Melhora do emprego favorece consumo básico, enquanto juro ‘segura’ financiamento de produto mais caro
Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
13/10/2022 05h01 Atualizado há um dia
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Rodolfo Margato, economista da XP: varejo mais sensível à renda demonstra “resiliência maior” — Foto: Claudio Belli/Valor
O desempenho do varejo ampliado, que acumula retração de 0,8% no ano até agosto segundo a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE, esconde internamente duas realidades distintas. Enquanto itens mais sensíveis ao comportamento do crédito, como móveis, eletrodomésticos e material de construção, acompanham a tendência geral de queda, aqueles mais atrelados à renda, como produtos alimentícios, combustíveis e artigos farmacêuticos, sustentam uma trajetória mais favorável.
Cálculos da XP mostram que, até agosto deste ano, o varejo ampliado estava 3% abaixo do seu patamar pré-pandemia (fevereiro de 2020), com o grupo de atividades sensíveis a crédito 8,7% aquém. O varejo mais ligado à renda, por outro lado, ainda estava quase 5% acima do nível imediatamente anterior à covid. “Não é que seja um crescimento vigoroso do varejo mais sensível à renda, mas ele mostra uma resiliência maior”, diz Rodolfo Margato, economista da XP.
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Na média móvel de três meses – que tenta suavizar efeitos pontuais -, as vendas reais dos bens mais ligados à renda aumentaram 0,8% até agosto, ante os três meses até maio, e 3,9% em relação a dezembro de 2021, segundo a XP. Por outro lado, as vendas reais dos bens mais ligados ao crédito caíram 5,7% na medida de trimestre móvel e 4,5% em relação ao fim de 2021.
“Podemos definir como um cabo de guerra, temos fatores positivos para o varejo, mais atrelados à situação da renda, e mais negativos, ligados ao crédito”, resume César Garritano, economista sênior da Renascença DTVM.
Entre os elementos que ajudam a sustentar uma renda disponível para as famílias gastarem no comércio, os economistas citam a melhora do mercado de trabalho – principalmente pela queda da taxa de desemprego, mas também com o esboço de uma reação do rendimento real médio -, a ampliação das transferências concedidas pelo governo em ano eleitoral e a desaceleração da inflação.
Do lado negativo, puxando para baixo itens do varejo mais ligados ao crédito, os profissionais destacam algum encarecimento e dificuldade no acesso a empréstimos, refletindo o aperto das condições financeiras – a taxa Selic já subiu 11,75 pontos percentuais desde o início de 2021 e agora encontra-se em 13,75%.
Dados do Banco Central mostram que as concessões totais de crédito subiram 24,2% no acumulado em 12 meses até agosto. Nas séries com ajuste sazonal, as concessões para empresas cresceram 2,3%, mas para as famílias recuaram 2,7%. “Os níveis ainda estão relativamente altos, mas a gente percebe alguma desaceleração na ponta”, diz Margato.
Outro fator desfavorável para o varejo, segundo os economistas, é o endividamento das famílias. Embora pelos dados do BC ele ainda se encontre em patamar historicamente baixo, a relação entre o saldo das dívidas no mês e a renda acumulada em um ano atingiu 53,1% em julho, um crescimento de 5,1% em 12 meses. Já o comprometimento da renda – relação entre o valor médio estimado para o pagamento do serviço das dívidas (juros) das famílias no trimestre e a renda média – avançava 3,8%, para 28,6%. Já uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens (CNC) mostrou que as parcelas de endividados (79,3%) e as de inadimplentes (30%) bateram recorde em setembro.
Além disso, por mais que a inflação esteja desacelerando, o nível ainda é bastante elevado, e os bens mais atrelados a crédito costumam ter um valor agregado maior, notam os economistas. “Não são itens de primeira necessidade, como alimentos e medicamentos”, diz Garritano. “Vemos material de construção, por exemplo, que foi bastante beneficiado no ciclo da pandemia, já em um período longo de queda.” No ano, o volume de vendas da categoria acumula contração de 8,2% na PMC.
Se, por um lado, o segmento pode ver um enfraquecimento da demanda por causa das condições de crédito mais apertadas, por outro, a normalização gradual das cadeias globais de produção oferece maior previsibilidade ao fornecimento de matérias-primas. “Aqui tem um componente de oferta importante que, talvez, evite uma queda mais acentuada”, diz Margato.
Para o varejo ampliado na PMC, a expectativa da XP é de virtual estagnação até o fim do ano e início de 2023, mas com diferenças setoriais que devem continuar relevantes. “A parte mais sensível ao crédito deve continuar rodando abaixo [do varejo geral], tendo em vista o comprometimento de renda e endividamento das famílias em um cenário em que ainda se observa aumento das taxas de juros mensais”, diz Margato.
Já o varejo mais atrelado à renda pode apresentar alguma alta, suavizando a desaceleração do comércio total. “O mercado de trabalho deve continuar melhorando, não na velocidade surpreendente do primeiro semestre de 2022, mas ainda em rota positiva. E há os estímulos fiscais, que não vão sair do mapa tão cedo”, afirma.
A “herança estatística” que a PMC de agosto deixou para o varejo no terceiro trimestre não é muito favorável: -1,8% no conceito restrito, que exclui veículos e material de construção, e -2,4% no ampliado, segundo a Renascença. Ainda assim, Garritano diz que o varejo restrito e itens mais ligados à renda podem fechar o trimestre em posição melhor. “As informações qualitativas indicam que os dados podem vir bons em setembro, com o impacto do aumento do Auxílio Brasil ficando mais claro”, diz.
Ele se refere, principalmente, às sondagens do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). O Índice de Confiança do Consumidor avançou 5,4 pontos em setembro, para 89. Ainda está baixo de 100, ou seja, fora da zona otimista, mas é o maior nível desde janeiro de 2020 (90,4). Já o Índice de Confiança do Comércio subiu 2,4 pontos de agosto para setembro, chegando a 101,8, o maior nível desde janeiro de 2019 (102,3).
O comportamento do varejo no quarto trimestre, no entanto, traz dúvidas. O período agrega datas importantes para o comércio como o Dia das Crianças (outubro), a Black Friday (novembro) e as festas de fim de ano (dezembro), mas também a Copa do Mundo, que neste ano será em novembro. O evento esportivo pode impulsionar alguns segmentos, como determinados alimentos e bebidas, ao mesmo tempo em que diminui o fluxo de consumidores nas lojas em geral nos dias de jogos.
Fonte: Valor Econômico