O Ocidente tem ampliado a relação com empresas que detêm projetos brasileiros de mineração de terras raras, grupo de elementos que hoje é foco de disputa entre Estados Unidos e China. Pelo menos cinco companhias com projetos em Goiás, Minas Gerais e Bahia anunciaram recentemente financiamentos, intenção de financiamento ou acordos estratégicos com instituições de fomento e empresas dos EUA e outros países, como Canadá e França. Em paralelo a isso, fontes consultadas pelo Valor relatam os esforços para atrair investimentos e fomentar o adensamento da cadeia dentro do país.
O movimento acontece no momento em que a reserva brasileira de terras raras entrou na mira dos EUA depois da guerra tarifária iniciada pela administração americana, que fez do grupo de 17 elementos minerais parte da aposta brasileira na barganha comercial para reduzir as alíquotas.
As terras raras consistem em grupo de elementos químicos estratégicos para transição energética e defesa. São aplicadas na indústria de alta tecnologia, da produção de turbinas eólicas a baterias, principalmente de carros híbridos e elétricos, por exemplo.
Nas negociações entre China e EUA, depois da guerra tarifária iniciada por Donald Trump neste ano, é ponto central, porque são os chineses quem detêm a maior reserva global do grupo de elementos. A China ainda domina quase toda a cadeia das terras raras, respondendo por 69% da produção global e por 91% do refino dos elementos.
Ela chegou a restringir o acesso americano às terras raras do país como retaliação às tarifas da administração Donald Trump. E, mais recentemente, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse que espera que o acordo com os chineses sobre o grupo de elementos seja concluído em breve.
O interesse americano nas reservas brasileiras de terras raras se justifica porque elas são as maiores depois da China e poderiam ajudar a diminuir a dependência americana. Mas até agora o Brasil tem apenas uma mina em operação comercial, a da empresa Serra Verde Pesquisa e Mineração (SVPM), em Goiás. E, no ano passado, o país não alcançou nem 1% da produção mundial do grupo de elementos.
A busca por parceiros internacionais no setor mineral é natural, segundo Ana Paula Repezza, diretora de negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). Ela participou neste mês de evento organizado pela Comissão Europeia, em Bruxelas, na Bélgica, onde a agência buscou atrair investimento europeu para o segmento de terras raras e outros minerais críticos.
“A cadeia mineral é, por si só, naturalmente globalizada e, tirando a China, acho que não existe nenhum país no mundo que consiga ser autossuficiente em capital e tecnologia, para a exploração e o beneficiamento ao longo de toda a cadeia”, afirma.
Repezza diz que, por isso, investimentos externos se tornam alternativa viável para projetos em fase pré-operacional, para alavancar o desenvolvimento e ajudar a diminuir o risco das iniciativas. “A mineração é uma atividade com risco muito alto em que quanto mais parceiros e investidores se têm, melhor”, afirma.
A atração de recursos para o segmento tem recebido maior atenção, primeiro pela compreensão crescente da importância de minerais críticos para a transição energética e segundo, por tensões geopolíticas recentes entre EUA e China envolvendo o acesso dos americanos às terras raras chinesas.
A SVPM teve financiamento de até US$ 465 milhões aprovado em agosto pelo banco de desenvolvimento americano, o DFC, que ajudará a mineradora a aumentar a produção de metais de terras raras pesadas, segundo o Financial Times.
A canadense Aclara Resources, com projeto em fase pré-operacional em Goiás, também anunciou em setembro que recebeu compromisso de financiamento de até US$ 5 milhões do banco, para estudo de viabilidade.
Já a australiana Viridis Mining and Minerals, com projeto em fase pré-operacional em Minas Gerais, anunciou na terça-feira (18) que recebeu carta de interesse da agência de crédito à exportação do Canadá (EDC), para suporte antecipado de até US$ 100 milhões em financiamento de dívida para o projeto. Segundo comunicado da mineradora, ela também tinha recebido no dia 10 deste mês carta de apoio não vinculativa da agência de crédito à exportação da França, que confirmou elegibilidade para um financiamento pela agência.
No eixo dos acordos, os objetivos variam entre contratos de compra e venda antecipada, os “offtakes”, e processamento e refino futuro dos minerais. A australiana St. George Mining, por exemplo, com projeto de nióbio e terras raras em fase pré-operacional em Minas Gerais, anunciou em setembro a assinatura de memorando de entendimento com a REAlloys, principal fornecedora de ímãs para a indústria americana de defesa e tecnologia, para potencial offtake de longo prazo, de até 40% da sua produção de terras raras.
E a australiana Brazilian Rare Earths (BRE), com projeto em fase pré-operacional na Bahia, anunciou no mês passado a assinatura de acordo com a francesa Carester, especialista em separação e refino de terras raras, para offtake de metais pesados da companhia por prazo inicial de dez anos. A francesa ainda deve fornecer serviços para o desenvolvimento da refinaria de separação da companhia, previsto no Complexo Petroquímico de Camaçari.
Para Elaine Santos, pesquisadora no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), em Portugal, relações como as que o Ocidente têm tido com esses projetos no Brasil sinaliza tentativa de reorganização da geopolítica da cadeia de terras raras. “Indica que os EUA e seus aliados estão tentando reduzir a dependência da China, que hoje domina com muita folga as etapas críticas de separação, refino e produção de ímãs permanentes”, afirma.
Especialista em sociologia da energia e recursos minerais estratégicos com pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), ela afirma que, por outro lado, indica a vulnerabilidade brasileira, que, embora tenha recursos estratégicos – e no caso de terras raras a maioria ainda é apenas recursos -, não controla etapas estratégicas da cadeia.
“É natural, portanto, que atores externos se antecipem e garantam posições desde o início”, afirma. “Percebe-se uma antecipação para garantir acesso às terras raras desde a fase pré-operacional. O Brasil, por ter recursos expressivos, tem potencial geológico para ser um ator estratégico num mercado que só vai crescer”, acrescenta.
Segundo ela, o risco é que o país repita “trajetória histórica”, em que exporta matéria-prima crítica, enquanto outros países consolidam a tecnologia, a metalização e a produção dos componentes de maior valor.
Mas a ApexBrasil trabalha para que isso não aconteça, segundo Repezza. Na conferência em Bruxelas, atrair investimento para etapas seguintes à extração mineral, como as de beneficiamento e de transformação do minério, foi um dos principais objetivos. Para fomentar a interação com investidores do bloco, a agenda da agência na Europa incluiu a apresentação de projetos em desenvolvimento no Brasil à instituições de fomento, bancos públicos e privados. Os projetos da Meteoric, da Aclara e da St. George, além de outros projetos, focados em minerais como sílica e grafite, estavam entre essas iniciativas.
“A estratégia da Apex para atração de investimento em minerais críticos está diretamente relacionada à Nova Indústria Brasil, cujo um dos pilares é, justamente, o adensamento da cadeia mineral”, diz Repezza. “Para que tenhamos, de preferência, a maior quantidade possível de elos da cadeia acontecendo dentro do território brasileiro.”
A proposta da Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos, tema de projeto de lei que ainda tramita no Congresso Nacional e que deve definir premissas para a política, também foi apresentada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) na agenda da ApexBrasil com os europeus.
“Estamos revendo o nosso marco regulatório para mineração de minerais críticos, revendo no sentido de tornar o processo de habilitação para exploração ainda mais amigável, o que é uma notícia importante para o investidor estrangeiro”, afirma.
Bryan Harris, sócio-gerente da Sabio, consultoria focada na América Latina, diz que o Ocidente reconheceu o Brasil como parceiro em potencial “excelente”. “Finalmente caiu a ficha para as nações ocidentais de que elas precisam diversificar seu abastecimento de minerais críticos, e rápido”.
E a aproximação do bloco de projetos no Brasil, afirma, mostra o quão a sério a questão está sendo tratada por esses países. Ele diz que desenvolver cadeias de terras raras fora da China levará anos, exigirá reformas profundas e coordenação complexa entre países. “Mas o fato de que o dinheiro já está começando a fluir mostra que isso se tornou uma prioridade geopolítica e industrial para as nações ocidentais.”
Goiás assinou recentemente memorandos de entendimento com a Organização Japonesa para Metais e Segurança Energética (Jogmec, na sigla em inglês) e com o Escritório de Assuntos Econômicos, de Energia e de Negócios do Departamento de Estado dos EUA, para avançar no desenvolvimento da cadeia de terras raras em território goiano, segundo Adriano da Rocha Lima, secretário-geral de governo do Estado.
Com o Japão, a expectativa do governo estadual é a de atrair investimentos para que projetos no Estado avancem na cadeia de beneficiamento de terras raras e com os EUA, a de cooperação tecnológica para potencial troca de conhecimento.
“Ainda é um esboço inicial, mais para estabelecer alguma base para se começar a discutir algo mais detalhado, que é o que está acontecendo agora, tanto em um caso quanto em outro. Estamos entrando na etapa em que se define exatamente objetivos, metas e se tem questões financeiras envolvidas. No caso do Japão está mais avançado, e sim há perspectiva de aporte financeiro, mas ainda não há definição de valor”, afirmou Rocha Lima.
O Estado também sancionou, em agosto, lei que institui a Autoridade Estadual de Minerais Críticos (Amic-GO) e define como minerais estratégicos, além das terras raras, recursos como nióbio, níquel, cobre e titânio. Ela vai coordenar a formulação de uma política estadual para minerais críticos e prevê a criação de um fundo estadual para desenvolver o segmento.
“Há uma lei sendo discutida no Congresso Nacional, mas nos antecipamos e fizemos já uma lei estadual”, afirma. “Ela estabelece uma série de questões para dar soberania ao Estado, no sentido de fazer o uso que mais convenha estrategicamente a Goiás, para que a gente não simplesmente repasse o minério em estado bruto, sem gerar valor.”
Fonte: Valor Econômico

