Num 2023 morno para ofertas públicas de ações na bolsa de valores e com muita volatilidade, a estrutura de leilões de blocos de papéis – o chamado “block trade”, no jargão financeiro – ganhou ritmo entre empresas brasileiras. Como consequência, esse foi o principal modelo escolhido por acionistas para se desfazer de participações em companhias listadas no ano passado. Foram 28 vendas em bloco, que somaram R$ 16,3 bilhões, um recorde. Em 2022, houve 18 operações nessa modalidade, com volume de R$ 13,4 bilhões, segundo dados de mercado.
No ano passado, houve mais “block trades” que ofertas públicas subsequentes de ações (“follow-on”), o que mostra o aumento da importância da modalidade. Ao longo de 2023, houve 21 operações de follow-on, sendo que delas apenas sete tiveram a tranche secundária, ou seja, para a venda de ações dos acionistas. As demais só captaram dinheiro para o caixa da empresa.
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, as operações de block trade no Brasil só podem ter parcela secundária, com a negociação de papéis já detidos pelos acionistas. Não há, portanto, captação para o caixa das companhias. Isso porque a Lei das S.A. estabelece que uma emissão primária (de novas ações) exige direito de preferência para os atuais acionistas, modelo incompatível com as negociações em bloco, mas viável nas ofertas públicas.
Os 28 blocos do ano vieram de 17 empresas distintas, sendo que a Itaúsa foi ao mercado com duas transações para vender ações da XP – na última delas, zerou sua posição na plataforma de investimentos. Nesse caso, a operação foi na bolsa americana Nasdaq, onde a companhia está listada. Nos últimos anos, a Itaúsa fez um total de 11 blocos para a venda de ações da XP com o objetivo de desinvestimento no papel.
O Nubank também foi protagonista de duas vendas em bloco em 2023, ainda nos Estados Unidos. Do volume financeiro dos blocos de empresa brasileiras do ano passado, metade foi nas bolsas americanas.
Na bolsa local, os fundos de private equity, aqueles que compram participações em companhias, marcaram forte presença e utilizaram essa ferramenta para vender posições de suas carteiras. Como exemplos de operações, estão a da Hapvida, na qual a Bain Capital zerou sua posição na companhia de saúde; GPS, com venda de ações detidas pelo Warburg Pincus; Carrefour, para venda de papéis pelo Advent; e Smartfit, com o Pátria reduzindo sua exposição.
A expectativa é de mais operações em 2024. O corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America no Brasil, Bruno Saraiva, afirma que o crescimento do número de block trades ocorre na esteira do amadurecimento do mercado e que é comum, em economias mais desenvolvidas, os blocos ocuparem mais espaço que as ofertas subsequentes.
O processo célere, com pouca exposição ao mercado e, portanto, menos risco, é um dos atrativos para o emissor. Isso porque existe uma transferência desse risco ao banco, que dá uma garantia de preço firme para a operação. O vendedor sabe, antes de iniciar o processo, quanto embolsará.
Outra característica que atrai as empresas é que os custos são muito mais baixos que os de uma oferta pública.
“A maturidade do mercado vai evoluindo e as operações vão ficando mais rápidas. Mas em 2023 teve um efeito que intensificou o crescimento dos blocos: a volatilidade, que deixou as janelas muito curtas, foram algumas frestas”, comenta o executivo do BofA. Assim, segundo ele, os blocos ganharam ainda mais atratividade, já que navegam melhor em momentos mais voláteis.
A dinâmica do processo ajuda a explicar a rapidez. Um acionista que quer fazer a venda de uma posição em uma determinada empresa consulta os bancos mais próximos. As instituições financeiras, por sua vez, definem o patamar de preço no qual poderão dar a garantia firme, ou seja, a que preço a ação será vendida no leilão.
Segundo Saraiva, do BofA, além do modelo matemático que é aplicado, colocam-se na mesa o conhecimento da equipe sobre a companhia e a leitura de demanda sobre o papel. Assim, chega-se ao preço da ação. Esse processo é feito rapidamente, geralmente em menos de uma hora.
Se a venda ocorrer no leilão abaixo da garantia firme, o prejuízo é do banco – por isso, a definição do preço precisa ser bem calibrada. Se, ao contrário, a ação sair a um preço melhor, no geral essa “gordura” é dividida entre banco e emissor.
Um ponto importante na decisão entre um “block trade” e um “follow-on” é da liquidez do papel versus o tamanho do lote a ser vendido. A depender dessa equação, a empresa pode ter dificuldade em conseguir uma garantia firme para uma venda em bloco, já que a transação pode ter um risco maior que o aceito pela instituição financeira. Já o banco, do outro lado, pode preferir em determinados casos a venda em oferta pública para ter tempo para o processo de marketing.
Saraiva diz que uma mudança recente nas regras pode colocar ainda mais fermento no mercado de block trade. Uma alteração no fim de novembro liberou a execução das vendas em um prazo mais curto. Com isso, um leque de operações antes restritas a ofertas públicas poderão ocorrer via blocos. “Isso torna a ferramenta mais flexível e aumenta o potencial para os block trades”, afirma.
Chefe de renda variável e da corretora institucional do Itaú BBA, Leonard Linnet afirma que a mudança da regulação pela B3 atendeu uma demanda do mercado, visto que algumas operações eram inviabilizadas pela regra anterior. Antes, por exemplo, se um controlador quisesse vender ações, a depender do caso havia a exigência de se dar publicidade ao processo com uma antecedência de 24 horas. E com essa maior exposição os bancos só aceitavam dar garantia firme com desconto maior, dado o risco, o que tornava a transação menos atrativa. “A mudança destrava mais operações estruturadas, com os blocos”, comenta.
Com esse impulso, os blocos devem ganhar mais tração em 2024, segundo Linnet. “E os juros globais decrescentes vão ajudar o ‘inflow’ [entrada de recursos], e isso vai ajudar a abrir a janela de IPOs [ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês], e os follow-ons e blocos”, diz.
O executivo afirma que o bloco pode, a depender do caso, também funcionar como estratégia para preparar a empresa para uma oferta subsequente, provendo liquidez e ajudando na base de acionistas.
Além da modernização das regras pela B3, o responsável pela área de renda variável do Goldman Sachs, Fabio Federici, afirma que há um represamento de operações, o que deve ser outro fator de expansão em 2024. Segundo ele, muitos fundos de private equity aproveitaram o momento de baixa do mercado para ir às compras na bolsa, em “movimentos oportunísticos”. Agora, é esperado que façam desinvestimentos em momento de alta das ações. Para esses casos, as vendas podem ser feitas por block trades. “Estamos bastante otimistas com 2024, com todos os ventos de cauda que estamos vendo, o represamento de operações ao longo do tempo e a revisão da mecânica dos blocos pela B3”, afirma.
Como consequência do desenvolvimento do mercado local de blocos, a corresponsável pelo banco de investimento do Goldman Sachs no Brasil, Cristina Estrada, diz que o país deverá “importar” estruturas mais sofisticadas usadas nos Estados Unidos. Por lá, explica, é comum o uso de derivativos para maximizar o ganho ao vendedor. “Faz parte da estratégia para aproveitar a volatilidade.”
Fonte: Valor Econômico

