Por mais que existam 5,2 bilhões de usuários ativos da internet, eles estão concentrados nos países mais ricos. Na Europa, por exemplo, 87% da população usam internet, enquanto na África são apenas 33%
PorNatália Flach , Valor — São Paulo
Investir em conectividade pode reduzir desigualdades sociais. Para isso, é necessário aumentar a cobertura das redes, diminuir o custo das tecnologias – de modo que pessoas e empresas possam pagar por elas – e ampliar os conhecimentos acerca do tema.
Essa é a receita que está em discussão pela força tarefa de Transformação Digital do B20, grupo de trabalho formado por companhias de diversos setores que debate recomendações de melhorias para o ambiente de negócios e que, posteriormente, serão enviadas ao G20.
“O que está nas nossas mãos é desenhar a transformação digital que pode trazer benefícios reais para todos”, afirma Daniel Moraes, diretor de Inovação e Tecnologia da Tupy e Deputy Chair do grupo de trabalho do B20, durante live mediada por João Rosa, repórter especial do Valor Econômico, nesta quarta-feira (19). O projeto G20 no Brasil tem o Governo do Estado do Rio de Janeiro como estado anfitrião, Rio capital do G20 como cidade anfitriã, patrocínio de JBS e realização dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN.
O debate é importante, pois há muita discrepância entre regiões. Por mais que existam 5,2 bilhões de usuários ativos da internet, eles estão concentrados nos países mais ricos. Na Europa, por exemplo, 87% da população usam internet, enquanto na África são apenas 33%.
Ingrid Barth, presidente da Abstartups e líder do Startup20, lembra que a tecnologia é meio, não o fim. “O foco tem de ser o negócio.” Isso significa que não é necessário ter o software de gestão mais avançado para que uma estratégia dê certo; às vezes, é mais interessante investir em redes sociais. “O nosso grupo de engajamento discute como podemos facilitar esse investimento, seja por meio de políticas públicas, seja por meio de fundos de investimento privado e soberano”, afirma.
Além disso, a Startup20 debate regulação, políticas públicas e ESG. “Não dá para falar em transformação tecnológica quando existem pessoas à margem”, diz Ingrid.
A especialista explica que o grupo, composto por pessoas da sociedade civil e não apenas do governo, nasceu da relevância das startups para o produto interno bruto do G20. Hoje, segundo estatísticas indianas, elas representam 15% do PIB do bloco econômico. Quando somadas às pequenas e médias empresas, esse percentual salta para 61%.
“É uma fatia muito relevante para a gente não discutir como melhorar indicadores, potencializar negócios e se beneficiar economicamente de temas, como empreendedorismo, tecnologia e inovação.”
Já o grupo de transformação digital do B20, que conta com 165 integrantes de 64 países, tem como objetivo elaborar um documento com recomendações e até seis políticas de ação para compartilhar com os líderes do G20. “O grande desafio é que precisa haver consenso entre as partes, mas a boa notícia é que estamos chegando perto da construção do documento”, conta Moraes.
Ao todo, são três recomendações. A primeira é calcada na inclusão digital, ou seja, nos meios que podem ser adotados para aumentar a conectividade. “Cerca de 33% da população mundial não têm conexão. É um percentual muito grande”, diz Moraes. “A ideia não é que a pessoa vire um programador. Mas é como fazer com que ela use o pix para comercializar algo, por exemplo.”
A segunda recomendação está baseada em cibersegurança e dados. Aqui, o objetivo, de acordo com Moraes, é dar diretrizes de como criar uma colaboração internacional para proteger, investigar e coibir os crimes digitais. “Lembrando que muitas vezes os hackers não veem fronteiras.” Também se discute como estabelecer um fluxo de dados, respeitando a privacidade das pessoas, para que se possa acelerar inovações, como o desenvolvimento de novos medicamentos.
Por fim, o grupo se debruça sobre inteligência artificial. “O foco é criar uma zona de equilíbrio entre potencializar o poder transformador da IA e criar itens de responsabilidade de modo a não criar novos riscos para as pessoas, organizações e nações.”
Ingrid acrescenta que Startup20 também discute a regulamentação de IA. “IA pode ser um meio para facilitar o entendimento das tecnologias. Afinal, não é necessário saber como elas funcionam para que elas ajudem no seu negócio”, diz. “Também debatemos políticas públicas, e uma das coisas que venho batendo na tecla é entender quais são as vocações dos países, principalmente, falando em inovação. O mapeamento é muito importante para a gente pensar em educação tecnlógica e empreendedora.”
Moraes lembra que a corrida da inteligência artificial ainda está em curso. Para ele, é necessário acelerar a IA em segmentos em que o Brasil tem relevância, de modo a buscar eficiência. “Não precisamos começar do zero, podemos fazer boas aplicações em cima do que já existe, mas com responsabilidade.”
Mas, para isso, um ponto importante, segundo o especialista, é definir um conceito, padronizar a terminologia em todo o mundo. Também é essencial definir princípios básicos a serem seguidos. “É necessário ainda olhar a regulamentação com duas óticas: harmonizar as regulamentações que a gente já possui e fazer abordagem por risco.”
Conectividade
Em 2023, o número de pessoas que acessam internet no Brasil aumentou três pontos percentuais em relação ao ano anterior, passando de 81% para 84% da população, de acordo com levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Mas há disparidades. Na classe A, o índice chega a 97%, contra 69% nas classes D e E. O cenário também se repete em termos de escolaridade: enquanto entre os que têm ensino superior o percentual é de 97%, entre analfabetos o valor é de 32%.
“Temos que usar toda a inovação para trazer benefício físico para a vida das pessoas. Se a gente quer ter um futuro digital e inclusivo, o desafio é como desenhar isso de modo a não aumentar as desigualdades e, sim, diminuí-la. Afinal, no mundo há 735 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza, 40% da população não têm acesso à saúde básica e há a tendência de que haja aumento 1,5 ºC a temperatura do globo até 2030”, explica Moraes.
Para combater a exclusão, é necessário prover acesso, o que significa que a rede de telecomunicação tem de estar disponível em todas as regiões. Além disso, o preço tem que caber no bolso das pessoas. “Para isso, é preciso criar modelos, como parcerias público-privadas, para tornar o custo da tecnologia acessível.” Por fim, é importante que as pessoas saibam como extrair benefícios das inovações tecnológicas.
O especialista cita o caso do pix que viabilizou a criação de pequenos negócios em todo o Brasil, ao dar acesso a um sistema de pagamento de fácil compreensão. Outro exemplo vem do Peru que fez um trabalho de conexão para todos. Em três anos, 3,5 milhões de pessoas passaram a ter conectividade.
Fonte: Valor Econômico