam-se de “empréstimos” do investidor a empresas.
No caso das debêntures, quando uma companhia precisa levantar dinheiro para financiar algo (como o investimento em novas fábricas, lançamentos de mais produtos e etc), ela emite títulos de dívidas que são oferecidos a investidores por meio de bancos e corretoras. Assim, na prática, quem os compra está emprestando dinheiro para aquela companhia, com a promessa de receber o valor, acrescido de juros ao final do prazo determinado.
Os CRIs e CRAs funcionam de forma semelhante, mas são emitidos por securitizadoras para financiar atividades do setor imobiliário e do agronegócio. Na prática, essas empresas convertem dívidas (duplicatas, cheques, notas promissórias) em um título negociável e com lastro, ou seja, uma garantia (imóveis, maquinário, etc) de valor equivalente ao título.
É válido lembrar que o mercado secundário é onde os investidores compram e vendem papéis que já foram emitidos. Ou seja, não se trata da captação inicial de recursos pelas empresas, mas da negociação entre investidores.
Fonte: Valor Investe