Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
25/09/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
Embora tenham saltado às máximas desde 2007, os rendimentos dos Treasuries de longo prazo podem não ter alcançado, ainda, o pico no atual ciclo. A indicação do Federal Reserve (Fed) de que irá manter os juros no campo restritivo ao menos até 2026 se soma a diversas variáveis que já pressionaram as taxas americanas neste ano e ajuda a alimentar a percepção de que pressões adicionais sobre a curva de juros americana não podem ser descartadas, apesar do salto surpreendente dos juros longos até o momento.
A taxa da T-note de dez anos subiu a 4,511% na madrugada de sexta-feira, nível que não era visto há 15 anos. O tom conservador adotado pelo Fed ajuda a explicar o movimento mais recente, mas o ajuste relevante visto na curva de juros no ano traz outros elementos. A resiliência da economia americana e as discussões sobre a possibilidade de uma taxa de juros neutra mais alta são fatores que se somam a vetores mais técnicos, como as emissões maiores de Treasuries; o enxugamento do balanço de ativos do Fed; e as tensões geopolíticas, na medida em que alguns países, como a China, se desfazem dos títulos americanos de suas reservas.
“O que está acontecendo nos Treasuries, nas taxas e nos prêmios é superinteressante”, aponta a chefe global de estratégia de investimentos da BlackRock, Wei Li, ao apontar para um o retorno do “term premium” em níveis mais altos na curva de juros americana, ou seja, a exigência dos investidores de juros mais altos para carregar os títulos da dívida dos EUA, especialmente os de prazos mais longos. “Quando analisamos os motivos para o retorno do ‘term premium’, não se trata apenas de uma inflação estruturalmente mais alta ou de bancos centrais que se mantêm firmes. Há também a dimensão adicional de níveis de dívida mais elevados, maiores emissões e maior incerteza macro e política.”
Isso tem levado a BlackRock a ficar comprada em Treasuries de curto prazo, ou seja, apostar na queda das taxas mais curtas, e a adotar posições vendidas em títulos mais longos – aposta em uma alta adicional dos rendimentos dos papéis de longo prazo.
Visão semelhante é adotada pelo fundador da Pershing Square, Bill Ackman, ao manter posições vendidas em Treasuries de longo prazo, diante da percepção de que as taxas dos papéis de 30 anos devem subir ainda mais. “Tenho ficado surpreso com o quão baixas são as taxas de longo prazo. Penso que a melhor explicação é que os investidores de renda fixa consideravam 4% uma taxa elevada porque os rendimentos não ultrapassavam 4% há quase 15 anos. Quando eles viram a ‘oportunidade’ de garantir 4% durante 30 anos, agarraram-se a essa oportunidade única na carreira, mas o mundo de hoje é muito diferente daquele que vivemos até agora”, disse em texto publicado no X (antigo Twitter).
Ackman acredita que a inflação de longo prazo somada ao juro real e ao term premium “sugere que 5,5% é um nível apropriado para as taxas de 30 anos”. Em suas justificativas, ele diz acreditar que o mundo é um lugar “estruturalmente diferente”, ao apontar que os efeitos deflacionários exportados pela China não existem mais. Ele cita, ainda, o aumento de poder de trabalhadores e sindicatos em negociações; a elevação dos preços de energia; e, em especial, o alto endividamento dos EUA, além da falta de disciplina fiscal dos partidos políticos americanos.
“O governo está vendendo centenas de bilhões em títulos semanalmente. A China e outras nações estrangeiras, historicamente grandes compradoras da nossa dívida, estão agora vendendo os papéis. E o experimento de enxugamento do balanço do Fed mal começou”, enfatiza Ackman, para quem, no ambiente atual, será difícil a inflação voltar a 2% a longo prazo nos EUA, mesmo com a disposição do Fed e de suas indicações de que continuará a buscar esse objetivo.
Esse fator também é destacado pelo economista-chefe da WHG, Fernando Fenolio, para quem a emissão maior de títulos americanos é o motivo mais importante para explicar a disparada recente dos juros. “O volume de títulos que vem sendo despejado no mercado é muito grande. Após o anúncio do calendário de financiamento do Tesouro, aconteceu o ‘downgrade’ do rating dos EUA pela Fitch, adicionando ainda mais pressão. Vemos uma extensão no prazo de financiamento do governo americano, com o Tesouro aumentando a ‘duration’ e o mercado precisa absorver risco em um volume muito grande. Isso parece apenas um fator técnico, mas não deve ser desmerecido”, afirma Fenolio.
Isso porque, segundo o economista, a demanda por títulos parece menor no momento. O profissional lembra que, entre 2000 e 2011 os bancos centrais globais, especialmente os emergentes, como o do Brasil e o da China, foram grandes compradores de Treasuries, em um processo de construção de reservas. Na última década, foi a vez de os bancos centrais de países desenvolvidos se tornarem compradores cativos, como o próprio Fed, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão (BoJ).
“Especialmente depois que o Fed saiu do mercado em 2022 com o anúncio do enxugamento do balanço, esses compradores cativos não parecem mais tão presentes. O que sobra hoje é o investidor doméstico, que pode ser institucionais, hedge funds ou famílias. São agentes financeiros que seguem comprando, mas são mais sensíveis aos preços e à dinâmica do mercado”, aponta o economista.
“Essas questões parecem colocar um piso mais elevado nos juros do que estávamos acostumados nos últimos dez anos”, diz. Neste momento, diante da perspectiva de que o ciclo de aperto do Fed se aproxima do fim, a WHG prefere carregar posições de inclinação na curva americana, ou seja, aposta que o spread entre as taxas de longo prazo e as mais curtas, hoje no campo negativo, irá subir.
A equipe de estratégia de juros globais do Bank of America também vai na direção de que a curva de juros americana pode sofrer pressão adicional à frente. Para os estrategistas Mark Cabana, Meghan Swiber, Bruno Braizinha e Ralph Axel, o Fed não deve se preocupar com o movimento no mercado de Treasuries, o que pode indicar que as taxas longas devem continuar a subir até que haja uma resposta negativa clara de desaceleração econômica real.
“O juro da T-note de dez anos pode testar 4,75% nas próximas semanas, mas a diminuição do risco e o impacto na confiança podem derrubar as taxas do título para 4% até o fim do ano”, apontam.
Um estudo dos estrategistas do BofA aponta que os rendimentos dos títulos de dez anos têm capacidade limitada de continuar o “sell-off” para além da marca dos 5%. “As taxas longas poderão continuar a subir até que haja sinais de que a política é suficientemente restritiva, o que pode não estar tão longe.”
Fonte: Valor Econômico

