A logística de armazenagem e transporte de vacinas e determinados medicamentos exige temperaturas baixíssimas; o setor vive em luta contra o calor
Percorrer a distância entre o ponto A e o ponto B em um país continental como o Brasil é uma tarefa com desafios adicionais para as empresas especializadas no armazenamento e transporte de medicamentos e vacinas. A temperatura e umidade desses itens são variáveis críticas. Valores fora da indicação do fabricante e da regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem degradar o princípio ativo do produto, resultando em perdas que podem chegar a milhões.
No caso de lotes armazenados e perdidos de 58 milhões de imunizantes da covid-19, o prejuízo somou perto de R$ 2 bilhões, conforme divulgado em dezembro de 2024 pelo Ministério da Saúde. Entre as possíveis causas auditadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para a perda estava a complexidade na logística de armazenagem e transporte das doses das vacinas mRNA, que exigem temperaturas baixíssimas. O ministério garante que agora está de olho nesse processo. “O controle de distribuição e estoque é realizado por sistemas informatizados, permitindo o acompanhamento em tempo real da movimentação dos insumos armazenados. Além disso, o ministério utiliza o Sistema de Informação de Insumos Estratégicos (Sies) para monitoramento de estoques e adota o princípio Fefo (First Expire, First Out), garantindo o uso prioritário de produtos com vencimento mais próximo”, afirmou a pasta em nota.
Além das longas distâncias, que impactam os custos, a variação de temperatura durante o dia e entre diferentes regiões também é um fator levado em conta pelas empresas de logística. “Temos um novo termo, que é ‘armazenagem em trânsito’”, diz Hellry Anderson, diretor comercial da Mundial Logistics, responsável pelo armazenamento de produtos da Aché Laboratórios, além de Sanofi, Bayer e outras. Ou seja, o controle de temperatura tem de ser feito tanto no local de estoque quanto no momento em que está sendo transportado pelo Brasil. “O país tem uma geografia gigantesca, então mapeamos e qualificamos nossas rotas todos os anos com relação às temperaturas mínima e máxima que cada trajeto alcançou, além de período do dia, que mês foi feito o recorte, se era inverno ou verão. E é a partir daí que fazemos toda nossa certificação”, afirma Anderson.
“Toda a logística é montada em cima de custos. Se a distância for muito longa, o produto for perecível e precise ficar entre 2°C e 8°C, dependendo da volumetria, não faz sentido mandar por veículo refrigerado. Uma viagem assim por estrada de São Paulo para o Ceará, por exemplo, ficaria uma fortuna”, diz Anderson. Para o transporte aéreo, ele conta que os produtos são acondicionados em caixas passivas (embalagens feitas com gelo-espuma), que ficam “maturando” em câmaras frias congeladas a -25°C por cerca de quatro dias. Elas garantem a estabilidade do produto dentro do espectro da temperatura pedida durante 72 horas, considerado o suficiente para o transporte. Para movimentação de produtos de maior valor, é usada uma nova tecnologia: as placas de PCMs, ou Phase Change Materials, que, maturadas até uma certa temperatura, permanecem nela por até 30 dias sem decair. As placas são colocadas dentro das embalagens e protegem as vacinas.
Os impostos também são levados em conta na hora de escolher o modal de transporte. Explica-se: o maior consumidor de medicamentos é o Estado de São Paulo. Pela lógica, é onde as operações de armazenagem e distribuição deveriam estar. Mas várias ficam em outros Estados por conta dos benefícios fiscais. Gasta-se mais em logística, mas se economiza muito mais em tributos.
Apesar de não serem uma das cargas mais roubadas nas estradas, várias classes de medicamentos têm valores impressionantes, o que exige até mesmo carros-fortes para o transporte e escolta. Nesse caso, e como os seguros não cobrem todo o valor da carga, a saída é fracionar a carga mais cara, enviando-a com produtos mais baratos, em mais de um caminhão, diz Anderson.
Laboratórios têm investido em centros de armazenagem e distribuição próprios, como a Eurofarma. “Fizemos um investimento estratégico de R$ 30 milhões num CD em Cajamar (SP), com 16 mil metros quadrados. Lá, temos sistema de ar automatizado, empilhadeiras e paleteiras elétricas, de acordo com as políticas de sustentabilidade da empresa. Mas temos uma alta capilaridade para distribuição de nossos produtos. Então para o transporte recorremos a empresas especializadas”, diz Marisa Bizarias, diretora global de suprimentos e logística da Eurofarma.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/P/H/xRvi2NTeaAutlAC1OcHQ/rev-logistica-20250414-104-tatiana-20ignez-sanofi.jpg)
Já a Sanofi Medley conta com um operador logístico parceiro com dois CDs, em Extrema (MG) e Guarulhos (SP). “Temos um controle de inventário com um sistema digital de gestão logística (WMS) de última geração, que permite visibilidade dos itens de ponta a ponta. Processamos e expedimos, nos dois locais, 49 milhões de unidades de medicamentos por mês”, afirma Tatiana Ignez, head de supply chain da Sanofi Brasil.
Além de garantir a qualidade e a eficácia dos produtos transportados, outro desafio das empresas é manter os custos sob controle. Algumas resoluções da Anvisa, por exemplo, são questionadas em âmbito setorial. Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), diz que a entidade discute adaptações às normas que garantam os requisitos técnicos necessários, mas sem aumentar os custos de logística da indústria farmacêutica.
Fonte: Valor Econômico