O Congresso discute Projeto de Lei que isenta do Imposto de Renda as pessoas físicas com vencimentos de até R$ 5 mil mensais. Para compensar a perda de arrecadação, o mesmo texto institui tributação mínima de 5% a 10% sobre rendimentos que superem R$ 50 mil por mês.
A nova cobrança recairá, dentre outros, sobre lucros e dividendos distribuídos por empresas brasileiras, isentos do imposto desde 1996. A isenção hoje em vigor, contudo, não é sem razão: a pessoa jurídica já suporta carga de 34% sobre a renda — muito acima da média da OCDE, de 23%.
Mesmo assim, a decisão política foi tomada. Pelo projeto, dividendos remetidos ao exterior (a pessoas físicas ou jurídicas) e pagos no Brasil a pessoas físicas — estes últimos, acima de R$ 50 mil mensais — passarão, a partir de 2026, a ser tributados à alíquota de 10%.
Criar impostos é faculdade do governante. Trata-se de decisão legítima, desde que amparada por lei — compreendida como a manifestação da vontade popular, por meio de seus representantes no Parlamento.
Não há, portanto, inconstitucionalidade em tributar dividendos daqui em diante. O problema surge quando se pretende alcançar dividendos relativos a lucros formados antes da vigência da nova lei. Nesse ponto, a tributação é inconstitucional.
O pagamento de dividendos é a etapa final de um processo que começa com a decisão de empreender — ato que implica colocar capital em risco, o que não é trivial num país com juros nominais de 15% ao ano. Seria mais cômodo emprestar ao Estado e receber, com segurança, a remuneração paga pelo esforço de 200 milhões de brasileiros.
Após arriscar o capital, o empresário precisa faturar e manter seus custos sob controle. Somente então conseguirá, com sorte, auferir lucro. Esse lucro, entretanto, não é distribuído de imediato, podendo ser reinvestido em parte nas atividades. Quando finalmente se decidir pagar dividendos aos acionistas, faz-se necessária deliberação em assembleia. O dividendo pago é, portanto, o desfecho de uma longa trajetória — durante a qual os empresários brasileiros contam, há 30 anos, com a expectativa legal de não ser tributados.
Se aprovada neste ano, a lei produzirá efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026. Surge, então, a questão: lucros acumulados até 31 de dezembro de 2025, se distribuídos aos acionistas após essa data, podem ser tributados?
A resposta é negativa. O Direito, como modo de ordenar o convívio social, só cumpre sua função quando oferece parâmetros seguros para as decisões, que não podem ser desfeitos por mudanças repentinas. O contribuinte conta com a estabilidade do sistema e, portanto, com a previsibilidade dos resultados de seus esforços.
Atenta a isso, a Câmara dos Deputados incluiu no projeto regra de transição: mantém-se a isenção dos lucros apurados até 31 de dezembro de 2025, desde que (a) a deliberação sobre sua distribuição ocorra antes da virada do ano; e (b) o pagamento se realize até 2028. É um gesto de lealdade entre Fisco e contribuinte. No Senado, contudo, há movimento para suprimir esse dispositivo — o que traria à tona a inconstitucional tributação de dividendos oriundos de lucros acumulados antes da eficácia da nova lei.
Não bastassem as razões jurídicas, há motivos econômicos contrários à pretensão senatorial. Os efeitos retroativos da tributação criariam incentivo para que empresas antecipassem distribuições ainda em 2025, antes da vigência do novo regime. Essa corrida pelo pagamento de dividendos drenaria o caixa das companhias e pressionaria o câmbio, já que a tributação também alcança remessas ao exterior.
Manter a isenção dos lucros apurados até 2025 resguarda a segurança jurídica de que o país necessita para crescer. Justiça social não se faz apenas com mudanças na tributação da renda — sem desenvolvimento econômico e moeda estável, as iníquas desigualdades persistirão, seja qual for o modelo de tributação eleito.
*André Mendes Moreira, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP
Fonte: O Globo

