Por Victor Rezende — De São Paulo
23/03/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
O mercado exagerou ao precificar, nas últimas semanas, uma antecipação nos cortes na Selic e, no comunicado de sua decisão de ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central foi “cartesiano” ao dar ênfase, novamente, às expectativas de inflação, ao se ter em vista a continuidade do processo de desancoragem. É o que aponta, em entrevista ao Valor, o sócio e responsável pela área de macroeconomia da Vinci Partners, José Carlos Carvalho.
“Se o objetivo é levar a inflação para a meta e as expectativas se afastaram, é compreensível o que o BC colocou no comunicado, ao incluir no balanço de riscos que a continuidade da desancoragem das expectativas é um dos motivos pelos quais ele poderia voltar a elevar os juros”, afirma Carvalho. A Vinci acredita que a Selic pode começar a ser reduzida em agosto e terminar o ano em 12,75%, em um cenário que contempla um marco fiscal “razoável”.
Valor: Qual a avaliação sobre o comunicado da decisão do Copom?
José Carlos Carvalho: O comunicado foi cartesiano. O principal objetivo do Banco Central é cumprir a meta de inflação e, entre a reunião de fevereiro e a de agora, houve um processo de elevação das expectativas no Focus e isso foi incluído na comunicação. Se o objetivo é levar a inflação para a meta e as expectativas se afastaram, é compreensível o que o BC colocou no comunicado, ao incluir no balanço de riscos que a continuidade da desancoragem das expectativas é um dos motivos pelos quais ele poderia voltar a elevar os juros. Muita gente no mercado, inclusive, esperava que o Copom retirasse do comunicado a indicação de que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste se necessário. No entanto, as expectativas de inflação estão em alta, estão subindo, e isso esteve contido no lado mais “hawkish” [duro] do comunicado.
Valor: E em relação ao lado baixista para a inflação?
Carvalho: O Copom incluiu, no balanço de riscos, no lado baixista para a inflação, a possibilidade de o mercado de crédito ter uma contração mais forte que as expectativas. Claro que, quando sobe os juros, o BC espera uma desaceleração do crédito, mas, se tiver uma queda muito mais forte na expansão do crédito, esse pode ser um fator para fazer o juro cair.
Valor: O Copom citou de forma explícita o arcabouço fiscal no balanço de riscos para a inflação…
Carvalho: Acho que a principal discussão agora passa a ser o arcabouço fiscal, até porque o Copom mencionou explicitamente o marco fiscal como um ponto de incerteza. Colocando em metáfora, o BC colocou o pé no freio da economia ao subir os juros, colocando uma taxa de juros real ex-ante que hoje está entre 7% e 8%. O objetivo era esfriar a economia e fazer a inflação cair. O BC está indicando que deseja cortar os juros, mas que não pode tirar o pé do freio caso coloque o pé no acelerador do lado da política fiscal. Essa é uma das desconfianças, já que a PEC da Transição, aprovada no fim do ano passado, autoriza um déficit que pode ser de até 2,2% do PIB neste ano. O que o BC está indicando é que a política fiscal pode acelerar tanto a economia que a inflação pioraria e, assim, ele não poderia tirar o pé do freio na política monetária. Assim, na minha visão, ao citar o arcabouço fiscal, entendo que o Copom indica que prefere reduzir os juros, mas que precisa da ajuda do governo para isso.
Valor: Qual o cenário básico adotado pela Vinci hoje?
Carvalho: O arcabouço fiscal deve ser divulgado em breve, na volta [de Lula] da China, e acredito que ele não será tão duro quanto o teto de gastos do governo Temer, mas terá alguma forma de teto de gastos, que seja mais fácil de cumprir. Acredito que uma regra fiscal razoável poderia abrir espaço para o BC mudar o balanço de riscos, já que ela poderia gerar mais confiança de que a demanda, no longo prazo, não irá explodir por excesso de déficit público. Com esse passo, o BC poderia começar a pensar em reduzir os juros no segundo semestre. O arcabouço pode até mesmo ajudar a perspectiva de inflação do mercado no longo prazo. No meu cenário, os juros começariam a ser reduzidos no segundo semestre. Teremos quatro reuniões do Copom na segunda metade do ano e vejo a Selic caindo 0,25 ponto percentual em cada uma, terminando o ano em 12,75%.
Valor: O que justifica o aumento nas projeções de inflação reveladas pelo Copom?
Carvalho: As expectativas têm um componente muito grande nos modelos do BC e certamente foi a alta delas que fez as projeções de inflação do Copom subirem. Um sinal importante é o de que, no cenário em que a Selic fica constante, o IPCA termina 2024 em 3%, no centro da meta de inflação. A mensagem que o BC está passando é a de que, se nada for feito e o juro ficar parado até o ano que vem, a inflação chega ao centro da meta de inflação em 2024. O BC está lá para cumprir a meta de inflação. Se a regra fiscal for boa, crível, haverá espaço até mesmo para o BC começar a discutir uma convergência mais lenta da inflação. No entanto, sinalizar isso agora, com uma política fiscal acelerando a economia, geraria um risco de desastre. O recado da projeção é de que o juro está onde deveria estar, de fato. Várias coisas podem ser feitas para ajudar a Selic a cair antes, mas agredir o BC não é uma delas.
Valor: A curva de juros precificou até mesmo alguma chance de corte na Selic em maio. Como vocês viram esse movimento?
Carvalho: O mercado exagerou um pouco na precificação de cortes de juros, mas talvez parte disso tenha sido em função de um movimento técnico. Muitas pessoas no mercado, que estavam apostando em uma curva de juros mais inclinada, tiveram que desfazer posição muito rapidamente quando houve a turbulência nos mercados no exterior. Com essa zeragem muito rápida de posições devido às mudanças nos EUA, temporariamente pareceu que o mercado estava apostando em quedas de juros muito cedo.
Fonte: Valor Econômico