Ainda que o Banco Central (BC) tente manter uma mensagem conservadora, a desaceleração da economia deve ficar mais clara com a divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre e provocar uma alteração importante no sentimento dos agentes de mercado. Assim, a mudança na comunicação do colegiado será rápida e, para o sócio e responsável pela área de macroeconomia da Vinci Compass, José Carlos Carvalho, o colegiado deve abrir a porta já em dezembro para começar a reduzir a taxa de juros no início de 2026.
Valor: O senhor vê o comunicado como ‘hawkish’ [conservador]?
José Carlos Carvalho: O Banco Central opera através de duas formas. Uma é a taxa de juro, a Selic em 15%. A outra é pela comunicação. Para combater a inflação, o Copom [Comitê de Política Monetária] precisou pagar um preço muito caro, que foi colocar a Selic em 15%. Imagina, agora, se ele diz que já venceu a batalha… A curva [de juros], que estacionou nos 2,5 pontos percentuais de cortes, iria precificar 4 pontos e poderia desfazer todo o trabalho. Se a curva cai muito, o modelo acaba respondendo e indicando uma inflação mais alta no horizonte relevante.
Valor: É apenas retórica?
Carvalho: Para maximizar os 15% de Selic, ele precisa falar duro. Mas acho que ele vai mudar muito rápido a comunicação quando a hora chegar, como ocorreu em outros momentos do passado recente.
Valor: Quais são as mensagens mais importantes no comunicado?
Carvalho: Primeiro, ele manteve o ‘bastante prolongado’ [para se referir à manutenção da Selic em patamar elevado]. Também manteve a sinalização de que não hesitará em retomar o ciclo de alta. E a terceira coisa é a inflação no horizonte relevante, que saiu de 3,4% para 3,3%, se aproximando mais do centro da meta. Ele também reconhece que as medidas de inflação cheia e subjacentes apresentaram arrefecimento – isso foi mais um sinal ‘dove’ [suave]. O BC mantém a estratégia de soar duro, mas, quando o momento chegar, a mudança na comunicação será bem rápida.
Valor: O que pode levar à mudança na comunicação?
Carvalho: O PIB do terceiro trimestre. Na Vinci, temos uma projeção entre zero e 0,1% e já há estimativas que apontam para um crescimento negativo. O humor do mercado deve mudar completamente. Todo mundo tinha essa expectativa de que o juro alto iria afetar a atividade, mas essa desaceleração não aparecia de forma consistente. Quando sair o dado do PIB perto de zero, o humor vai mudar.
Valor: Como viu a pequena alteração na projeção de inflação para o horizonte relevante?
Carvalho: Só não caiu mais porque ele mudou a bandeira de dezembro de verde para amarela. Se utilizasse uma bandeira verde e carregasse para o horizonte relevante, seria 0,1 ponto percentual a menos na projeção, que iria a 3,2%. A mudança da bandeira refletiu uma vontade do Copom de não reduzir a projeção de 3,4% para 3,2% de uma só vez. Avançou em passos de formiga em direção aos cortes.
Valor: A mudança na mensagem pode ser brusca a ponto de os cortes ocorrerem em janeiro?
Carvalho: Quando o BC muda a mão, muda com velocidade. A última aconteceu com o [ex-presidente Roberto] Campos Neto, que acabou com uma dissidência no [placar de] 5 a 4. Quando a situação muda, o BC está pronto para acompanhar. Há um dito de que no Copom não há compromisso com o erro; quando o cenário muda, ele muda também. A combinação de melhora da inflação, das expectativas no Focus e nas implícitas, com a confirmação de que a atividade está crescendo abaixo do potencial, vai gerar condições para o BC mudar a comunicação já em dezembro.
Valor: Que tipo de comunicação pode ser desenhada em dezembro?
Carvalho: Ele pode deixar bastante óbvio que antevê um corte de pequena magnitude para a reunião de janeiro. Algo que sugerisse uma redução de 0,25 ponto e não uma queda grande.
Valor: Qual será o tamanho do ciclo de cortes?
Carvalho: Tenho a impressão de que o Copom vai devagar. E discordo de quem pensa em cortes mais rápidos por uma questão política. Se quisesse estimular a economia no ano eleitoral, já teria que ter começado a fazer isso em junho. Não vai dar tempo. O BC vai manter o ciclo em rédea curta. Acredito que será um pouco mais que os 2,5 pontos que o mercado precifica atualmente, algo entre 3 e 3,5 pontos.
Valor: A aprovação do IR não pode adiar os cortes?
Carvalho: De certa forma, isso já está na projeção de todo mundo. Com juro muito alto há contração no crédito. Havia a expectativa de que o crédito consignado também iria estimular muito a economia, mas não foi o que ocorreu. A inadimplência da pessoa física está em seus recordes de alta desde 2013 e os bancos estão trocando dívidas sem colateral pelo consignado. Ao mesmo tempo, o dinheiro da isenção do IR é um pouco neutro: vai sair de quem ganha mais para quem ganha até R$ 5 mil. Pode estimular um pouco mais o consumo, já que quem ganha menos tem maior propensão a gastar. Mas o consumo já está andando para trás por causa do crédito e isso gera uma postura mais conservadora dos bancos quanto à concessão. Não acho que vai mudar o rumo das coisas de forma radical.
Valor: O real tem espaço para continuar se valorizando e trazer nova melhora da inflação?
Carvalho: Precisamos ter em mente que o presidente do Fed [Federal Reserve, o BC americano] vai mudar em maio. [Donald] Trump está fazendo entrevista com bastante gente e ele indica que procura alguém ‘dove’ para ocupar a posição. Os cortes de juros nos EUA podem ter uma pausa até a saída do [Jerome] Powell, mas seu sucessor deve ser mais ‘dove’ que ele. Os cortes nos EUA vão continuar, mas não tanto porque a economia está fraca. No ano que vem, o dólar pode se enfraquecer. Vale apontar que não vejo grande apreciação do real, mas ele deve caminhar para a direção dos R$ 5 quando o dólar retomar essa tendência de piora.
Fonte: Valor Econômico

