Por Marcelo Osakabe — De São Paulo
21/12/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/o/j/hR5LUFTlSn1fAGhCTjAA/foto21bra-101-otimista-a5.jpg)
A combinação de Selic menor, mercado de trabalho ainda firme e uma balança comercial ainda sólida, a despeito de uma safra menor, pode ajudar a economia brasileira a superar, pelo quinto ano consecutivo em 2024, as expectativas de crescimento que instituições financeiras e consultorias tinham no fim do ano anterior. Esta é a avaliação de economistas que projetam, neste momento, expansão do PIB igual ou superior a 2% no ano que vem, contra 1,5% da mediana das projeções da pesquisa Focus, do BC, que está estacionada neste patamar desde setembro. O FGV Ibre, por exemplo, está mais pessimista, com previsão de alta de 1,4% (ver Economia vai andar em ritmo fraco no próximo ano, aponta FGV Ibre).
Desde 2020, a surpresa de crescimento do PIB acumulada foi da ordem de 5,4 pontos percentuais, nos cálculos do Bradesco. A conta leva em consideração a expectativa de expansão da atividade neste ano de 2,7% – o número oficial será conhecido apenas em março.
“É preciso admitir que nós, economistas, temos errado muito as previsões sobre PIB. Parece que tem algo acontecendo que não está sendo capturado pelos modelos”, admite Fernando Honorato, economista-chefe do banco. No fim de 2022, sua própria estimativa para a expansão do PIB neste ano era de 1%.
Para 2024, a equipe do Bradesco estima que o PIB vai crescer 2%, amparado por dois fatores: uma Selic que continuará em queda, que deve aquecer a demanda por bens sensíveis ao crédito e o investimento, e a combinação de um mercado de trabalho ainda resiliente com a continuidade do processo de desinflação, que deve levar a renda disponível das famílias (soma de salários e transferências) a crescer 5% em termos reais.
Adicionalmente, Honorato também cita a crença de que o Brasil vive um novo período de “bônus externo”, como o de 2008 a 2013. Naquele período, diz, os superávits comerciais permitiram que o consumo doméstico crescesse acima do PIB e também impulsionaram o investimento. “Daquela vez, o bônus foi proporcionado pelo efeito do preço mais alto das commodities. Agora, o efeito vem pela quantidade das exportações, não apenas de grãos, mas de petróleo também.”
A balança comercial também é um dos pilares da projeção acima do consenso de José Carlos Carvalho, economista-chefe da Vinci Partners, que vê o PIB em 2,1% em 2024. Ainda que a sua contribuição seja relativamente menor, na esteira de um volume colhido de grãos entre 2% e 3% abaixo do registrado este ano, ela continuará positiva. Em seus cálculos, a contribuição do comércio exterior ao PIB vai cair de três pontos percentuais neste ano para perto de um ponto percentual no próximo.
Carvalho pondera que a surpresa positiva do PIB tende a ser menor em 2024 do que foi este ano, já que não há uma safra excepcional no horizonte. Ainda assim, vê certo pessimismo embutido nas previsões. “Vamos sair de uma Selic de 13,75% para 9,25%, é uma queda muito grande. Deve fazer reagir aquele consumo que não cresceu, como o sensível à renda. Então toda essa parte de automóveis, linha branca, imóveis pode ir melhor em 2024.”
O consumo doméstico também é o carro-chefe da economia brasileira no cenário de David Beker, chefe de economia para o Brasil do Bank of America. Ele vê expansão de 2,2% do PIB no ano que vem, ajudado ainda pelos cortes da Selic.
Ele pondera que a projeção de crescimento para 2024 tem viés para baixo, dados os números mais fracos do fim deste ano, que implicam um carrego estatístico menor adiante. Ainda assim, a visão para 2024 é bem positiva, diz.
“O baixo desemprego é um quebra-cabeça não só aqui, mas no mundo. Essa situação impulsionou muito os serviços no pós-pandemia e acredito que o desempenho do setor possa continuar bom, se o emprego não piorar tanto, o que é nosso cenário.”
Como parte do debate sobre surpresas altistas do nível de atividade, corre a discussão sobre uma possível recuperação do PIB potencial brasileiro – grosso modo, a capacidade da economia crescer sem pressionar a inflação. Há um consenso de que a crise de 2014-2018 derrubou o PIB potencial para uma faixa entre 1% e 1,5%. A sequência de surpresas positivas da atividade, no entanto, fez crescer, entre analistas, a percepção de que esta banda voltou a subir, na esteira da aprovação da agenda de reformas nos últimos anos.
Com base nessa avaliação, a Pezco já trabalha com um PIB potencial de 2,5%. “O conjunto de mudanças dos últimos anos melhorou o ambiente de negócios e permite um crescimento mais liderado pelo lado da oferta”, diz o diretor da consultoria Helcio Takeda.
“A sensação é que esse 1,5% de alta do PIB reflete certa inércia de um pessimismo” — Fernando Honorato
Ele adota uma projeção ainda cautelosa, de 2% para o PIB no ano que vem, mas com viés de alta dado o potencial melhor. Conjunturalmente, também enxerga alguns fatores que apoiam uma perspectiva mais otimista. A desinflação que ocorre mesmo com um mercado de trabalho ainda resiliente é uma delas. Outra é o ciclo de política monetária mais apertada que o esperado.
“Isso, devagarinho, começa aparecer nos números. Acredito que não apenas o consumo sensível ao crédito deve retomar, mas também o investimento em capital fixo”, aposta Takeda.
“A sensação é que esse 1,5% de alta do PIB pelo Focus reflete certa inércia de um pessimismo que é super compreensível se olharmos o que foram aqueles anos pré-covid”, diz Honorato. Ele pondera ser difícil, com os dados disponíveis no momento, ter certeza sobre se as reformas já teriam surtido o efeito esperado. Por outro lado, como forma de incorporar essa percepção, passou a considerar que o país voltou a acompanhar o ritmo de crescimento mundial.
“Antes de 2014, o país crescia cerca de 80% ou 90% do que o mundo crescia. Isso desaba em 2014 mas na nossa opinião, estamos voltando à normalidade”, argumenta. “Pode soar otimismo exagerado? Acredito que não. Com o mundo crescendo 2,7% em 2024, um PIB de 2% aqui nos parece um pouco fraco ainda.”
Uma economia que continua a surpreender para cima pode, inclusive, evitar que o governo pise no acelerador dos gastos públicos, um receio que sempre ronda as análises em momentos de arrefecimento do ritmo de atividade.
“Um crescimento de 2% deve trazer algum alívio à equipe econômica”, nota Carvalho, da Vinci. Ele observa ainda que boa parte da preocupação relacionada ao fiscal veio da frustração com a arrecadação, algo que não deve se repetir em 2024, já que medidas de desoneração foram revertidas e as receitas devem voltar a andar junto com o crescimento do PIB.
Ele observa que o governo ainda tem um trunfo sob a forma do boom da produção de petróleo brasileiro., com a receita com a comercialização do óleo-lucro. “A presidente Dilma Rousseff escolheu o regime de partilha e isso foi ruim na época, porque se recebia menos à vista. O lado bom chega agora, dez anos depois, porque parte do aumento de produção fica com o Tesouro.”
A dúvida é se esse crescimento chegará a tempo de acalmar os ânimos em Brasília e dissuadir o Executivo de cair em tentação. O primeiro trimestre deve apontar contração ou até recessão técnica, a depender dos dados do fim de 2023. “O crescimento mesmo, deve ficar aparente só no segundo semestre”, admite Carvalho, que projeta contração de 0,5% nos primeiros três meses do ano.
Avaliação semelhante faz Honorato, do Bradesco. “Provavelmente, haverá PIB negativo no primeiro trimestre, mas o consumo vai estar em alta, o desemprego ainda baixo e a inflação comportada. Com os juros caindo, acho que a cobrança do mundo político se mantém comportada, dando tempo ao ministro da Fazenda levar adiante sua agenda.”
Fonte: Valor Econômico

