Por Nick Timiraos — Dow Jones Newswires
05/10/2023 05h04 Atualizado há um dia
O aumento súbito das taxas de juros de longo prazo para os níveis mais altos em 16 anos está ameaçando as esperanças de um “pouso suave” para a economia dos EUA, ainda mais porque os fatores exatos que desencadearam esse movimento não são claros.
O Federal Reserve (Fed) vem aumentando as taxas de juros de curto prazo há um ano e meio. Esses aumentos visam aumentar os rendimentos dos bônus de longo prazo, combatendo a inflação ao desacelerar a economia. Mas a velocidade do último salto pode ser um caso de “cuidado com o que você deseja”. Isso acontece no momento em que a inflação recua e o Fed sinaliza que está perto de concluir sua sequência de aumentos das taxas de juros.
Os rendimentos do título do Tesouro de dez anos subiram para 4,804% na terça-feira, o nível mais alto desde a crise dos financiamentos imobiliários “subprime” em agosto de 2007.
Se o aumento recente dos custos dos empréstimos – juntamente com a queda concomitante nos preços das ações e o dólar mais forte – se sustentar, isso poderá desacelerar significativamente a economia dos EUA e a economia mundial no próximo ano. A rapidez da alta recente também aumenta o risco de colapsos no sistema financeiro.
As causas mais prováveis parecem ser uma combinação das expectativas de um crescimento melhor dos EUA, com a preocupação de que os enormes déficits federais estejam pressionando a capacidade dos investidores de absorver tanta dívida.
Os aumentos do ano passado nos rendimentos dos Treasuries de longo prazo foram motivados pelas expectativas do mercado de taxas de juros de curto prazo mais altas, à medida que o Fed apertava sua política monetária, e pelas demandas dos investidores por uma compensação extra para eles terem em carteira ativos de prazos mais longos, por causa dos temores de inflação mais alta.
Mas nenhum desses fatores parece estar levando a taxas mais altas no momento, o que está colocando o foco em outras influências. Estas incluem a demanda reduzida por Treasuries da parte dos investidores estrangeiros, bancos dos EUA e gestores de carteiras americanos que tradicionalmente compram os bônus soberanos como proteção contra uma queda das ações e outros ativos de risco.
“É desconcertante”, diz Daleep Singh, um ex-executivo do Fed de Nova York que hoje é economista-chefe global da PGIM Fixed Income. “Nenhuma explicação fundamental é convincente.”
A secretária do Tesouro, Janet Yellen, disse que não está claro se os rendimentos dos bônus se estabilizarão em níveis mais elevados no longo prazo. “É uma grande questão, que está em minha mente e na do governo”, disse ela durante uma discussão moderada na conferência “Fortune CEO Initiative”, em Washington.
A falta de um culpado óbvio para a alta mais recente dos rendimentos dos títulos de prazos mais longos sugere que o chamado prêmio a termo, ou o rendimento extra que os investidores exigem para investir em ativos de prazos mais longos, está aumentando. Isso representaria uma reversão abrupta depois da prevalência do ambiente de inflação baixa e crescimento baixo entre a crise financeira de 2008-2009 e a pandemia.
Um prêmio a termo maior significa que mesmo que a inflação estiver sob controle, os tomadores terão de pagar mais do que antes, porque os investidores querem uma compensação extra pelos riscos associados à retenção de seu dinheiro por períodos mais longos.
Um aumento sustentado nos rendimentos dos Treasuries será custoso para o governo dos EUA porque ele enfrentaria custos de financiamento ainda mais elevados sobre um volume muito maior de sua dívida. A dívida dos EUA em poder do público dobrou, para cerca de US$ 26 trilhões, nos últimos oito anos.
O aumento dos custos dos empréstimos está levando as taxas dos financiamentos imobiliários aos níveis mais altos em 23 anos, com mais credores agora cotando as taxas acima de 7,5% para o título de renda fixa de 30 anos. Os custos mais altos dos empréstimos poderão afetar os preços das ações e de outros ativos, levando ao enfraquecimento dos investimentos, das contratações e da atividade econômica.
Economistas do Goldman Sachs estimam que se o aperto das condições financeiras iniciado no fim de julho se mantiver, isso poderá reduzir o PIB em um ponto percentual no próximo ano.
Isso poderia enfraquecer o argumento para que o Fed aumente mais as taxas de juros ainda este ano. “Teremos que ficar atentos”, disse Loretta Mester, presidente do Fed de Cleveland. “Esses juros mais altos terão impacto sobre a economia e precisamos levar isso em conta ao estabelecermos a política monetária.”
Os investidores não mudaram nas últimas semanas as expectativas de que o Fed quase encerrou seu ciclo de alta de juros. No entanto, eles veem uma probabilidade crescente de o banco central manter os juros nos níveis atuais até o ano que vem. Uma vez que o Fed reduzir as taxas, eles esperam menos reduções do que há três meses.
O aumento atual dos rendimentos dos bônus ganhou força no fim de julho, quando a economia começou a dar sinais de reaceleração em meio a gastos do consumidor maiores que os esperados. Desde então, os investidores e as autoridades do Fed deixaram de lado suas projeções de que a economia iria tropeçar.
Os investidores estão intrigados com a razão de o consumo estar se mostrando forte, apesar dos aumentos agressivos das taxas de juros pelo Fed. Se for porque a taxa “neutra” está mais alta, o Fed vai manter os juros mais altos por mais tempo, justificando a alta recente dos retornos. Se for porque os intervalos tradicionais nos efeitos da política monetária simplesmente não se manifestaram, então poderá ser apenas uma questão de tempo até a economia desacelerar.
“Seis meses atrás, mais pessoas apostavam nos intervalos entre as decisões de política monetária e seus efeitos. Mas lentamente jogaram a toalha nesse ponto”, diz Priya Misra, gerente de portfólio da J.P. Morgan Asset. “Elas estão reavaliando por quanto tempo o Fed terá de manter as taxas aí.”
Uma perspectiva de crescimento mais vigoroso poderia enfraquecer a demanda por Treasuries, uma vez que a oferta de títulos emitidos pelo governo está aumentando e alguns compradores estão se afastando do mercado.
“O que estamos vendo é uma reavaliação de como o mercado de bônus precifica a própria incerteza”, diz Singh. “A compensação exigida para subscrever potencialmente no novo regime estrutural com crescimento e inflação mais voláteis, e menos fontes de demanda previsíveis para absorver quantidades recordes de emissões de títulos de dívida do governo, claramente aumentou.”
Fonte: Valor Econômico

