Federação, que assumiu a carteira da Unimed-Rio no ano passado, nega dívida, ponderando que podem ocorrer atrasos pontuais
PorBeth Koike
, Valor — São Paulo
A Unimed Ferj, federação que assumiu a carteira de clientes da Unimed-Rio no ano passado, está atrasando pagamentos para médicos, hospitais, laboratórios e clínicas, o que já gerou dívidas de R$ 400 milhões, calcula a Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ). Considerando débitos anteriores herdados pela Ferj, o passivo com os estabelecimentos de saúde chega à casa dos R$ 2 bilhões.
A Unimed-Rio já tinha com os hospitais, clínicas e laboratórios uma dívida de R$ 1,6 bilhão, que foi assumida pela Ferj e renegociada em parcelas de 36 meses, mas o acordo não vem sendo cumprido integralmente, segundo a AHERJ. “Nossa estimativa, é que o débito total seja de R$ 2 bilhões. O problema é que num mês pagam parte da dívida antiga, no mês seguinte, os honorários atuais, mas tem estabelecimento que não recebe há praticamente um ano”, disse Marcus Camargo Quintella, presidente da Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ).
Essa deterioração chama atenção porque a Ferj está administrando essa carteira, com 500 mil usuários de planos de saúde, há apenas oito meses e para reerguer a operadora obteve vários benefícios. Entre eles, o parcelamento do débito com os estabelecimentos de saúde, não assunção dos passivos fiscais e trabalhistas da Unimed-Rio e autorização para reajustar seus planos individuais em 21,89%, três vezes acima do aplicado no setor.
Na última sexta-feira, os médicos cooperados foram informados que receberão apenas 35% dos honorários, além disso, não há um cronograma de acerto dos meses de novembro e dezembro.
Vários hospitais estão cancelando seus contratos com a Unimed Ferj com receio de um novo calote.
Um desses grupos é a Rede D’Or que descredenciou oito de seus hospitais no Rio, a partir de meados de fevereiro. A Unimed Ferj quis retirar as garantias financeiras dos acordos comerciais com a D’Or o que acendeu uma bandeira vermelha tendo em vista o histórico de atrasos da cooperativa médica, segundo fontes do setor.
Com a Rede Casa, dona de 12 hospitais no Rio e principal prestador de serviço hospitalar da Unimed Ferj, há três faturas em atraso, que juntas somam R$ 70 milhões. Em paralelo, há outra dívida de cerca de R$ 100 milhões contraída pela Unimed-Rio, ainda de acordo com fontes ouvidas pela reportagem. Chama atenção o quão rápido a dívida está escalando. O passivo de R$ 100 milhões da Casa com a Unimed-Rio levou 13 anos para ser contraído, enquanto que os R$ 70 milhões com a Unimed Ferj foram acumulados em apenas oito meses.
Chegaram a circular no mercado comunicados dos hospitais São Lucas Copacabana e Nossa Senhora do Carmo, ambos no Rio, notificando que deixariam de atender clientes da Unimed Ferj , a partir de 30 de dezembro, às 19h30. No entanto, os hospitais informaram que o atendimento continua e a Unimed, inclusive, colocou essas unidades como alternativa aos hospitais da D’Or. O São Lucas Copacabana e o Nossa Senhora do Carmo são da Dasa e fazem parte da fusão que criou uma rede hospitalar com a Amil, cuja transação foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no fim de dezembro.
Nesse cenário, a associação dos hospitais do Rio de Janeiro entrou, em dezembro, com uma notificação no Ministério Público ameaçando uma suspensão geral dos hospitais privados com a Unimed Ferj por conta dos atrasos de pagamento. “Estamos aguardando uma reunião com o presidente interino da ANS. Queremos fazer um TAC [termo de ajustamento de conduta] para acertar a dívida. Os hospitais já realizaram os procedimentos, já houve os desembolsos. Agora a Unimed precisa fazer o ressarcimento”, disse Quintella. Ele explicou ainda que uma suspensão efetiva do atendimento hospitalar só pode ser feita após 30 dias da notificação no MP.
Além dos cancelamentos dos contratos dos hospitais, há movimentos partindo dos próprios médicos não querendo atender mais clientes da Unimed Ferj. Esse é o caso da equipe de obstetrícia e neonatologia da maternidade Egaz Moniz, no Rio, que suspendeu o atendimento a partir desta segunda até que haja acerto das contas. A maternidade que pertence à Rede Casa mantém o credenciamento, mas essa equipe de médicos pediu a suspensão.
A Rede Casa informou que, apesar dos passivos, não pretender romper contratos com a Unimed Ferj tendo em vista que cerca de 40% dos pacientes internados da operadora estão nos hospitais do grupo, o que causaria impactos ainda maiores na operadora.
A crise em torno da Unimed-Rio já dura mais de dez anos. Ao longo desse período, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fez várias intervenções e, em 2016, a cooperativa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com prazo de oito anos, vencido em 2024, para reorganização financeira. Porém, nesse período, não houve progressos, foram registrados prejuízos recorrentes. Em 2023, a Unimed-Rio chegou a ter patrimônio líquido negativo de R$ 3,3 bilhões, em 2023, ou seja, às vésperas do vencimento do TAC.
Havia um acordo no TAC que a Unimed Seguros viesse assumir a carteira da cooperativa médica carioca caso não houvesse solução da crise financeira. Mas a seguradora e Unimed-Rio travaram diversos conflitos e a carteira da operadora acabou sendo assumida pela Ferj – federação das cooperativas do Estado do Rio de Janeiro, no ano passado.
Na época, a dívida era de cerca de R$ 4 bilhões, sendo R$ 1,6 bilhão com prestadores de serviços de saúde, parcela que foi assumida pela Unimed Ferj. A outra parte do passivo de R$ 2,5 bilhões, referente às dívidas trabalhistas e fiscais, ficou com a Unimed-Rio.
Nesse período de crise, a Unimed-Rio sacou cerca de R$ 300 milhões de suas reservas técnicas, recurso que a operadora é obrigada a ter como garantia para cobrir cerca de dois meses de despesas médicas em caso de quebra. Parte dos recursos foi usada para pagar os hospitais, laboratórios e clínicas médicas a fim de evitar uma crise sistêmica no setor no Rio, uma vez que a cooperativa ainda é a maior operadora na região. Ou seja, nesse atual momento de crise não há valores relevantes depositados para novos saques. A cooperativa conseguiu usar esses recursos, conhecidos no jargão do setor como peona, de forma excepcional, antes de uma liquidação judicial.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Unimed Ferj negou que tenha dívidas com os hospitais e outros estabelecimentos de saúde, ponderando que podem ocorrer atrasos pontuais. Em relação ao honorários, informou que “houve um evento pontual devido ao fluxo de caixa do período de final de ano” e que após assumir a carteira houve uma melhora no valor da consulta recebida pelos cooperados.
Já sobre as dívidas herdadas pela Unimed-Rio, a Ferj informou que “mais de 65% do montante assumido já foi renegociado, com as respectivas repactuações devidamente assinadas e sendo honradas.” Mais recente Próxima Alta dos juros deve pressionar custo da dívida de empresas