Por Christopher Rugaber, Associated Press — Washington
28/07/2023 12h09 Atualizado há 2 dias
Apesar de mais de um ano de alertas generalizados de que uma recessão era iminente, o que acontece na verdade é que a economia dos Estados Unidos está mais acelerada.
No mesmo período em que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevou de maneira drástica os custos da concessão de crédito, a resiliência da economia estava à vista de todos: os consumidores continuam a gastar e os empregadores continuam a contratar. A inflação atingiu seu nível mais baixo dos dois últimos anos, o que ajuda os americanos a terem mais renda disponível.
Na quinta-feira, dados oficiais apontaram que a economia cresceu a uma sólida taxa anualizada de 2,4% no trimestre de abril a junho, uma inesperada aceleração em relação ao ritmo de 2% no primeiro trimestre. As empresas ajudaram a conduzir o crescimento, com investimentos robustos em equipamentos, software e construções.
O último apanhado sobre a economia coincide com a ampliação do sentimento de que ela pode alcançar um esquivo “pouso suave”, no qual o crescimento se desacelera e a inflação cai, mas sem que isso desencadeie uma recessão geral.
Analistas apontam duas tendências que podem ajudar a evitar uma contração econômica.
Alguns dizem que a economia está passando por uma “recessão por partes”, uma situação em que apenas alguns setores encolhem, mas a economia como um todo consegue se manter à tona.
Outros acreditam que o país pode ter passado pelo que chamam de “richcession” (algo como recessão dos ricos): eles observam que grandes reduções no número de vagas de emprego se concentraram em setores que pagam salários mais altos, como os de tecnologia e finanças, cheios de profissionais especializados que em geral contam com algum tipo de reserva financeira para fazer frente a demissões. Em consequência, cortes de vagas nesses campos têm menos probabilidades de afundar a economia como um todo.
Ainda assim, há riscos na quarta-feira, o Fed elevou sua principal taxa de juro para cerca de 5,3% — o nível mais alto em 22 anos — e pode voltar a fazê-lo antes do fim deste ano. Essas elevações das taxas impõem custos pesados ao crédito para consumidores e empresas. É por isso que alguns economistas advertem que uma recessão plena ainda pode acontecer.
“O Fed continuará a pressionar até que consiga resolver o problema da inflação”, disse a economista Yelena Shulyatyeva, do BNP Paribas.
Veja como tudo pode se desenrolar nos Estados Unidos:
Uma “recessão por partes”
Quando setores diferentes da economia se revezam em termos de contração, com alguns em declínio enquanto outros continuam a se expandir, isso tem sido chamado de “recessão por partes”. Nesse cenário, a economia como um todo consegue evitar uma recessão plena.
O setor dos imóveis residenciais foi o primeiro a entrar em parafuso depois que o Fed começou a elevar agressivamente as taxas de juro, há 16 meses. Como as taxas do crédito imobiliário quase dobraram, as vendas de imóveis residenciais despencaram. Atualmente elas estão 19% mais baixas do que há um ano. A manufatura logo seguiu o mesmo caminho. E embora não tenha se saído tão mal quanto o setor de imóveis residenciais, a produção das fábricas caiu em comparação com um ano antes.
E neste segundo trimestre, o setor de tecnologia também sofreu uma crise. Na sequência da pandemia, os americanos passaram a gastar menos tempo na internet, voltando a fazer compras em lojas físicas e a frequentar restaurantes. Essa tendência forçou empresas de tecnologia, como a Meta, controladora do Facebook, o provedor de videoconferências Zoom e o Google, a implementarem grandes cortes de postos de trabalho.
Ao mesmo tempo, os consumidores aumentaram seus gastos com viagens e em locais de entretenimento, o que impulsionou o vasto setor de serviços da economia e compensou a desaceleração em outros setores. Economistas vêem uma redução no ritmo desse tipo de gastos ainda neste ano, já que a poupança que muitas famílias acumularam durante a pandemia continua a encolher.
Mas a essa altura o setor dos imóveis residenciais pode ter se recuperado o suficiente para assumir a dianteira e impulsionar o crescimento econômico. E outros setores devem continuar a se expandir, e assim fornecer uma base para o crescimento como um todo. Krishna Guha, analista da Evercore ISI, observa que algumas áreas da economia — que vão da educação ao governo e aos serviços de saúde — não são tão sensíveis a taxas de juro mais altas, e é por isso que ainda estão contratando e provavelmente continuarão a fazê-lo.
Guha diz acreditar que, se a economia dos EUA conseguir um pouso suave, “as recessões setoriais serão uma grande parte dessa história”.
Uma “recessão dos ricos”
Os americanos abastados não estão exatamente sofrendo, em particular porque o mercado de ações se recuperou neste ano. No entanto, também é verdade que o grosso da grande onda de demissões que começou no ano passado se concentrou em profissões com salários mais altos. Esse comportamento difere do que acontece habitualmente em recessões: em geral são os empregos com salários mais baixos, em áreas como restaurantes e varejo, os primeiros a ser cortados, e com frequência em números deprimentes.
Isso ocorre porque na maioria das crises restaurantes, hotéis e varejistas demitem levas de trabalhadores quando os americanos começam a reduzir gastos. Como menos pessoas compram imóveis residenciais, muitos trabalhadores da construção civil perdem seus empregos. As vendas de produtos manufaturados caros, como carros e eletrodomésticos, tendem a cair, e isso leva a um corte de postos de trabalho nas fábricas.
Desta vez, pelo menos até agora, as coisas não aconteceram dessa forma. Restaurantes, bares e hotéis ainda estão contratando — na verdade, eles têm sido um dos principais motores da geração de empregos. E, para surpresa dos especialistas do mercado de trabalho, as empresas de construção também têm contratado mais trabalhadores, apesar das taxas de concessão de crédito mais altas, que muitas vezes desencorajam a construção residencial e comercial.
Em vez disso, as demissões têm atingido principalmente profissionais especializados e de colarinho branco. A Uber Technologies avisou que cortará 200 de seus recrutadores. A empresa de entrega de refeições GrubHub anunciou 400 demissões em áreas administrativas. Grupos financeiros e de comunicações também enfrentam dificuldades e o Citibank, por exemplo, informou que dispensou 1,6 mil funcionários no segundo trimestre. A Ford anunciou a demissão de várias centenas de engenheiros, depois de ter cortado 3 mil postos administrativos no ano passado.
Segundo economistas, muitos dos funcionários atingidos são bem qualificados e devem conseguir novos empregos com relativa rapidez, o que ajudará a manter a taxa de desemprego baixa, apesar das demissões. Neste momento, por exemplo, o governo federal, assim como empregadores dos setores hoteleiro, varejista e até ferroviário, estão em busca de contratar pessoas que foram demitidas das gigantes da área de tecnologia.
Tom Barkin, presidente do Federal Reserve Bank de Richmond (unidade regional do Fed), observa que os trabalhadores abastados geralmente têm reservas de poupança que podem usar no caso de perderem o emprego, o que lhes permite continuar a gastar e a alimentar a economia. Para Barkin, é por esse motivo que os cortes de empregos de trabalhadores de colarinho branco não tendem a enfraquecer os gastos do consumidor tanto quanto as perdas entre trabalhadores não especializados.
“É fácil imaginar que isto pode ser um tipo diferente de enfraquecimento do mercado de mão de obra… que tem um tipo de impacto diferente do enfraquecimento normal, tanto na demanda quanto sobre coisas como a taxa de desemprego”, disse Barkin.
Ou talvez não haja recessão
Os economistas mais otimistas dizem que estão mais esperançosos de que uma recessão possa ser evitada, mesmo que o Fed mantenha as taxas de juro no pico por vários meses.
Eles chamam a atenção para o fato de que vários dados econômicos recentes se mostraram melhores do que o esperado. Em especial, a contratação continuou surpreendentemente resiliente — empregadores acrescentaram uma média robusta de cerca de 300 mil novos empregos nos últimos seis meses e a taxa de desemprego, de 3,6%, segue próxima de seu nível mais baixo nos últimos 50 anos.
O setor de manufatura também contrariou as expectativas pessimistas. O governo anunciou que as empresas aumentaram suas encomendas de maquinário industrial, vagões de trem, computadores e outros bens duráveis.
Muitos analistas sentem-se encorajados porque algumas ameaças à economia não se revelaram tão prejudiciais quanto se temia — ou simplesmente não se concretizaram. Por exemplo, a disputa no Congresso sobre o limite de endividamento do governo, que poderia ter desencadeado um calote nos bônus do Tesouro, foi resolvida no mês passado sem grande perturbação nos mercados financeiros ou um impacto perceptível na economia.
Além disso, a turbulência bancária que ocorreu no primeiro semestre, depois do colapso do Silicon Valley Bank, foi contida, em grande medida, e até o momento não parece estar enfraquecendo a economia.
Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs, disse que a dissipação dessas ameaças o levou a reduzir a probabilidade de uma recessão nos próximos 12 meses de 35% para apenas 20%.
Outros economistas salientam que a economia não enfrenta os tipos de desequilíbrios ou acontecimentos perigosos que desencadearam algumas recessões recentes, como a bolha do mercado de ações em 2001 ou a bolha imobiliária em 2008.
“O risco de recessão diminui, e rapidamente”, disse Neil Dutta, economista do Renaissance Macro. Para ele, não importa se o que vivemos é classificado como uma recessão de partes ou uma recessão dos ricos. “Se você tiver de chamá-la por nomes diferentes, não é uma recessão.”
Fonte: Valor Econômico

