Por Mohamed El-Erian — Financial Times
16/09/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
A mudança atordoante no humor e nos preços do mercado ao longo da semana é uma prova da instabilidade subjacente ao ambiente atual para os formuladores de políticas e investidores. E é uma instabilidade que se intensificará nos próximos meses.
O catalisador para o que muitos chamaram de “carnificina do mercado” na terça-feira – perdas de 3% a 5% em um único dia nos principais índices de ações dos Estados Unidos – foi, é claro, um relatório horrível sobre a inflação. E os números de agosto para os EUA foram decepcionantes de muitas maneiras, sobretudo o aumento maior no comparativo mês a mês e a ampliação dos fatores que afetam a inflação do núcleo.
A julgar pela disparada dramática na taxa de retorno dos bônus de dois anos do governo, bem como movimentos em outros títulos do Tesouro, os mercados se viram lutando para precificar um momento “HFL” – ou seja, taxas que estão subindo, mais rápido e se mantendo lá por mais tempo.
Desta vez, a demora dos investidores em aceitar uma reversão mais rápida da abordagem extremamente favorável ao mercado por parte dos BCs teve pouco a ver com a inclinação anterior das autoridades de enfraquecer a mensagem da política anti-inflação. Essa tendência tinha ajudado a manter viva a esperança de um “pouso suave” e imaculado para a economia e de um afastamento rápido de um regime de liquidez cada vez mais apertado.
Mas desde o discurso que o presidente do Fed, Jerome Powell, fez em Jackson Hole no fim de agosto, as autoridades do BC têm sido excepcionalmente consistentes em afirmar seu compromisso incondicional de combater a inflação elevada, assim como em transmitir as implicações políticas. Os responsáveis pela política monetária e os investidores terão mais realidades estimulantes para digerir nos próximos meses.
Primeiro, a fragilidade do crescimento mundial tem aumentado. A Europa ainda precisa complementar a proteção das famílias contra os preços altos, baseada em isenções fiscais, com uma abordagem ordenada para a alocação de energia que minimize os danos estruturais imediatos e de longo prazo para a economia.
A China ainda precisa encontrar uma saída politicamente aceitável para a armadilha “vidas versus meios de sustento” da covid que, sem um avanço na vacinação efetiva de todo o país, prejudica sua contribuição para a demanda e a oferta na economia mundial. Mesmo os EUA, a mais forte das economias importantes sistemicamente, enfrenta obstáculos ao crescimento interno. E tudo isto num momento em que as pressões inflacionárias, e a destruição da demanda que provocam, só se dissiparão lentamente.
À medida que isso evolui, as inconsistências do mercado se tornarão mais difíceis de sustentar. Com os “yields” dos bônus de curto prazo mais altos, a vantagem competitiva TINA (sigla em inglês para “Não há alternativa”) que as ações possuem há muito tempo tem se deteriorado. Hoje os bônus de prazos mais longos oferecem melhor proteção contra uma grande desaceleração mundial e o stress do sistema financeiro. E os riscos econômicos e financeiros de um dólar tão forte, tanto internamente quanto, mais importante, no exterior, são mais difíceis de evitar.
Não é preciso dizer que este não é um bom ambiente para os bancos centrais tentarem recuperar o atraso. O risco de mais um erro de política, que já é desconfortavelmente alto, está aumentando.
Dados os números de inflação, o Fed não tem escolha a não ser pôr em prática sua resposta política, que inclui um terceiro aumento consecutivo de 0,75 ponto, algo sem precedentes, na semana que vem. Isso será acompanhado por uma aceleração no ritmo em que o Fed reduz seu balanço patrimonial e, eu suspeito, por uma revisão para cima das projeções para o pico deste ciclo de taxas de juro.
Enquanto isso, o BCE precisa incorporar as implicações das suas iniciativas consideráveis de política fiscal para compensar o impacto da crise energética para as famílias e as empresas.
A inclinação natural a suavizar a posição da política monetária diante da fragilidade do crescimento mundial e da instabilidade perturbadora do mercado financeiro colide com a realidade de uma alta persistente da inflação e a necessidade urgente de restaurar a credibilidade da política. De fato, a hesitação do banco central só serviria para piorar a escala e a complexidade dos desafios econômicos e políticos postos para 2023.
A turbulência do mercado nesta semana não diz respeito apenas ao choque entre o recente excesso de otimismo dos mercados e as realidades econômicas e políticas. Também é um reflexo do fato de que os investidores começam a aceitar melhor a incerteza complexa com que se defrontam tanto as autoridades como sua abordagem sobre alocação de ativos.
A boa notícia está na dupla perspectiva de que as economias deixem para trás um longo período de alocação ineficiente de recursos e de que o valor seja restaurado para mercados distorcidos fortemente pela intervenção demasiado prolongada do banco central. Para que essas perspectivas se concretizem, as economias e os mercados ainda precisam abrir caminho entre a maior possibilidade de erros de política, o stress do mercado e as armadilhas comportamentais que costumam acompanhar as oscilações no sentimento do investidor.
Fonte: Valor Econômico

