Por Victor Rezende*, Valor — Madri
03/11/2022 08h34 Atualizado
Com ênfase dada à autonomia do Banco Central (BC) e uma avaliação de que o Brasil está “muito dividido” após o resultado da eleição presidencial, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, disse que irá trabalhar com o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “da melhor forma possível”. “Obviamente muitas pessoas vão estar descontentes, mas essa é a beleza da democracia. E agora temos que trabalhar todos juntos para garantir que cresçamos, que criemos emprego e que lutemos contra a inflação.”
As declarações de Campos foram dadas nesta quinta-feira, em Madri, durante conferência realizada pelo Santander. O dirigente lembrou que, geralmente, banqueiros centrais não costumam falar sobre assuntos políticos, mas, ao ser questionado sobre as implicações do resultado da eleição, defendeu que “a missão, agora, é ir em frente e continuar o que estava planejado”.
Ao se referir à agenda da autoridade, Campos apontou, além da batalha contra a inflação e para encontrar um caminho de crescimento mais sustentável, os projetos digitais do BC. “Temos uma agenda digital que está promovendo inclusão no sistema financeiro e competição no sistema bancário. E vou trabalhar com o novo governo da melhor forma possível para alcançarmos essas coisas e fazermos o melhor para a população”, disse.
O cenário de polarização, de acordo com ele, também é negativo, já que pode levar a algumas políticas que não são as melhores.
Durante o painel em que esteve presente, Campos também foi questionado sobre o processo inflacionário global, no momento em que outros bancos centrais, em especial nos mercados desenvolvidos, têm sido agressivos na retirada dos estímulos monetários. Para ele, o combate à inflação em outras partes do mundo é positivo. “Isso cria uma desinflação. O elemento da inflação global diminui para nós”, defendeu o presidente do BC.
Em encontro privado com investidores na quarta-feira, também em Madri, Campos mostrou, em apresentação, que, apesar da desaceleração da inflação no acumulado em 12 meses no Brasil, ao se retirar da conta itens como preços de energia e alimentos, considerados mais voláteis, o país ainda figura entre as medidas de inflação mais altas em relação a outros emergentes. O país está atrás de Rússia e Chile, mas tem inflação mais alta que países como México, Índia, Colômbia e África do Sul.
Além disso, a sensibilidade dos mercados em relação a riscos fiscais — tema presente na última decisão do Copom — foi destacada pelo dirigente. De acordo com Campos, houve um conforto grande demais em alguns países desenvolvidos de que a inflação continuaria em níveis mais baixos, o que afastou esses países de reformas.
A situação fiscal global se mostra mais desafiadora, ao se ter em vista os “esforços sem precedentes” tanto no campo monetário quanto no fiscal diante da crise gerada pela pandemia. Assim, Campos afirmou que, com uma memória inflacionária muito forte no Brasil e uma economia indexada, a autoridade monetária se antecipou em relação a outros países e começou a elevar a Selic antes e de forma tempestiva.
Fonte: Valor Econômico
