A possibilidade de times de futebol levantarem recursos no mercado de capitais anima entusiastas do esporte. Especialistas acreditam, porém, que pode levar tempo até que a participação dos clubes se consolide.
Até agora, o instrumento mais buscado por clubes foram os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). O mais recente deles foi do mineiro Cruzeiro. O chamado FIDC Zorro entrou em operação em fevereiro, mas agora, apenas quatro meses depois, será liquidado.
O Zorro inclui direitos creditórios relacionados ao direito de imagem de jogadores do Cruzeiro e outros recebíveis, como de cartão de crédito. Na primeira emissão de cotas subordinadas júnior, foram levantados R$ 3 milhões, conforme informações da oferta pública. O processo para uma nova captação estava em andamento, mas não chegou a ser concretizada.
No fim de abril, o ex-jogador e empresário Ronaldo Nazário vendeu a Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do Cruzeiro ao empresário Pedro Lourenço e a nova gestão decidiu encerrar o instrumento por ter outras alternativas de capitalização, apurou o Valor. A assembleia que decidiu pela liquidação antecipada foi realizada no dia 29 de maio. “Trata-se de uma mudança na estratégia de captação, conforme planejado”, informou o clube.
O São Paulo Futebol Clube foi um dos primeiros a usar o instrumento. Em 2019, lançou um fundo com vencimento em março de 2023 e baseado em fluxos futuros de caixa derivados de um contrato de transmissão de jogos do Campeonato Brasileiro. João Peixoto, diretor-presidente da Ouro Preto Investimentos, que fez a gestão do FIDC do São Paulo, diz que o instrumento é interessante para os clubes, sejam eles SAFs ou não, considerando a possibilidade de antecipar receitas como as de transmissão de jogos, de planos de sócio-torcedor ou de imagem dos atletas.
Ele diz, no entanto, que os times ainda enfrentam dificuldades para acessar o mercado de capitais devido à falta de organização das contas e da profissionalização da gestão. “No caso do São Paulo, havia uma estrutura financeira, era algo mais profissionalizado. Com isso, o FIDC conseguiu um rating duplo A de uma agência internacional, que fez sua análise baseada em times europeus”, afirma Peixoto.
Do lado dos investidores, ainda há um receio grande com o segmento do futebol, diz outro gestor que atua com FIDC e preferiu não ser identificado. Com as dificuldades financeiras dos clubes no passado, a fama criada não é muito positiva, afirma. Ele acredita, no entanto, que operações bem estruturadas e com garantias devem encontrar demanda.
A criação das Sociedades Anônimas do Futebol em 2021 tem um papel importante na mudança desse cenário e da saúde financeira dos times. “Se os times virarem SAFs, eles terão uma administração mais transparente, com mais governança, prestando contas para acionistas”, afirma Peixoto.
Desde que entrou em vigor, times como Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Bahia, Bragantino, Fortaleza e Cruzeiro aderiram ao modelo. Francisco Clemente, sócio de mídia e esportes da KPMG Brasil, classifica o surgimento das das SAFs como “divisor de águas”. “Eu tenho acompanhado futebol nos últimos dez anos e tenho ficado mais convencido e otimista de que veremos em breve clubes muito mais próximos do mercado de capitais do que antes. A SAF permitiu não somente uma visão de longo prazo para os clubes, mas também a possibilidade de buscar oportunidades para se financiarem com opções mais baratas.”
Hoje, o custo de captação para associações esportivas em fontes tradicionais, como os bancos, é maior do que o cobrado para uma companhia, lembra Clemente, e a exigência de garantias também. “Com instrumentos como os de dívida estruturada, eles podem acessar bolsos diferentes, mais baratos, e também trazer o torcedor como investidor.”
Fonte: Valor Econômico

