Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
09/11/2023 05h13 Atualizado há 4 horas
Mesmo com a virada negativa do mercado de fundos imobiliários em outubro, os gestores continuam otimistas e veem oportunidades de ganhos em todas as categorias de FIIs. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, as perspectivas para o fim do ano e o começo de 2024 são positivas. Em outubro, o Índice de Fundos Imobiliários da B3 (Ifix), depois de uma sequência de seis meses em alta, virou para o território negativo e fechou com uma queda de 1,97%.
Apesar de os cenários externo e interno terem se tornado mais incertos, os especialistas são unânimes em apontar a existência de um momento favorável de entrada em todas as categorias de fundos imobiliários, que voltaram a negociar com descontos. Segundo levantamento da Trix Capital, no fim de setembro os veículos da carteira do Ifix negociavam com desconto médio de 8%, na comparação entre o valor de mercado e o valor patrimonial.
Algumas categorias de FIIs, porém, apresentam variações negativas ainda mais expressivas. O segmento de lajes corporativas no Ifix, por exemplo, exibia um desconto médio de 18%, enquanto o de renda urbana apresentava diferença média de 12% nessa mesma métrica.
Duas categorias, shoppings e logística, por outro lado, exibiam valor de mercado superior ao patrimonial. Os FIIs especializados em centro de compras e entretenimento negociavam no mercado secundário 6% acima do valor patrimonial médio, enquanto as carteiras de galpões se mostrava 5% maior do que o valor contábil dos ativos nos portfólios.
Para os gestores, dentro de uma perspectiva de médio e longo prazos, o momento é muito interessante para alocações na classe, com perspectiva de capturar uma valorização futura de cotas e elevação do “dividend yield”, ou seja, o retorno com dividendos mensais. “De forma geral, o mercado está interessante, tem oportunidades e, mesmo tendo subido de forma tão forte nos últimos seis meses, ainda tem prêmio significativo [a ser capturado por investidores]”, afirma o gestor de Real Estate da SulAmérica Investimentos, Paulo Castro.
No segmento de fundos de papel, um dos mais populares da indústria de FIIs, o dividend yield ainda se mantém atrativo. Segundo a sócia da Polo Capital, Nicole Vieira, “o DY dos fundos de papel ainda estão com desconto, muitos andaram [no recente rali do setor], mas ainda tem fundos com descontos relevantes”.
A gestora da Polo afirma que a média ponderada do retorno com dividendos dos fundos de papel, que alocam recursos em certificados de recebíveis imobiliários (CRI), dentro do Ifix alcança 16,3% nos últimos 12 meses até outubro. “Quando acrescentamos o benefício da isenção de imposto de renda sobre a distribuição de dividendos, estamos falando de um prêmio em relação a NTN-B 2027 [título público atrelado a inflação com vencimento em 2027] de 4,9 pontos percentuais”, afirma.
Em um cenário de queda de juros, “enxergo caminho ainda distante até estreitar o nível de desconto [em relação à NTN-B]”. De acordo com Vieira, o momento é favorável para o investidor conseguir assegurar um DY ainda significativo e se posicionar para um eventual ganho de capital no médio e longo prazos. “Mas é preciso ressaltar que vai haver volatilidade no meio do caminho e o investidor não pode se assustar com isso”, acrescenta.
Neste ano até 8 de novembro, o Ifix acumula ganho de 10,72%. Apesar da queda recente, o avanço do Ifix supera em quase três vezes a alta do Ibovespa, principal índice de ações da B3, no mesmo intervalo. O sinal amarelo para o setor, no entanto, acendeu-se em outubro, que quebrou a sequência de altas do referencial diante do acúmulo de fatores adversos. “A volatilidade do mercado tem muito a ver com precificação de diversas incertezas diferentes”, diz o sócio e gestor da RBR, Bruno Nardo.
“No mês passado, o que pesou mais foram os juros longos americanos subindo, com a falta de clareza sobre quanto tempo as taxas vão ficar nessa magnitude e se há espaço para subir ainda mais”, diz o gestor. “No entanto, houve também um recuo do otimismo do mercado em relação ao ciclo de juro local. O relatório Focus [do Banco Central] chegou a mostrar, no momento mais positivo, uma perspectiva de taxa terminal da Selic em 8,75% e agora sinaliza algo entre 10,5% e 11%. Esse lado macroeconômico vem trazendo essa maior volatilidade para as cotas dos FIIs.”
O diretor de investimentos imobiliários da Inter Asset, Daniel Viana, cita que, além do fator externo, há um componente local relacionado ao impasse político em projetos importantes para o equilíbrio fiscal. “Se essa agenda [de projetos para aumentar a receita] avançar [no Congresso] vamos ter mais espaço para um desempenho melhor dos ativos de risco”, afirma. “Muito do que aconteceu em outubro é a falta de avanço de agendas importantes para o [equilíbrio] fiscal do ano que vem”, avalia.
Um ponto que “azedou” os mercados nas últimas semanas foi uma perspectiva mais negativa sobre o rumo da consolidação fiscal do governo. “O pano de fundo nesse desalinhamento é a percepção de que não vai ser nada fácil segurar o fiscal”, afirma o sócio-fundador da Hedge Investments, André Freitas.
A taxação de fundos fechados pode trazer migração de recursos para FIIs” — André Freitas
Apesar das incertezas, nos próximos meses, principalmente no início de 2024, a tendência seria de uma recuperação dos mercados diante do aprofundamento do ciclo de cortes de juros, afirma Vieira, da Polo. “A perspectiva de queda de juros tende a ter um impacto positivo para ativos de risco. O Ifix, historicamente, tem alta quando ocorre um ciclo de queda da Selic”, afirma.
Freitas, da Hedge, acredita em melhora do cenário macroeconômico no Brasil nos próximos meses, o que tende a trazer impulso para o setor de FIIs. “O cenário pode trazer um alívio e permitir ao BC vir com discurso mais ‘dovish’ [inclinado ao afrouxamento monetário], ancorando-se no fato de que a inflação para frente tende a apontar uma queda maior. Com isso, pode haver espaço para previsão de queda de juros maior em 2024.”
Sobre as incertezas fiscais, o sócio da Hedge lembra que já não está no radar dos analistas uma perspectiva de que o governo consiga cumprir a meta de déficit primário zero no ano que vem. “Ninguém acredita no zero. Temos visto projeções de [déficit de] 0,4% a 0,8% [do PIB]. A questão é que, com isso, ficou-se entendido que, eventualmente, o governo poderia segurar gastos para conseguir o déficit zero. De todo modo, não cumprir a meta vai disparar gatilhos previstos [no arcabouço] e ser um freio adicional [a ampliação de gastos].”
O gestor enxerga ainda possibilidade de a curva de juros futura do DI [depósito interfinanceiro] com vencimento em 2025 apontar de novo para o patamar de juros de 9,5%. Esse ambiente “deve produzir uma melhor da expectativa para renda variável e os fundos imobiliários”.
O sócio da Trix Capital, Gabriel Barbosa, também partilha de expectativas favoráveis no médio prazo. “Existe espaço para os FIIs se valorizarem. Isso vai se dar ao longo do ciclo de corte da Selic. Nosso cenário base ainda é o de que a economia dos EUA vai sentir o efeito dos juros elevados, com arrefecimento significativo da inflação. Com isso, o BC brasileiro vai conseguir diminuir a Selic ao patamar de um dígito [no fim de 2024].”
Para Vieira, da Polo, “estamos em um momento de volatilidade, mas no cenário local vejo manutenção do corte de juros e temos bastante gordura para conseguir reduzir as taxas”. Além disso, “conforme o desconto [na negociação de cotas dos FIIs] se estreite é esperado volume maior de ofertas [primárias], o que ajuda a impulsionar o mercado”.
Conforme Nardo, da RBR, “no momento em que o juro começa a voltar a patamares mais razoáveis, vemos investidores de volta a classe de ativos”. Segundo o gestor, “a expectativa é de crescimento da geração de caixa e de dividendos dos fundos [ao longo do ciclo de queda da Selic]”.
O especialista cita ainda um fator técnico que pode ajudar com impulso extra na atratividade dos fundos. “Majoritariamente a revisão do valor patrimonial dos fundos ocorre em dezembro. Os laudos [de valor de ativos, como edifícios e lajes] são atualizados e nossa expectativa é que os ativos que apresentaram crescimento de aluguéis apontem valorização patrimonial. Isso tende a contribuir para valorização adicional dos FIIs.”
Barbosa, da Trix, reforça essa percepção. “Esse momento de corte de juros influencia muito o valor patrimonial, porque a maioria dos ativos físicos dos fundos são avaliados pelo método do fluxo de caixa descontado. Com a queda de juros, o avaliador tende a usar uma taxa de desconto menor e o valor do patrimônio tende a aumentar.”
A eventual aprovação da lei de taxação de fundos fechados também adiciona um fator de incremento de fluxo para os FIIs, na opinião de Freitas, da Hedge. O sócio da gestora explica que, com a nova legislação, aprovada na Câmara e atualmente em avaliação no Senado, há uma perspectiva de migração de parte dos recursos de veículos exclusivos para instrumentos de investimento com isenção de IR, caso dos fundos imobiliários.
“Muito provavelmente uma parcela de recursos que estão dentro de fundos exclusivos vai para [instrumentos] incentivados. São papéis com benefício de isenção à pessoa física como Fiagros, FIIs, debêntures incentivadas e fundos de infraestrutura. Esse movimento ajuda a consolidar um fluxo de recursos para o mercado de fundos imobiliários no futuro próximo.”
Fonte: Valor Econômico

