Entre otimismo e cautela sobre o futuro da economia, executivos das empresas campeãs destacam a importância da boa gestão financeira
Por Edson Pinto de Almeida, para o Valor
29/08/2023 06h02 Atualizado há 4 horas
No geral, o tom entre os executivos cujas empresas foram premiadas por Valor 1000 é otimista em relação ao comportamento da economia brasileira daqui para frente. Mas não faltam condicionantes para cravar que tudo será melhor daqui em diante. “É muito cedo para fazer previsões”, afirma Fabio Faccio, diretor-presidente da Lojas Renner, campeã do setor indústria da moda de Valor 1000. Ele entende que há pontos importantes que ainda não estão definidos, mas acredita num panorama mais positivo para o consumo no segundo semestre de 2023, com reflexo favorável aos negócios.
O avanço das reformas em gestação é considerado fundamental. “Os desafios são grandes para todos os setores, mas se as medidas se concretizarem, especialmente na área tributária, a economia pode se fortalecer, assim como a geração de empregos”, diz Jeane Tsutsui, presidente do Grupo Fleury, vencedor pela segunda vez consecutiva no setor de serviços médicos. Ela defende o contínuo investimento em educação e saúde para aumentar a produtividade e promover o desenvolvimento.
Alberto Griselli, diretor-presidente da operadora TIM, vencedora no setor de TI e telecom, afirma que já se percebe uma melhora do humor nos encontros com outros executivos, motivada pelos indicadores econômicos. Para ele, o segredo do sucesso está em não se deixar levar pelos extremos de euforia e desespero quando as oscilações na economia são positivas ou negativas. “O importante é ter como base parâmetros financeiros e operacionais bem consistentes, como é o nosso caso”, diz.
A forma de estimular investimentos, na visão de Marcelo Bacci, diretor-executivo de finanças, RI e jurídico da Suzano, novamente campeã do setor de papel e celulose, é simplificar e desburocratizar o ambiente de negócios para assegurar maior previsibilidade e segurança jurídica. E completa: “Atendidos esses requisitos, não tenho dúvidas de que teremos avanços positivos à frente”. Bacci afirma que a queda dos juros não altera a estratégia de investimentos da Suzano porque a empresa, a seu ver, possui uma gestão financeira conservadora e consistente ao longo dos anos.
O conservadorismo na gestão também está presente na Randoncorp, campeã do setor de veículos e peças. “A maior parte de nossa dívida está atrelada à taxa Selic. Se houver queda, nossos custos diminuem, além do que aumenta demanda por nossos produtos”, diz Sérgio L. Carvalho, CEO da empresa. Mas ele ainda vê um cenário complexo pela frente, sobretudo pela instabilidade do mercado de caminhões, prejudicado pelo crédito caro e pela inflação global.
A redução das taxas de juros não produz os mesmos efeitos para todas as empresas campeãs. “Os investimentos realizados pela Kuhn são financiados com recursos próprios, por isso a situação conjuntural não afeta nossa estratégia, que é orientada para o longo prazo”, explica Nicolas Guillou, CEO da empresa no Brasil, vencedora no setor de mecânica. É o que ocorre também com a NC Farma, campeã em farmacêutica e cosméticos. “Como não possuímos alavancagem financeira, o custo de capital tem impacto menor nas operações”, diz Carlos Sanchez, presidente do conselho de administração do Grupo NC.
No caso da Afya, campeã no setor de educação, o CEO Virgilio Gibbon explica que a decisão de investimento pouco mudou. “A gente tinha o custo de capital abaixo de 10% antes da pandemia, mas agora quase dobrou, o que, embora segure nossas decisões de investir, não altera nossa trajetória”, diz. A Afya fez 11 aquisições e, desde a abertura de capital, a companhia triplicou de tamanho, entre 2019 e 2022. “Tínhamos R$ 700 milhões de faturamento em 2019 e estamos virando para R$ 2,8 bilhões em 2023, o que mostra um viés positivo e otimista”, conta.
Defensor da simplificação tributária, Eduardo Bartolomeo, CEO da Vale, bicampeã em mineração, reconhece que a queda nas taxas de juros favorece novos investimentos, mas explica que no setor de mineração as decisões estratégicas visam o longo prazo. “Com isso, mantemos uma política robusta e perene que tende a ser menos influenciada pelos ciclos econômicos”, diz.
Com boa gestão financeira, o grupo RaiaDrogasil, vencedor no setor de comércio varejista, não deixa que os juros altos atrapalhem os negócios, como ocorre com outros varejistas que dependem muito de financiamento. “Sempre tivemos alavancagem baixa e conseguimos crescer quase 20% ao ano na última década, mesmo tendo que sempre comprar mais estoque”, diz Marcílio Pousada, CEO da rede RaiaDrogasil. “Nossos investimentos estão mais voltados para tecnologia do que para expansão. Contamos com uma estrutura de capital saudável, o que nos permite ter uma perspectiva otimista”, afirma.
No caso da Dexco, campeã em materiais de construção e de acabamento, a redução dos juros tem um efeito positivo direto nos negócios. “Embora o meio ponto inicial de queda não vá resolver nada, essa inflexão da curva tem uma sinalização muito assertiva”, afirma Antonio Joaquim de Oliveira, diretor-presidente da empresa. “A menos que haja surpresas no campo da inflação lá na frente, não vejo como retroceder. Além do que, se a economia está mais recessiva, dificilmente haverá espaço para aumentos de preço”, diz.
Oliveira reconhece que compartilha um certo ceticismo do lado empresarial em relação às reformas que estão sendo propostas, as quais considera positivas e necessárias. “Acho que é muito bom se o Congresso estiver alinhado ao governo em que pese o viés ideológico de qualquer um dos lados”, diz. As mudanças, a seu ver, não devem ficar apenas no campo tributário. “Em algum momento, será preciso enfrentar as reformas administrativas do Estado”, alerta.
A construção civil será beneficiada com a trajetória de queda nos juros, segundo o presidente da Tigre, Otto von Sothen. A empresa lidera o setor de plásticos e borracha. Para ele, boa parte dos objetivos da companhia independem da economia. Ele se refere aos compromissos de investimentos privados na área de saneamento, com a perspectiva de quase dobrar a atual infraestrutura.
Para a Cury, campeã no setor de empreendimentos imobiliários, o momento é de otimismo em função das novas medidas do programa Minha Casa, Minha Vida. “As mudanças colocaram 90% dos nossos produtos elegíveis ao programa”, diz o CEO Fabio Cury. Ele explica que a queda dos juros não traz grandes impactos porque as taxas praticadas no âmbito do programa já são subsidiadas. Ele destaca que a gestão financeira da empresa permite olhar com otimismo a possibilidade de crescimento.
Para as empresas da área de energia, a maior preocupação é garantir a competitividade de setores estratégicos. “É o caso do sucroenergético, que produz biocombustíveis e já tem escala”, diz Mario Lyndenhayn, presidente-executivo da BP Bunge, vencedora no setor de bioenergia. Para Cristiano Pinto da Costa, presidente da Shell Brasil, campeã em petróleo e gás, o país tem muito a oferecer na transição energética para alcançar emissões líquidas zero. Ele destaca os investimentos em hidrogênio verde e energia eólica, além da menor intensidade de carbono na exploração do petróleo e gás.
Fonte: Valor Econômico