Com a sanção presidencial ao projeto de lei que vai taxar os fundos fechados exclusivos/reservados a poucos cotistas e as estruturas de investimentos fora do Brasil (“offshore”), as gestoras de fortunas se movimentam para um novo planejamento para as famílias. A ideia é buscar uma melhor eficiência tanto do lado dos investimentos quanto nas questões tributárias, patrimoniais e sucessórias.
Pelo texto da Lei 14.754, os fundos fechados exclusivos/restritos vão ser tributados a uma alíquota de 15% para os de longo prazo e a 20% nos de curto prazo, com o chamado “come-cotas”, o imposto semestral que já incide nos veículos de renda fixa, cambiais e multimercados condominiais e abertos ao público geral. O governo estima que a regra alcance estruturas com patrimônio na casa dos R$ 750 bilhões.
Já os veículos offshore vão recolher 15% anualmente. Nos investimentos locais ou no exterior, para quem quiser antecipar o pagamento das rendas acumuladas para este ano, a alíquota diferenciada ficou em 8%.
“O fundo fechado é um veículo muito simples no sentido de melhor navegar nesses três pontos [planejamento patrimonial, sucessório e tributário] e agora para ter uma eficiência melhor a família vai ter que fatiar [os ativos] em veículos distintos. No offshore é provável haver a mesma questão”, diz Paulo Minari, sócio-fundador responsável por estratégias de alocação da Oriz Partners.
Segundo o especialista, alguns investimentos podem ser carregados na pessoa física. Em outros, hoje acomodados em companhias offshore, há algumas dúvidas em relação ao tratamento dado a estruturas que vão ser classificadas como transparentes ou opacas, se o investidor vai pagar o imposto anualmente ou se vai ser pelo efeito caixa, ou seja, na venda de ativos com lucro, prossegue Minari.
Apesar de [a previdência] ser de longo prazo, ela não assimila os ilíquidos”
O executivo diz esperar muito ajuste societário e fusões de estruturas de investimentos. “O fundo fechado representa um percentual relevante do recurso das famílias que acumularam os resultados com o tempo e agora têm a opção de reabrir.”
Se num primeiro momento o impacto será sentido nos serviços de private banking e gestão de patrimônio na reorganização das estruturas, numa segunda etapa tende a ter efeitos para a indústria. “Alguns investimentos que evoluíram muito nos últimos anos, que são mais de longo prazo, eram feitos preponderantemente via fundos fechado. Na pessoa física para carregar isso fica mais limitado, vai ser um bolso menor”, observa Minari.
Ele diz que a previdência, que é tributada em 10% após dez anos para quem opta pela tabela regressiva, não consegue abarcar tudo. “Apesar de ser um investimento de longo prazo, não consegue assimilar os alternativos ilíquidos que foram a grande evolução da indústria”, diz. “Ao meu ver, o prazo médio da carteira, a mentalidade deve ser mais para opções de médio prazo.”
Ele exemplifica que os fundos fechados e os veículos offshores eram praticamente dois bolsos: um em dólares, quando o cliente mandava os recursos para o exterior, e o outro o fechado local, que acomodava o dinheiro que não era para uso de curto prazo, em alternativas mais sofisticadas e de maior volatilidade.
De maneira geral, ativos específicos podem ser mantidos em fundos de crédito para infraestrutura, que seguem com benefício fiscal, em fundos de ações, que têm tributação exclusiva, com alíquota de 15%, somente no resgate, e em carteiras administradas que consolidem títulos isentos de imposto de renda. Minari enxerga pressão sobre os spreads de títulos de crédito, já que a demanda vai aumentar.
Como o tema da tributação dos fundos de gestão patrimonial não é novo, já se observava uma migração de parte dos recursos dos multimercados exclusivos para outros produtos, como previdência, fundos de ações ou títulos incentivados. “A indústria já se mexeu”, diz o sócio-fundador de uma gestora de fortunas que têm grandes grupos empresariais no seu entorno. Mas como ainda há questões tributárias pendentes, como a taxação de dividendos e mudanças nos juros sobre capital próprio, não dá para se mover 100%, afirma um empresário.
Em outubro, por exemplo, uma reestruturação dessas mexeu com as estatísticas do setor de fundos da Anbima, ao apresentar uma captação líquida de quase R$ 11 bilhões em ações. Longe de representar a volta do investidor para a renda variável, o volume foi inflado pelo ingresso de R$ 10,6 bilhões num único veículo, o Opportunity SLQ FIA, uma carteira exclusiva, de investidor profissional, que compra majoritariamente cotas do Opportunity Lógica Master, que tem gestão de Dório Ferman.
A taxação dos fundos dos super-ricos era parte do pacote de reforma do Imposto de Renda, que o governo pretende encaminhar em 2024 ao Congresso. Foi antecipada para fortalecer o ajuste fiscal. A expectativa da equipe econômica é que a medida renda de R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões aos cofres públicos ainda neste ano. Esse valor é necessário para compensar a perda de receitas estimada em R$ 3,2 bilhões, decorrente do aumento do limite de isenção do IR desde 1º de maio.
Na avaliação de Daniel Loria, diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária da Fazenda e idealizador das novas regras, a tributação dos fundos “corrige uma distorção histórica no Brasil’, que permitia a postergação, por prazo indeterminado, do pagamento de Imposto de Renda sobre juros e outros rendimentos financeiros de pessoas físicas de altíssima renda. “Há isonomia – mesmas regras de tributação para todos – e neutralidade, com menor interferência das regras de tributação nas decisões de alocação de recursos em investimentos.”
Fonte: Valor Econômico

