Por Agências Internacionais — De Pequim
20/03/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
Dias depois do líder russo, Vladimir Putin, ser alvo de uma ordem de prisão internacional por supostos crimes de guerra na Ucrânia, Xi Jinping desembarca hoje em Moscou para uma visita de três dias na qual reafirmará o compromisso da China com a Rússia. Mas Xi também deverá mostrar as linhas vermelhas na “parceria sem limites” com uma Rússia cada vez mais dependente de Pequim, e, ao mesmo tempo, imprevisível.
Os estreitos laços de Pequim com Moscou, apesar da guerra, que os analistas apelidaram de “neutralidade pró-Rússia”, estão prejudicando sua posição na Europa, em um momento de crescente tensão com os EUA e seus aliados. O desafio para Xi será encontrar um equilíbrio entre essas preocupações e os benefícios de laços mais estreitos com Moscou.
“A guerra na Ucrânia intensificou a rivalidade das grandes potências e tornou as falhas geopolíticas entre os EUA e a China ainda mais pronunciadas e, em resposta, a China e a Rússia agora estão realmente consolidando seu alinhamento”, disse Alexander Korolev, especialista em relações China-Rússia da Universidade de New South Wales, em Sydney.
“A China precisará da Rússia para seu confronto iminente com os EUA, que está se tornando muito real”, acrescentou, apontando para relações militares mais próximas entre os dois países e a necessidade de Pequim preparar rotas alternativas de abastecimento no caso das importações de petróleo do Oriente Médio serem bloqueadas se houver um confronto com os EUA sobre Taiwan.
Como a Europa e os EUA impuseram duras sanções à Rússia, o país está mais dependente da China para exportar seu gás natural e para manter sua economia financeiramente viável. Mas a alavancagem de Xi sobre o presidente russo, Vladimir Putin, não é tão clara quanto possa parecer, pois Moscou tem repetidamente surpreendido a China com decisões inesperadas em benefício próprio.
Em novembro, por exemplo, o novo enviado da Rússia à China disse à imprensa que Xi planejava visitar Moscou, muito antes de Pequim estar preparada para fazer um anúncio nesse sentido, segundo pessoas próximas aos círculos decisórios de Pequim. “O lado chinês ainda não tinha sequer tomado uma decisão”, disse uma fonte.
Esse episódio refletiu o desejo de Moscou de demonstrar seu firme alinhamento com Pequim, em um momento de crescentes pressões do Ocidente – enquanto Pequim aparentemente tentava restaurar os laços com o Ocidente.
Apesar disso, Xi decidiu seguir em frente com sua visita de Estado à Rússia – sua 40ª reunião presencial com Putin -, o que destaca a importância de seu entendimento com Moscou, mesmo que a viagem ponha em risco outros objetivos de política externa, como impedir que as relações com os EUA saiam dos trilhos. “Xi está dobrando a aposta na Rússia”, disse Yun Sun, diretor do programa para a China do instituto de análise e pesquisa Stimson Center, de Washington.
Pequim e Washington viram suas relações descambarem para uma espiral de hostilidade desde que um suspeito balão de espionagem chinês foi localizado sobre o interior americano no fim de janeiro, fazendo com que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, cancelasse sua viagem à China – que serviria de oportunidade para que as duas potências melhorassem as relações.
Na sexta-feira a Casa Branca manifestou preocupação com o aprofundamento dos laços da China com a Rússia, que, segundo John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, torna um potencial apelo por Pequim em favor de um cessar-fogo na guerra da Ucrânia uma proposta unilateral que beneficia apenas a Rússia.
Para reforçar a imagem da China de parte neutra interessada na paz, Xi deverá conversar com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pela primeira vez desde o início da invasão russa, provavelmente após sua viagem a Moscou.
Desde que Moscou atacou a Ucrânia há mais de um ano, a parceria da China com a Rússia – e sua recusa em condenar a invasão russa – alienou a segunda maior economia mundial de grande parte do resto do mundo.
Num momento em que as forças ucranianas continuam a opor sólida resistência à agressão russa, a Rússia parece ser uma parceira cada vez mais fraca em seu relacionamento com a China. Mas qualquer iniciativa de Pequim para se distanciar significativamente de Moscou ou de tentar reparar as preocupações da parte da Ucrânia poderá provocar uma reação adversa dolorosa. A China talvez não possa se dar ao luxo de deixar que se deteriorem relações com um país com o qual compartilha uma longa fronteira.
Alguns especialistas em política externa para a China traçam semelhanças entre a pouca disposição da China em pressionar a Rússia e sua relutância em pressionar a Coreia do Norte a abrir mão de seu programa de armas nucleares.
Ambos os países são vizinhos da China e muito mais fracos do que a China economicamente. Mas ambos são importantes para os esforços de Xi de rechaçar percebidas ameaças à segurança da parte do Ocidente, liderado pelos EUA. E Pequim encara ambos os regimes como imprevisíveis.
Após ter garantido uma terceira gestão sem precedentes no poder, Xi está intensificando os esforços para romper o isolamento diplomático de Pequim, tentando estabilizar as relações com os aliados europeus de Washington apesar de, ao mesmo tempo, fazer avançar a cooperação econômica e comercial da China com a Rússia.
“A China tenta ganhar tempo e encontrar um equilíbrio melhor entre o duplo objetivo de alcançar a estabilidade nas relações com a Europa e garantir que a Rússia não perca a guerra e continue alinhada à China”, disse Evan Medeiros, ex-autoridade de segurança nacional do governo Obama e hoje professor da Universidade Georgetown.
Fonte: Valor Econômico

